Artistas alagoanos lamentam morte do cineasta Nelson Pereira dos Santos

O cinema, a literatura e as artes cênicas de Alagoas estão em luto pela morte do cineasta paulista Nelson Pereira dos Santos. Além de divulgar para o mundo a obra do grande mestre da literatura Graciliano Ramos, Nelson Santos também foi o responsável por revelar Jofre Soares, um dos maiores atores alagoanos.

Aos 89 anos, Nelson morreu no último sábado (21) no hospital Samaritano na zona sul do Rio de Janeiro. Ele estava internado desde o dia 12 com sintomas sintomas de pneumonia e, durante a internação, médicos descobriram um tumor no fígado. A morte foi confirmada por volta das 17h, quando teve falência múltipla dos órgãos.

O cineasta Werner Sales, que produziu documentários como “A história Brasileira da Infâmia” e “ Imagem Peninsular de Ledo Ivo” comentou que o estilo de Nelson Pereira dos Santos contribuiu pra construção do seu olhar cinematográfico.

“Era um cineasta que pensava o Brasil em seus filmes. Tive o privilégio de entrevista-lo há alguns anos e me impressionou a sua humildade, jovialidade e sua paixão pelo cinema. Vai ser sempre lembrado porque é um dos grandes da cultura brasileira”, comentou Werner Salles.

A obra de Nelson Pereira também teve grande importância para o cineasta alagoano Raphael Barbosa.

“Especialmente para nós alagoanos o trabalho de Nelson Pereira dos Santos é uma referência recorrente. Sua visão para a obra de Graciliano Ramos fez dele quase um cineasta alagoano”, falou Raphael.

O escritor e ator Nilton Resende também lembrou que teve o privilégio de assistir no cinema “Memórias do Cárcere” na adolescência e que depois que virou professor o livro e o filme “Vidas Secas” se tornaram frequentes em suas aulas.

Há alguns anos, num evento dedicado a Graciliano Ramos, li o capítulo “Baleia” para jovens estudantes dos Ensinos Fundamental e Médio. Após a leitura do texto, eu ia exibir para eles o trecho do filme em que acontecia a morte da cadelinha, mas a garotada pediu para ver o filme por inteiro. Eles ficaram atentos, ficaram seduzidos, um auditório cheio de uma meninada hipnotizada por imagens em preto & branco cuja beleza é extremamente solidária para com nossa miséria, como o é cada página de Graciliano Ramos — sem no entanto fetichizar o sofrimento“, descreveu Nilton Resende.

Bastidores de Vidas Secas

Considerado como um dos precursores do movimento “Cinema Novo” que pregava um cinema engajado nos problemas sociais do país, Nelson Pereira encontrou na obra do escritor Graciliano Ramos uma inspiração.

O filme “Vidas Secas” lançado em 1963 é uma adaptação do livro de Graciliano e foi filmado em Palmeira dos Índios, no Agreste de Alagoas. Durante as filmagens, Nelson conheceu Jofre Soares que na época tinha 43 anos e estava trabalhando como um palhaço em um circo. Com um olhar apurado, o cineasta identificou nele um talento e o convidou a participar do filme.

Ao interpretar um fazendeiro em Vidas Secas, Jofre Soares teve a vida transformada e se tornou também um nome marcante do cinema nacional. Ele chegou a participar de novelas como “Renascer” e da minissérie “Riacho Doce” , ambas da Rede Globo.

Cena do ator alagoano Jofre Soares no filme "Vidas  Secas" de Nelson Pereira dos Santos (Foto: Reprodução)

Cena do ator alagoano Jofre Soares no filme “Vidas Secas” de Nelson Pereira dos Santos (Foto: Reprodução)

O diretor de cinema alagoano Raphael Barbosa destacou esse olhar diferenciado de Nelson pra descobrir em pessoas comuns, grandes atores. Ele contou que teve uma experiência muito semelhante com a de Nelson e Jofre Soares, na produção do seu premiado curta metragem “O que lembro, Tenho”.

“A busca pela protagonista do curta O que Lembro, Tenho nos fez descobrir uma mulher extraordinária, que nunca havia atuado, e se revelou uma grande atriz. Algumas pessoas a compararam com Jofre Soares. A chamaram de “Jofre de saias”, pelo modo como ele também foi descoberto por Nelson Pereira dos Santos. Porém no caso de Jofre Soares, ele teve a oportunidade de desenvolver uma carreira. Já dona Anita das Neves não teve tempo para isso, faleceu dois anos depois das filmagens”, destacou Barbosa.

Polêmica em Cannes

O filme “Vidas Secas” rodou o mundo divulgando a obra do alagoano Graciliano Ramos e as mazelas vividas pelo povo sertanejo. Por causa do realismo, o filme teve grande repercussão e gerou polêmica no Festival de Cannes.

Em entrevista à TV Gazeta em 2013, Nelson contou que a cena do sacrifício da cachorra Baleia foi repudiada por associações de defesa dos direitos dos animais.

“ Isso gerou tanta discussão que a gente teve que provar que a cadela estava viva. Providenciamos para que ela fosse levada de avião para a França”, contou Nelson à TV Gazeta.

A Cachorra Baleia, personagem de "Vidas Secas", causou polêmica no Festival de Cannes. (Foto: Reprodução)A Cachorra Baleia, personagem de "Vidas Secas", causou polêmica no Festival de Cannes. (Foto: Reprodução)

A Cachorra Baleia, personagem de “Vidas Secas”, causou polêmica no Festival de Cannes. (Foto: Reprodução)

Em 2013, Nelson recebeu uma medalha de mérito da República, uma homenagem pela contribuição para a cultura de Alagoas. Na época da entrevista o cineasta falou sobre o desejo de voltar a filmar no estado.

Além de “Vidas Secas”, Nelson também adaptou para o cinema outro livro de Graciliano Ramos, “Memórias do Cárcere”, que narra o período em que Graciliano esteve preso durante o Estado Novo acusado de comunismo.

O diretor e roteirista também ocupava a cadeira número 7 da Academia Brasileira de Letras. O Corpo dele será Velado na Academia nesta segunda-feira (23), no Rio de Janeiro.

O cineasta Nelson Pereira dos Santos recebe espadim das mãos do senador José Sarney (e), ao tomar posse como membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), na sede da instituição, no centro do Rio de Janeiro. Foto de julho de 2006 (Foto: Tasso Marcelo/Estadão Conteúdo/Arquivo)O cineasta Nelson Pereira dos Santos recebe espadim das mãos do senador José Sarney (e), ao tomar posse como membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), na sede da instituição, no centro do Rio de Janeiro. Foto de julho de 2006 (Foto: Tasso Marcelo/Estadão Conteúdo/Arquivo)

O cineasta Nelson Pereira dos Santos recebe espadim das mãos do senador José Sarney (e), ao tomar posse como membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), na sede da instituição, no centro do Rio de Janeiro. Foto de julho de 2006 (Foto: Tasso Marcelo/Estadão Conteúdo/Arquivo)

Fonte: G1/AL

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