Mulher diz: “Fui à delegacia fazer um BO e descobri que estava há 11 anos desaparecida”

 

Aos 30 anos, Dayanara Spring, uma costureira, foi forçada a registrar um relatório policial após ser vítima de um assalto. Na estação policial em Curitiba, ela recebeu uma notícia inesperada.

O policial me disse que meu nome constava no banco de dados de pessoas desaparecidas há 11 anos.

Ela acabara de retornar de uma viagem à China e suspeitou que poderia haver algum mal-entendido. Ela chegou a pensar que, durante sua viagem, alguém poderia ter roubado sua identidade e, como resultado, seu nome foi erroneamente incluído na lista de pessoas desaparecidas. Mas não era isso.

Dayanara foi considerada desaparecida desde 2008, quando uma tia dela registrou um relatório sobre seu desaparecimento enquanto ainda estavam morando em Toledo, uma cidade no oeste do Paraná.

Tudo começou com um “ato de rebeldia” adolescente.

Quando eu tinha 13 anos, morava com uma tia e decidi fugir para a casa de uma amiga. Coisa de adolescente, sabe? Quando a mãe da minha amiga soube que eu tinha fugido, me levou ao Conselho Tutelar relembra ela.

Eles já tinham o registro do desaparecimento e chamaram a minha tia. Voltei para casa e segui a vida.

Dayanara não tinha ideia de que seu status de “desaparecida” havia sido mantido pela polícia.

Surpreendentemente, durante o tempo em que esteve “desaparecida” oficialmente, a paranaense conseguiu obter uma carteira de trabalho, um CPF, um passaporte e até se casou e registrou uma filha.

Em nenhum momento fui informada sobre estar desaparecida, somente quando fiz o boletim de ocorrência.

Para cancelar o registro de desaparecimento e finalmente esclarecer tudo, ela foi à Delegacia de Proteção à Pessoa da Polícia Civil do Paraná e informou que não estava desaparecida.

E aí eles me deram um documento confirmando que eu não estava mais no banco de dados.

O caso foi resolvido em 2019 e ela compartilhou sua história no TikTok recentemente. Dayanara explica que questionou as autoridades sobre por que ainda estava listada como pessoa desaparecida no sistema, mesmo depois de ter passado pelo Conselho Tutelar e relatado que havia retornado para casa.

Eles me falaram que Toledo era uma cidade pequena e, em 2008, o registro era por arquivo de papel. Eles demoraram para digitalizar o sistema, então provavelmente não foi dada a baixa de forma correta na época.

A paranaense compartilha que o ocorrido a fez refletir sobre a questão das pessoas desaparecidas.

u achei tudo confuso. Onze anos e ninguém procurou por mim? E se eu tivesse sido sequestrada? Nunca foram atrás ou investigaram? A impressão que fica é que o nome estava lá e ninguém fez nada.

Caso não é comum, diz delegada

Para o portal UOL, Iara Dechiche, delegada da Delegacia de Proteção à Pessoa da Polícia Civil do Paraná, afirmou que casos como o de Dayanara não são comuns.

Se a pessoa comparecer à delegacia ou ao Conselho Tutelar e informar que apareceu, o nome dela é retirado do sistema e ela recebe uma cópia do documento informando isso explica.

Pode ser que, em 2008, algum funcionário autônomo ou auxiliar administrativo tenha cometido um engano, mas não acredito que tenha acontecido. A possibilidade de a família ter informado e o documento ter se perdido por qualquer outro motivo é pequena disse Iara Dechiche, da Delegacia de Proteção à Pessoa da Polícia Civil do Paraná

Atualização do cadastro é essencial

A delegada enfatiza a importância de informar à polícia quando uma pessoa é encontrada, para que o banco de dados seja atualizado.

Se a pessoa não puder comparecer na delegacia, essa declaração de reaparecimento pode ser feita por um familiar ou representante legal, levando documentos e cópia do BO com a queixa do desaparecimento, para que a polícia possa dar baixa no sistema de forma correta.

Iara Dechiche, da Delegacia de Proteção à Pessoa da Polícia Civil do Paraná, esclarece que a exclusão do nome do sistema de pessoas desaparecidas é fundamental para evitar problemas ao renovar ou emitir documentos.

Quando um indivíduo consta como desaparecido, terá dificuldades para, por exemplo, emitir carteira de identidade, carteira de motorista e passaporte. Antes até era possível tirar esses documentos, mas desde 2018, quando a Polícia Civil do Paraná passou a ter ligação direta com a Polícia Federal, isso não acontece mais explica Iara Dechiche, da Delegacia de Proteção à Pessoa da Polícia Civil do Paraná.

Falhas nos registros ainda persistem no Brasil

Em 2023, o Brasil registrou 80.317 casos de desaparecimento, conforme dados do Anuário da Segurança Pública de 2024.

A advogada criminalista Samantha Aguiar, especialista em casos de crianças desaparecidas, ressalta que o país ainda não conta com um banco de dados nacional unificado e automatizado de pessoas desaparecidas.

Isso significa que, quando é feito o registro de um boletim de ocorrência de pessoa desaparecida em uma delegacia, esse BO não vai para um cadastro nacional, ele não é automático diz Samantha.

Em 2019, o governo federal criou a Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas, que inclui a criação de um cadastro nacional para esses casos.

Esse novo cadastro deverá integrar automaticamente os bancos de dados das instituições de segurança pública em todo o país, com o objetivo de acelerar as investigações e a localização de pessoas desaparecidas. No entanto, essa integração ainda não está disponível.

Atualmente, os órgãos de segurança pública utilizam o Sistema Nacional de Localização e Identificação de Desaparecidos (Sinalid) em suas buscas, mas o preenchimento de informações no sistema ainda não ocorre de forma automática.

O Sinalid não é um banco de cadastro nacional e por isso precisa ser alimentado para estar atualizado. Além de registrar o boletim de ocorrência do desaparecimento, é necessário que a delegacia também preencha o Sinalid. Então, muitas vezes as informações ou ficam defasadas ou inexistentes. O ideal seria ter um cadastro nacional unificado funcionando o mais rápido possível diz a advogada.

Em resposta ao portal UOL, o Ministério da Justiça e Segurança Pública afirmou que o Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas (CNPD) é uma prioridade dentro da Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas e que está atualmente em fase de desenvolvimento.

Esta etapa de desenvolvimento representa um grande desafio em termos de integração de dados nacionais e articulações com diferentes órgãos da administração pública. A previsão é de que o CNPD seja concluído até o primeiro semestre de 2025 afirmou o Ministério da Justiça e Segurança Pública.

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