Já se passaram seis anos desde que o aborto fez com que as atenções da sociedade brasileira se voltassem para o Supremo Tribunal Federal (STF). Na época, abril de 2012, a decisão da Corte recaía sobre a permissão da interrupção da gravidez de fetos anencefálicos, um assunto que aguardou quase uma década para ser decidido. Naquele ano, a ministra Rosa Weber votou favoravelmente à ação, ao lado de outros sete colegas que consideraram o feto sem cérebro como “juridicamente morto”.
“O crime de aborto quer dizer a interrupção da vida e, por tudo o que foi debatido, a anencefalia não é compatível com essas características”, declarou a magistrada naquele julgamento.
O aborto volta agora à pauta do STF com um viés muito mais amplo, incluindo a descriminalização da interrupção da gravidez até a 12a semana.
Rosa Weber que continua a integrar a Corte agora assume o posto de relatora da ação.
Por sua natureza discreta, assessores dizem ser impossível indicar uma tendência da ministra a respeito do assunto. E para ampliar o mistério em torno do assunto, Rosa Weber também não tem prazos formais a cumprir para que torne público seu parecer. Ela ainda deve aguardar o posicionamento da Procuradoria-Geral da República (PGR) para concluir o voto.
“A PGR não se manifestará sobre esse assunto, no momento. Ela aguardará as audiências públicas que ocorrerão esse mês no STF para, só então, emitir parecer”, antecipou a assessoria do órgão.
Histórico
A pauta veio à tona em março do ano passado, quando o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) apresentou uma ação ao STF pedindo que o aborto feito por decisão da mulher nas 12 primeiras semanas de gravidez não seja mais considerado um crime.
Menos de seis meses depois, Rosa Weber decidiu convocar audiências públicas para que pudesse ouvir todos os segmentos envolvidos com o tema. Mais de 40 pessoas que se inscreveram para falar sobre o assunto foram selecionadas para as exposições que ocorrerão nesta sexta-feira (3) e na próxima segunda-feira (6).
Aos assessores do STF, Rosa Weber tem declarado que o assunto envolve diferentes valores públicos e direitos fundamentais e pode ser considerado um dos temas jurídicos “mais sensíveis e delicados”, por envolver razões de ordem ética, moral, religiosa e de saúde pública e a tutela de direitos fundamentais individuais.
Os participantes da audiência foram escolhidos por representarem áreas envolvidas direta ou indiretamente com o tema, como a científica, religiosa, de saúde e a relacionada aos direitos humanos. Cada expositor terá 20 minutos para se manifestar, mas, ao final, os ministros ainda podem pedir mais esclarecimentos. Depois desse processo, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, emitirá um parecer e, só então, a relatora Rosa Weber formulará seu voto que será submetido ao plenário do STF.
Argumento
Advogada do PSOL, Luciana Boiteaux afirma que “já passou da hora” de o Supremo decidir sobre o assunto. “Estamos em 2018 e o Brasil é um dos poucos países que criminaliza o aborto”, afirmou, ao citar exemplos de países que têm forte presença religiosa em suas culturas, mas, ainda assim, têm regiões onde o procedimento é legalizado, tais como Irlanda, Estados Unidos, Argentina e Chile.
“O Brasil tem um alto índice de mortes maternas. As complicações geradas por abortos, sejam eles espontâneos ou não, são o quarto motivo. É mais do que urgente para as mulheres discutir este tema”, disse.
Para a advogada, a audiência pública marcada pelo Supremo é uma oportunidade para dar espaço a “vozes tão caladas”.
Segundo Luciana, o argumento usado no pedido pelo direito ao aborto até a 12a semana é baseado em direitos constitucionais, “como cidadania e a incompatibilidade de um corpo controlado pelo Estado”. Ainda segundo ela, o aborto é uma realidade na vida de todas as mulheres, mas, as principais vítimas do aborto feito de forma ilegal são mulheres negras e pobres.
Atualmente, segundo o Código Penal de 1940, uma mulher que faz aborto pode ser punida com pena de prisão de até três anos. Profissionais de saúde, amigos e parentes também podem responder pelo crime com pena de prisão de até quatro anos se for confirmada participação no procedimento. As únicas exceções ao crime de aborto são os casos de estupro, de risco para a vida da mulher ou de feto anencéfalo.
Em 2016, um outro pedido chegou a ser apresentado ao STF para estender as exceções penais a situações de gravidez por mães infectadas pelo vírus Zika. O argumento foi o de que, além da microcefalia, a doença poderia provocar danos ainda maiores aos fetos, podendo não haver encéfalo ou apenas fragmentos. O caso acabou não avançando mesmo com um parecer do então procurador-geral Rodrigo Janot favorável ao mérito do pedido.