Vida sem likes

Na semana passada, o Instagram decidiu ocultar no Brasil e em outros seis países o número de curtidas de fotos e vídeos no feed e no perfil dos usuários, em forma de teste. A providência segue uma experiência que começou em maio no Canadá e, segundo a empresa, foi tomada para “que os seguidores se concentrem mais nas fotos e vídeos que são compartilhados do que na quantidade de curtidas que recebem”. A companhia também deseja que as pessoas não sintam que estão em uma competição dentro da plataforma. A decisão dividiu opiniões. Uma das repercussões mais polêmicas partiu do vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (PSL). Em seu Twitter, ele postou que a verdadeira intenção da marca é “barrar o crescimento dos que pensam de forma independente”. Por outro lado, a maioria dos influencers se pronunciou com um discurso politicamente correto, afirmando que a medida é positiva e combate a busca excessiva por likes. Isso pode ser um discurso calculado e não refletir o pensamento real daqueles que já tratam a rede como um negócio. Usuários que burlaram o Instagram e publicaram na rede uma foto de seu perfil com o número de curtidas foram criticados. Além disso, fontes que trabalham na área afirmaram à ISTOÉ que nos bastidores influencers estão preocupados com a possível queda no faturamento. Há relatos de reuniões para criar novas formas de gerar engajamento, apesar das manifestações favoráveis na rede.

Dependência tecnológica

Apesar de a alteração amenizar a relação tóxica que muitos usuários regulares têm com a rede social, ela não resolve o problema de dependência tecnológica. De acordo com um estudo de 2017 da Royal Society for Public Health, instituição de saúde pública britânica, o Instagram é a plataforma mais nociva à saúde mental dos jovens. De cada 10 voluntários, sete afirmaram que o aplicativo foi prejudicial a sua autoimagem. Entre as meninas, nove em cada 10 estão infelizes e pensam em mudar a própria aparência por meio de procedimentos estéticos para serem mais aceitas na plataforma. Esse problema é constatado pelo Programa de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da USP. Criado em 2006, o grupo atende pacientes para os quais o uso da tecnologia deixou de ser um prazer e passou a funcionar como uma espécie de transtorno obsessivo compulsivo, com componentes de impulsividade. De acordo com a psicóloga do programa, Dora Góes, as redes sociais apenas dão visibilidade ou agravam um problema que já existe. “As pessoas buscam ali o que falta na vida, mas nada substitui a necessidade do ser humano de ser aprovado nas suas relações pessoais. Vira uma busca sem fim”, diz ela. Na maioria dos casos de dependência tecnológica existem outras doenças associadas, como depressão e ansiedade.

A influencer Mariana Gimezes já teve problemas de autoaceitação na adolescência e chegou a desenvolver depressão e síndrome do pânico. “Foi difícil, ficava me comparando com os outros e me sentia inferior”, diz ela. Formada em arquitetura, desde 2016 trabalha como influenciadora. Com 123 mil seguidores, vive de publicidade com os posts. Para ela, a mudança recente foi feita por interesses comerciais, para incentivar o patrocínio de posts, assim como ocorreu em 2018, quando eles passaram a aparecer aos usuários não por ordem cronológica mas, sim, pela quantidade de curtidas que recebiam. À época, Mariana chegou a ficar abalada com a queda nos likes: “Achei que não estavam gostando do meu trabalho.” Mais madura e próxima dos seguidores, hoje ela lida com a questão de uma forma bem-humorada: “É raro, mas quando faço foto com poucas curtidas, brinco que estou me sentindo abandonada e peço para as pessoas curtirem”.

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