Consequências da maternidade: depressão pós-parto

Júlia mora numa região periférica da sua cidade, desistiu dos estudos quando estava no primeiro ano do ensino médio para aventurar-se com seu terceiro namorado viajando para outra cidade sem avisar aos pais, passou dois meses namorando este rapaz que parecia finalmente ter encontrado o amor de sua vida. Muito apegado a ela, eles planejavam uma vida a dois. Mesmo implicando com os pais, Júlia passava a maior parte do tempo em atividades pouco produtivas como ficar no celular usando as redes sociais e vestir-se para ir a festas com o namorado, que passava o dia inteiro trabalhando. Sempre foi uma menina que não tinha responsabilidade com horário, estudos muito menos com trabalho. Aos 16 anos perdeu seus pais num acidente automobilístico e vivenciou um estado de luto profundo que culminou no uso contínuo de medicamentos antidepressivos por um período de um ano. Aos 20 anos, conseguiu um emprego de doméstica mas não durou suas semanas no emprego, visto que chegava sempre atrasada e saia do trabalho muito tempo antes do horário combinado com seu patrão. Aos 21 anos engravidou. As pessoas a parabenizavam pelo feito e torciam para que aquela criança viesse a adoçar a vida da jovem mãe. Júlia também acreditava nisso e torcia pelo nascimento do bebê. Ao nascer, a criança trouxe bastante alegria para aqueles pais e toda a comunidade em que moravam deram presentes. Duas semanas após o nascimento do bebê Júlia vivenciava uma tristeza que não sabia o motivo, tinha pensamentos negativos em relaçao a maternidade e este estado foi se intensificando ao longo dos dias até que aos dois meses do pós-parto chorava escondida e rejeitava seu filho. Perdeu o apetite e o desejo sexual. Pensava em suicídio e se achava incapaz de ser mãe. Júlia vivenciava um processo conhecido como depressão pós-parto.

O caso relatado de Júlia não difere de muitos outros comumente vivenciado por mães pelo mundo. A depressão pós-parto é uma realidade caracterizada por casos de transtorno depressivo maior no período puerperal, ou seja após o nascimento do bebê. De acordo com o DSM-V, dá-se nas primeiras quatro semanas após o nascimento do bebê. Segundo o CID-10 aparece nas seis primeiras semanas, não havendo um período limite para a sua investigação.  (CAMPOS e RODRIGUES, 2015, p. 485).

Tornar-se mãe se configura como um processo comportamental complexo que envolve questões biológicas, psicológicas e sociais. Dessa forma estamos falando de filogênese, ontogênese e sociogênese, pilares da filosofia behaviorista e da ciência análise do comportamento. Aspectos subjetivos e papéis sociais são colocados à mesa, uma vez que ser mãe denota particularidades típicas de cada situação. Desta forma, não é simplesmente o parentesco biológico que determina o comportamento materno tido como ideal, entretanto mães que não correspondem às expectativas sociais podem desenvolver um padrão comportamental característico de esquiva com o objetivo de esconder ou controlar respostas que reflitam esses sentimentos publicamente, o que pode ocasionar a manutenção de outros comportamentos problemáticos.

Os fatores de risco listados nos manuais diagnósticos tradicionais implicam em contingências aversivas para o sujeito. O que são contigências aversivas? São ambientes não prazerosos para o mesmo. Por exemplo uma pessoa pode estar em contingência aversiva ao perder um emprego, ao terminar um relacionamento, ao ser vítima de assalto ou até mesmo ao esquecer as chaves de casa na casa de um amigo, são inúmeros os exemplos, mas sempre estarão ligados ao ambiente da pessoa.

[…] a afirmativa recorrente na obra de Skinner, de que as causas do comportamento estão no ambiente, deve ser entendida de acordo com uma noção muito ampla de ambiente, que não inclui apenas a configuração de eventos que antecede o comportamento, como em certas versões da Psicologia estímulo-resposta, mas todo um tecido de relações entre comportamento e ambiente interagindo, por sua vez, com sua herança genética. Os eventos privados tem, é claro, também uma parte bastante importante nesta história individual (ROSE, 1982, p. 3).

Uma mulher que vive sob condições de desamparo, desde a perda de seus pais e isenta de responsabilidades em sua vida, desde o descompromisso com os estudos e com o casamento, bem como com o trabalho, vivendo sob condições de prazer momentâneo e pouco envolvida com uma vida onde as coisas são conquistadas com esforço, estará propensa a um padrão comportamental típico da depressão pós-parto. Entretanto, precisamos antes compreender a depressão, para depois compreendermos a depressão pós-parto, que na verdade será apenas a contingência em que o comportamento depressivo apareceu. Uma pessoa que emite comportamentos que fazem parte de um padrão depressivo, o qual chamamos de “desamparo aprendido”, é uma pessoa que vive sob contingências aversivas em seu ambiente, ou seja, o mesmo tem baixo repertório comportamental para lidar com eventos desagradáveis. A classificação dos manuais por si só não nos dá base para intervenção num caso de depressão, mas sim a função do comportamento do sujeito, a isso damos o nome de tríplice contingência. Um evento aversivo como a chegada de um bebê funciona como estímulo que causa o comportamento de rejeição, por exemplo, que consequentemente é reforçado positivamente por isenção de responsabilidades. O processo é mais complexo mais no básico funciona mais ou menos dessa forma. O que causa o comportamento do sujeito é tão importante quanto quais as consequencias que ele tem com este comportamento.

Outros aspectos ainda merecem ser destacados. A tristeza pós-parto é um processo natural até as duas primeiras semanas, pois é um período em que os hormônios, que antes bombardeavam esta mãe, são diminuídos drasticamente causando mudança no humor. No entanto, se a tristeza persiste por mais de 4 semanas, um caso de depressão pós-parto pode estar sendo identificada, mas como todo comportamento deve ser compreendido na relação do sujeito com o ambiente, faz-se pertinente uma análise funcional feita por um psicólogo analista do comportamento. É importante considerar ainda que CAMPOS e RODRIGUES (2015, p. 484) “A psicose pós-parto é um quadro mais grave e pouco frequente na população, acometendo uma em cada 1.000 mães. Na maioria das vezes tem comorbidade com o transtorno bipolar”. Além disso, os autores indicam que, além da dificuldade e incapacitações características do transtorno, alterações de humor expressas no período após a gravidez podem colaborar para o surgimento de relações de contingencias aversivas; decorrentes das crenças sobre o que é adequado socialmente para o papel de mãe acompanhado pelo estigma dos transtornos mentais.

Em suma, uma pessoa que emite padrões de comportamento típico da depressão pós-parto, está envolvida num ambiente de pouca estimulação reforçadora. O comportamento humano é multideterminado, por isso não deve ser avaliado considerando apenas o estímulo discriminativo “bebê”, mas todo um complexo de variáveis que direta ou indiretamente estão relacionadas ao comportamento emitido. A história de vida do sujeito oferece dados indispensáveis para uma análise funcional que terá como objetivo, identificar as variáveis envolvidas na emissão do comportamento e oferecer dados para a modificação do mesmo. Busque um psicólogo analista do comportamento para avaliação e tratamento.

Diego Marcos Vieira da Silva

Psicólogo comportamental (CRP15/4764), especializando em neuropsicologia, formado pela Universidade Federal de Alagoas, com formações em psicopatologia em análise do comportamento e técnicas de memória e oratória. Com capacitação para avaliação psicológica e experiência em casos de transtornos psicológicos tanto na clínica quanto em instituições de saúde mental.

REFERÊNCIAS:

BRUM, Evanisa Helena Maio de; OLIVEIRA, Débora Silva de. Depressão pós-parto: divergência conceituais – depressão pós-parto. 2012. Disponível em: <file:///C:/Users/Diego/Downloads/17-1-61-1-10-20120821.pdf> Acesso em 03 de set. 2017

CAMPOS, Bárbara Camila de; RODRIGUES, Olga Maria Piazentin Rolim; Depressão pós-parto materna: crenças, práticas de cuidado e estimulação de bebês no primeiro ano de vida. Porto Alegre, v. 46, n. 4, pp. 483-492, out.-dez. 2015. Disponivel em: < http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psico/v46n4/09.pdf> acesso em 3 de set. 2017

Carvalhares, M. & Benício, M. (2002). Capacidade materna de cuidar e desnutricäo infantil. Revista de Saúde Pública, 36 (2), 188-197.

DE ROSE, J. C. Consciência e propósito no behaviorismo radical. Campinas – SP: ITCR, 1982. Disponível em: <http://www.itcrcampinas.com.br/pdf/outros/Consciencia_e_Proposito_Behaviorismo Radical_JulioC.pdf>. Acesso em: 10 de julho de 2015.

MALDONADO, Maria Tereza. Psicologia da gravidez. 12. ed. Rio de Janeiro: VOZES 1983. apud (KNIEBIEHLER E FOUQUET; CAPLAN; HOWELLS; RUBINSTEIN; ROBINSON E STEWART; BADINTER).

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