Internação de Clara em ‘O Outro Lado do Paraíso’ revoltou os psiquiatras

No capítulo de O Outro Lado do Paraíso dessa terça-feira, 21, a personagem Clara (Bianca Bin) foi levada para uma clínica psiquiátrica e internada à força pela ex-sogra, Sophia (Marieta Severo). As cenas não agradaram os médicos psiquiatras da vida real, que se irritaram com a Globo por não representar fidedignamente a área da psiquiatria e contribuir para a preservação de estigmas com relação aos tratamentos.

E+ conversou com a psiquiatra Analice Gigliotti, chefe de Dependência Química e Outros Transtornos do Impulso da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, para entender quais foram os erros representados na novela e como seria a forma mais adequada de se mostrar um tratamento médico tão importante.

Abordagem com cinco enfermeiros a uma paciente que resistia, mas não demonstrava agitação

Quando Sophia (Marieta Severo) avisa Clara (Bianca Bin) que será internada, ela nega que tenha problemas mentais e se direciona para a porta. Nesse momento, cinco funcionários são chamados para contê-la à força e levá-la para dentro da instituição.

A psiquiatra Analice afirma que, numa situação real, a abordagem deveria ter sido feita de forma verbal porque a paciente não estava agitada a ponto de justificar a intervenção da maneira brusca como foi encenada. Ela diz que a personagem não estava agredindo ninguém, não estava jogando objetos e nem possuía comportamento semelhante.

“A abordagem prioritária é verbal, no sentido do acolhimento do paciente. Qualquer paciente psicótico, normalmente, cede a uma abordagem verbal e raramente precisa ser contido desta maneira”, explica a especialista.

Submissão a um diagnóstico sem a clínica realizar exame próprio nem entrevista da paciente
Outro ponto questionado pela psiquiatra foi o fato do responsável pela clínica aceitar o diagnóstico de outro médico que não trabalhava no local. Ela disse que o procedimento correto para uma internação é o médico do estabelecimento fazer uma entrevista com a paciente para poder identificar o seu quadro.

Ela explica, por exemplo, que o especialista deve perguntar se o paciente fez uso de substâncias ilícitas, se está ouvindo vozes, se tem alucinações. Na cena da novela, o médico responsável pela clínica não fez pergunta alguma a Sophia, nem a Clara. “A gente não pode nem dizer que houve um engano médico porque ele sequer fez uma análise com ela”, disse Analice.

Aplicação imediata de eletroconvulsoterapia (ECT) sem avaliação de critérios clínicos

Outra situação muito criticada pela especialista foi o fato de Bianca ser submetida a uma eletroconvulsoterapia (ECT, tratamento a partir de convulsão induzida por passagem de corrente elétrica) como primeira escolha no tratamento. Analice, no entanto, explica que o ECT é recomendado para muitos casos como, por exemplo, uma agitação psicomotora grave da paciente que a leve a risco de morte, mas nunca como primeira opção.

Além disso, a eletroconvulsoterapia é um tratamento que possui uma imagem assustadora no senso comum, mas que se modernizou e, hoje em dia, é um procedimento considerado seguro. No entanto, o aparelho utilizado na gravação da novela é antiquado e contribui para a visão negativa do tratamento.

“A eletroconvulsoterapia não é feita sem anestesia, sem eletrocardiograma e sem monitoramento próximo. É ilegal, hoje em dia, a administração de ECT sem anestesia porque o paciente tem convulsão e isso causa dor. A anestesia faz com que seja um procedimento mais seguro e confortável para o paciente”, diz Analice.

Dizer que a internação pode durar a vida inteira

Quando o médico recebe o laudo feito por um terceiro e lê que o diagnóstico é esquizofrenia paranóide, diz para Sophia que a internação pode ser “para a vida toda”.

Analice afirma que, atualmente, as internações são feitas pelo menor tempo possível, uma vez que os tratamentos se modernizaram: “Antigamente é que os pacientes ficavam como se estivessem em um depósito, mas hoje em dia ficam por cinco ou dez dias, às vezes um mês, mas é pelo menor tempo possível”.

Colocar a psiquiatria como vilã do paciente

A especialista ouvida pelo E+ acredita que a novela colocou o exercer da psiquiatria como aliada da vilã, o que considera grave por contribuir para os estigmas e preconceitos que a área sofre.

“É um trabalho muito grande que a gente tenta para desmistificar a internação psiquiátrica. Às vezes eu vejo na clínica, quando um paciente vai ser internado, que os familiares choram e parece que a pessoa está indo para a masmorra. Internação psiquiátrica é uma internação médica, séria. E esse tipo de exposição na novela é muito grave”, defende Analice.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *