O que se sabe até agora sobre incêndio que derrubou prédio no centro de SP

São Paulo começou o 1º de Maio com as imagens de um prédio em chamas no coração da cidade. O edifício Wilton Paes de Almeida, de 24 andares, no Largo do Paissandu desabou após um incêndio que começou por volta de 1h30 da madrugada desta terça.

Ainda não há confirmação sobre número de mortos, mas uma pessoa está oficialmente desaparecida – um homem que estava sendo socorrido pelos bombeiros quando o prédio ruiu.

Por volta de 1h40, o Corpo de Bombeiros começou a divulgar informações no Twitter sobre os primeiros esforços para combater o fogo: “Incêndio em Apartamento, Largo do Paissandu, 100 – República. Em princípio não há vítimas. 20 viaturas no atendimento, 45 homens. Aguardamos mais informações do local”.

Pouco depois, ficou claro que o cenário era dramático. Viviam no prédio, em ocupação irregular, cerca de 150 famílias, de acordo com o cadastramento feito pela Prefeitura em março. Como as ocupações de sem-teto têm população flutuante, não se sabe exatamente quantas pessoas estavam no local enquanto as chamas tomavam conta dos apartamentos.

Depois do incêndio, segundo os bombeiros, a contagem de pessoas que saíram do prédio resultou em um número de 118 famílias – ou 317 pessoas. As pessoas que estavam no cadastro e não na contagem após o incêndio, no entanto, não necessariamente estavam na estrutura durante a tragédia.

O edifício construído em 1966 estava abandonado havia 17 anos. No passado, foi sede da Polícia Federal e abrigou uma agência do INSS.

De lá para cá, foi ocupado irregularmente diversas vezes – atualmente, os moradores pagavam em torno de R$ 200 mensais por um cômodo em algum dos andares. A ocupação estava a cargo do Movimento Luta por Moradia Digna (LMD).

Moradores do Largo do Paissandu registraram o momento do desabamento de prédio em chamas.

“Subiu para 24 o número de viaturas no combate ao incêndio, 57 homens. Muito fogo pelo local. Há 1 vítima pedindo socorro no último andar. Aguardamos mais informações do local”, atualizou o Corpo de Bombeiros às 2h da madrugada.

Pouco depois, o prédio desabou, justamente quando os bombeiros tentavam resgatar um homem em uma operação lançada do prédio vizinho. Ele estava pendurado na lateral do prédio, agarrado à antiga estrutura de para-raios. Uma equipe de bombeiros chegou a lançar equipamentos para auxiliá-lo, mas os apoios se romperam quando o edifício desabou. Ele é a única pessoa considerada desaparecida oficialmente.

“Ele estava no 12º andar. Estávamos entrando pelo prédio do lado e chegamos a colocar o cabo de aço nele, mas o prédio ruiu e levou ele junto. Já achamos o cabo, mas ele não”, disse o coronel do Corpo de Bombeiros Max Mena à BBC Brasil.

“Na hora que a gente estava terminando o resgate, o prédio caiu e seis ou sete andares caíram sobre ele. Faltaram 40 ou 60 segundos para a gente conseguir finalizar o processo”, disse o sargento Diego, bombeiro que fazia o resgate.

Busca por vítimas

De acordo com os bombeiros, na terça-feira, 160 homens trabalharam no combate às chamas e 57 viaturas estiveram no local, além de um helicóptero. Equipes do Samu, da Defesa Civil, da Companhia de Engenharia de Tráfego e da Polícia Militar também trabalharam na área.

Às 4h15, homens da Defesa Civil começaram a reunir os moradores para fazer um cadastramento prévio das famílias e identificar a melhor forma de oferecer ajuda e abrigo.

Por volta de 11h30, os bombeiros começaram a fazer buscas manualmente nos escombros, após conseguirem apagar os focos de incêndio. Para não causar desabamentos e preservar alguma possível vítima, retroescavadeiras só serão usadas após 48 horas.

Bombeiro com cão farejadorDireito de imagemRAFAEL BARIFOUSE/BBC
Image captionCães farejadores chegaram ao local na manhã desta quarta para buscar possíveis vítimas nos escombros

“Não acreditamos que haja muitas pessoas embaixo, mas trabalhamos com a pior hipótese. Não acho provável (que haja gente nos escombros) porque já fizemos cadastramento e levantamento, e a maioria está aqui fora. Ainda tem muito material queimando lá embaixo. Devem durar de 7 a 10 dias os trabalhos aqui.”

As chamas atingiram dois prédios vizinhos, e o desabamento destruiu parte de uma igreja luterana que fica ao lado do edifício. O templo, chamado Martin Luther, é uma das primeiras paróquias evangélicas luteranas da capital paulista, inaugurada em 1908.

O pastor Frederico Ludwig, de 61 anos, disse à BBC Brasil que 80% da igreja foi destruída. “Sobrou praticamente só o altar e a torre”, afirmou. Segundo ele, o templo havia passado por uma reforma interna que custou R$ 1,3 milhão e se preparava para uma reforma da parte externa.

pastorDireito de imagemRAFAEL BARIFOUSE/BBC
Image captionPastor de igreja luterana diz que 80% de igreja foi destruída. Templo havia acabado de passar por reforma de R$ 1,3 milhão

“O prédio estava inclinado há pelo menos 20 anos. A gente chamou as autoridades várias vezes, e não deu em nada. Agora estamos assim, vamos recolher os escombros”, disse.

“Não questionamos a invasão, mas sim as condições em que as pessoas viviam. Tinha esgoto a céu aberto. No verão era enxame de mosquito (aqui).”

escombros
Image captionBombeiros tentam apagar focos de incêndio para vasculhar os escombros | Fonte: Corpo de Bombeiros

No último dia 16 de março, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) deu por arquivado um inquérito civil aberto em 2015 para avaliar os riscos no prédio. Nesta terça-feira, o MP-SP anunciou a reabertura das investigações em razão dos “gravíssimos fatos ocorridos” com o desabamento.

A promotoria atribuiu o arquivamento, em março, ao posicionamento de outros órgãos fiscalizadores: “Os órgãos públicos incumbidos de fiscalizar o imóvel, em especial a Defesa Civil de São Paulo e a Secretaria Especial de Licenciamentos, informaram que, a despeito do AVCB (Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros) estar vencido, não havia risco concreto que demandasse sua interdição”.

Michel Temer hostilizado

Por volta de 10h desta terça, o presidente Michel Temer esteve no local do incêndio, mas foi hostilizado e se retirou rapidamente. Ele chegou a descer do carro, mas foi reconhecido e passou a ser alvo de xingamentos.

Objetos foram jogados contra o carro, enquanto pessoas o chamavam de “golpista” e “vampiro”. Diante das hostilidades, Temer retornou ao veículo rapidamente e deixou o local.

Mais cedo, o governador de São Paulo, Márcio França (PSB), visitou a área afetada pelo fogo e conversou com a imprensa.

O prefeito Bruno Covas também foi ao local nesta manhã e disse que estava em tratativas com a União e com o Estado para ajudar a resolver o problema. Em uma coletiva de imprensa na tarde desta terça, ele afirmou que as famílias receberão R$ 1.200 reais para se manter nos dois primeiros meses e R$ 400 de auxílio-aluguel nos meses seguintes – o dinheiro será disponibilizado pelo governo do Estado.

Falta de elevadores teria criado ‘chaminé’ e agravado incêndio

escombros de prédio que desabouDireito de imagemCORPO DE BOMBEIROS
Image captionBombeiros começaram busca em escombros por volta de 11h50, após apagar fogos de incêndio

De acordo com o porta-voz do Corpo de Bombeiros, Marcos Palumbo, a ausência de elevadores no prédio e a presença de muito lixo no local teriam agravado o incêndio, funcionando como combustível para o fogo.

“Ele tinha elevadores que foram substituídos (retirados). Então, esses dutos de ar que eles tinham no meio, pelo fosso do elevador, eles acabam formando uma chaminé. Você tinha muito material combustível: madeira, papel, papelão, algo que fez com que essa chama se propagasse com rapidez”, disse Palumbo.

“E a própria estrutura do prédio, sem os elevadores, formando essa chaminé, fez com que causasse o incêndio de forma generalizada na edificação.”

Fogo em prédio
Image captionSegundo porta-voz dos Bombeiros, ausência de elevadores criou duto de ar e presença de lixo funcionou combustível para o fogo, o que agravou o incêndio | Fonte: Corpo de Bombeiros

Lixo e ratos

Ana Cristina Macedo, de 43 anos, relatou que morou na ocupação até meados de 2017, com o marido. Ela deixou o prédio a pedido da irmã, por causa da situação precária e por morar num andar alto, “com muita escada”.

Ana Cristina se mudou para outro edifício ocupado pelo mesmo movimento, na Bela Vista.

“As condições eram precárias. Faltava luz todo dia e tinha muito lixo e rato. Os moradores achavam que era seguro. Dizem que os bombeiros estiveram aí e avisaram ao porteiro que podia cair, e ele não contou para ninguém”, afirmou à BBC Brasil.

Ana Cristina MacedoDireito de imagemRAFAEL BARIFOUSE/BBC
Image captionAna Cristina Macedo, de 43 anos, diz que moradores viviam de forma precária no prédio que desabou

Zelador do prédio que fica em frente ao edifício que desabou, Josimar Lopes, de 48 anos, contou à BBC Brasil que acordou à 1h30 com o barulho. Ele diz que, inicialmente, achou que estavam invadindo o prédio onde mora e trabalha. Foi então que viu chamas no quinto andar da construção da frente. Ele desceu para jogar água com uma mangueira, mas desistiu e chamou os bombeiros.

“A gente sabia que isso ia acontecer. Não foi o primeiro incêndio. Já vi uns três recentemente. Tinha muita madeira e colchão lá dentro”, afirma Lopes, que trabalha há 13 anos no local.

Tânia Lima, 37 anos, e Josimar Lopes, 38Direito de imagemRAFAEL BARIFOUSE/BBC
Image captionTânia Lima, 37 anos, e Josimar Lopes, 48, tiveram de deixar o prédio onde vivem, ao lado do edifício que desabou

Francisca Santos Silva, de 40 anos, relatou à BBC Brasil que morava havia três anos no edifício que desabou. Ela diz que estava dormindo quando foi alertada sobre o fogo pelo marido.

“Acordei com meu marido me puxando e dizendo que o prédio ia cair. Ele já tinha tirado nossos cinco filhos. A gente morava no terceiro andar. Descemos, atravessamos a rua, e já estava tudo em chamas. Em mais uns segundos, veio ao chão”, disse.

Ela afirma que as condições de vida no prédio eram ruins e que morava lá por falta de opção. “Eu vejo acontecendo na cabeça mas ainda não acredito. A situação era bem ruim. Água tinha, mas luz faltava sempre. Não tinha lugar melhor para ir. As pessoas criticam, mas a gente não mora aqui porque gosta, mas porque precisa”

Francisco Santos SilvaDireito de imagemRAFAEL BARIFOUSE/BBC
Image captionFrancisca Santos Silva contou que foi acordada pelo marido quando o edifício estava em chamas. Ela afirma que morava havia três anos no prédio que desabou

‘Tragédia podia ser ainda maior’

O governador Márcio França criticou as ocupações irregulares em São Paulo e afirmou que a “tragédia poderia ter sido ainda maior” se os bombeiros não tivessem agido rapidamente.

“Esse imóvel é da União. É uma estrutura muito leve, não permite ter residência. Nessas condições, é impossível viver. Eles vão jogando lixo no elevador e aquilo vai criando combustão. Em São Paulo, mais de 150 prédios são ocupados indevidamente”, afirmou, em entrevista à TV Globo.

Para o governador, o incêndio demonstra os “riscos” das ocupações irregulares. “O que temos que fazer é convencer as pessoas a não morarem desse jeito. E as pessoas que estão achando que estão ajudando, resistindo e tentando possibilitar que permaneçam nos imóveis estão proporcionando uma tragédia como essa.”

Dia seguinte do incêndioDireito de imagemRAFAEL BARIFOUSE/BBC
Image captionImagem desta terça dos prédios atingidos pelo fogo

Como o edifício era da União, segundo França, o governo estadual não tinha autonomia para pedir à Justiça autorização para retirar os moradores à força. “Neste caso, o prédio era do governo federal. Teria que ter uma ação do governo federal, judicial, para tirar as pessoas. E o governo não faz isso porque não tem onde colocar.”

Questionado sobre de que forma o governo estadual e a Prefeitura poderiam ajudar as pessoas do prédio que desabou, ele afirmou que serão oferecidos abrigos e auxílio-moradia às famílias.

“Nós estamos dando apoio à Prefeitura, que está levando essas pessoas para abrigos. Vamos dar o apoio necessário para que elas possam se estabilizar. Elas têm direito ao aluguel social, se quiserem. A gente paga enquanto não encontra apartamento para elas.”

‘Vamos ocupar outro local’

Coordenador do movimento Luta por Moradia DignaDireito de imagemRAFAEL BARIFOUSE/BBC
Image captionCoordenador do movimento Luta por Moradia Digna diz que pretende ocupar outro prédio para abrigar as famílias do edifício que desabou

Mas o coordenador do movimento Luta por Moradia Digna, Ricardo Luciano, disse que o plano é ocupar outro edifício para acomodar as famílias desabrigadas com o desabamento.

“Vamos atender às famílias, ocupar outro local e remanejá-las para lá. Se o movimento tiver que ocupar outro lugar abandonado e sem função social, vai ocupar, porque, nos albergues, as pessoas ficam de lá para cá”, afirmou à BBC Brasil.

Ele também rejeita as ofertas do governo de auxílio-moradia e aluguel social. “Não queremos auxílio-moradia. Não queremos ficar vivendo do dinheiro público. Quantas unidades habitacionais a Prefeitura tem para nos dar? As pessoas esperam 30, 40 anos por uma unidade da Cohab. Quando consegue, já está indo para um jazigo”, criticou.

Ricardo Luciano também afirmou que o incêndio estaria relacionado a algo ocorrido num dos primeiros andares do prédio. “O que sabemos foi que o incêndio começou com uma briga de casal no quinto andar.”

bombeirosDireito de imagemRAFAEL BARIFOUSE/BBC
Image captionCoronel Max Mena, do Corpo de Bombeiros, diz que há pelo menos uma pessoa desaparecida. Ele diz não acreditar que haja mais mortos e feridos, porque um levantamento feito pela Defesa Civil apontou que 248 pessoas evacuaram o prédio

Fonte: BBC

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