Cidade cearense pode perder mais de 80% do território no litígio entre Ceará e Piauí
Pouco mais de 348 quilômetros separam a capital Fortaleza de Poranga — município mais afetado pela disputa territorial entre Ceará e Piauí. A área de litígio entre os dois estados abarca 13 municípios cearenses, mas a cidade de Poranga é a que tem mais território sob risco.
O Piauí reivindica, em Ação Cível Originária no Supremo Tribunal Federal (STF), quase 3 mil quilômetros quadrados de terras cearenses, dos quais 868,9 km² ficam em Poranga. A área equivale a 66,3% do território total do município. Contudo, esse percentual ainda pode aumentar.
Relatório técnico elaborado pelo Exército brasileiro e divulgado no dia 28 de junho recomenda ao Supremo que inclua no processo de litígio novas regiões, chamadas de “complementares”. No total, mais 497 km² passariam a integrar o processo.
Novamente, Poranga seria a cidade mais afetada: mais 213 km² passariam a integrar a área de litígio, caso a sugestão do Exército seja aceita. Nessa hipótese, cerca de 82,5% da cidade passaria a integrar a área de litígio e fica sob o risco de ser transferida para o Piauí.
Isso também significa que a maior parcela da população de Poranga pode ser impactada pelo litígio. Das 12.065 pessoas que vivem na cidade, cerca de 9.953 residem nesta região — o cálculo foi feito a partir da densidade demográfica estabelecida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IGBE) no Censo 2022.
RAÍZES FINCADAS NO CEARÁ
Procurador-Geral do Estado do Ceará, Rafael Machado Moraes explica que o Governo do Ceará — por meio do Grupo de Trabalho do Litígio — vem atuando junto à população de Poranga “justamente por ser a região mais afetada em razão do litígio”.
No final de maio, foi realizada uma audiência pública na cidade para ouvir os habitantes da região e representantes da sociedade civil organizada. “Para conversar com a comunidade, informar do litígio e entender como a comunidade, a região da cidade (afetada pelo litígio) e toda a região circunvizinha, se entende em relação ao aspecto do pertencimento”, relata o procurador.
“A comunidade indígena, todas as associações da região e a população, na ocasião, foi categórica, aqueles que se manifestaram, que não havia interesse nenhum de passar para o Estado do Piauí. Todos queriam manter-se no estado do Ceará e as suas raízes fincadas no estado do Ceará”, ressalta.
“Mesmo sendo a região mais afetada, mais distante, ali o pertencimento está fincado sim e é isso que nós vamos demonstrar”, completa Rafael Machado Moraes. As falas da audiência pública foram documentadas e o Ceará deve apresentá-la ao Supremo.
RISCOS PARA A CIDADE
Prefeito de Poranga, Carlos Antônio (PT) afirma que a perda de território da cidade para o Piauí, caso a decisão do STF seja favorável ao estado vizinho, será “desastrosa”. “Poranga, creio, deixa de ser cidade”, projeta. “Além de ser uma cidade pequena, se ainda perder mais 60% do seu território… É uma quantidade de território muito grande”, completa.
Ele ainda cita que, apesar de ter uma relação “amigável” com as cidades piauienses vizinhas, não vê interesse delas em agregar as terras de Poranga. “Aqui faz divisa com Pedro II. E eles nunca mostraram interesse, nunca chamaram para uma reunião”, garante. Apesar do “impacto desastroso” de uma eventual perda de território — e do desejo de mais de 80% da população que vive na região de litígio em Poranga de pertencer ao Ceará —, o prefeito Carlos Antônio narra que não há tanta preocupação das pessoas de que isso possa, de fato, ocorrer.
O motivo para isso é a duração da disputa, que se arrasta desde o final do século XIX. “Como é muito antigo esse problema, o pessoal da região não acredita que essa parte vai pertencer um dia ao Piauí. Ninguém acredita, por mais que falem, ninguém acredita. Até porque é mais falado em período de campanha política, porque muitos políticos gostam muito de aparecer nesses momentos”, diz.