Por que as pessoas traem?

Joaquim costumava jogar bola na quadra da escola com amigos, sempre que tinha aulas vagas durante o horário da manhã; ele tinha uma amiga de turma que se chamava Mônica e sempre levava lanches para o amigo se alimentar durante os treinos. Mônica estava gostando de Joaquim, no entanto esse teria sido seu primeiro contato mais íntimo de um homem e sua mãe sempre falava que ela deveria pensar em casar e construir uma família. Joaquim aos poucos também passou a gostar de Mônica, até que em poucas semanas começaram a namorar, nisso, ela já tinha se aproximado dos jogadores do time do namorado e nutria um carinho especial por Lucas, o goleiro. Enquanto namorava com Joaquim, Mônica correspondia aos olhares de Lucas, que a deixava sem jeito. Mas a mesma sabia que não poderia trair seu namorado, então evitava contato com Lucas. Certa vez, durante as aulas de língua portuguesa, Joaquim se negou a ajudá-la numa redação, visto que ela deveria “aprender a se virar sozinha”. Joaquim terminou a sua redação e foi jogar bola, só que dessa vez Lucas permaneceu na aula e aos poucos se aproximou de Mônica, dando-lhes toda assistência na escrita do trabalho. Foram se gostando e já se trocavam olhares pelo corredor. Joaquim estava mais motivado para os jogos escolares do que para dar assistência a sua namorada. Lucas, dividia seus horários de treino, de modo que sempre tinha tempo para trocar mensagens com Mônica, preocupado com ela. Aos poucos, a relação foi ficando mais íntima e quando Joaquim se deu conta, sua namorada já trocava beijos com Lucas. Frustrado, terminou o namoro e passou a sentir-se infeliz se perguntando “por que Mônica o traiu”.

Falar sobre questões amorosas sempre “atiça” nosso cérebro. Neste momento, o leitor já até sentiu interesse por continuar lendo. Isso acontece porque somos formatados para reproduzir e o tema da sexualidade ativa circuitos primitivos cerebrais que automaticamente envia mensagens para a área de recompensa, uma vez que falamos sobre algo prazeroso. Bom, há quem diga não ter esse sentimento positivo quanto ao amor, normalmente por não terem sido correspondido ou ter passado por situações negativas relacionadas ao campo amoroso. Seja qual for seu circuito neuronal ativado neste momento, nesse texto falaremos sobre infidelidade e suas variáveis contingenciais. Mas antes de adentrarmos no assunto, precisamos antes defini-lo em termos comportamentais, ou seja não falamos de infidelidade, mas de comportamento de infidelidade. Essa distinção nos aproxima de uma análise operacionalizável do comportamento e não de sentimentos que na comunidade verbal, torna-se passível de diversos e intensos significados.

A infidelidade abarca diversos significados, mas pode ser entendida e definida como uma violação de normas estabelecidas entre os parceiros que regulam o nível emocional ou da intimidade física com pessoas fora do relacionamento (ALMEIDA et al 2012). Essas normas frisadas no texto são normalmente impostas socialmente, principalmente em culturas onde a monogamia é tida como uma prática padrão e natural, originalmente embasadas em filosofias religiosas as quais ditam regras sociais e regulam o comportamento de seus seguidores. Há uma pressão para que as pessoas nessas sociedades sejam educadas para viverem nesse sistema onde desejos por parceiros extra conjugais são julgados socialmente como sendo impróprios e devem ser rejeitados pelas condutas sociais. As histórias envolvendo casais monogâmicos e que “viveram felizes para sempre”são sucesso de bilheteria, copiadas como modelo a ser seguido culturalmente e por sermos seres sociais e buscarmos reforçadores na comunidade a qual estamos inseridos, naturalmente acabamos reproduzindo esses comportamentos. E quando uma pessoa foge das normas sociais? A análise do comportamento de trair requer considerar diversas variáveis que em sua gênese, são formatadas pela filogênese, ontogênese e sociogênese.

Por mais que estejamos inseridos numa cultura monogâmica, somos seres com comportamentos primitivos e naturais, com isso nosso organismo responde aos estímulos externos, mesmo que inconscientemente. Quando falamos de inconsciência, nesse texto, estamos nos referindo aos comportamentos pelos quais são automáticos e pouco temos controle sobre eles. Normalmente quando estamos com fome e na nossa frente vemos uma apetitosa picanha de boi, naturalmente nossa tendência é salivar, isso não está sob nosso controle, portanto pode ser tida como inconsciente. Quando falamos de comportamentos sexuais, nós também nos referimos a reações do organismo frente a estímulos que naturalmente nos preparam para agir. Mesmo acompanhados de nossos parceiros amorosos, é natural que sintamos sensações físicas quando nos aproximamos de alguém com características que aguçam nosso desejo. Da mesma forma, é natural que nosso corpo responda a uma situação onde a tendência ao comportamento de trair seja maior. “Em algum momento da evolução das espécies, ter determinadas respostas emocionais em função da apresentação de alguns estímulos mostrou ter valor de sobrevivência” (MOREIRA, 2007, p. 26-27).

Existe uma diferença crucial quando falamos de esse tema: a infidelidade da mulher é diferente da infidelidade do homem, isso acontece porque filogeneticamente o cérebro feminino está mais ligado a fatores emocionais da relação, quando que o cérebro masculino, busca variáveis mais sexuais para manter a relação. Isso não significa dizer que as pessoas só namoram movidas por esses fatores, mas que naturalmente nossa tendência enquanto seres humanos é para isso.

“É mais aversivo a infidelidade sexual para os homens, mas para as mulheres a infidelidade sentimental apresenta maior desconforto. A maior preocupação do homem está ligada a garantia de que seus filhos gerados em um relacionamento são seus, essa garantia se faz necessária para investir recursos. A mulher precisa evitar a divisão dos recursos, assim o foco volta-se para os laços sentimentais que poderiam levar o homem a desprender recursos”. (SANTOS, et al, 2015)

Cientificamente falando, é muito mais doloroso para uma mulher aceitar que seu esposo está gostando mais de outra mulher do que aceitar que ele está saindo sexualmente com ela. Já para os homens é muito mais doloroso saber que sua esposa está saindo sexualmente com outro cara, do que saber que ela está gostando de outro homem. Essa distinção delimita caminhos para uma compreensão do que se fala quando estamos tratando da infidelidade. Com isso, sexualmente falando, homens são muito mais propensos a traírem suas esposas, uma vez que o objetivo do prazer sexual é muito mais aguçado neles. Uma pesquisa experimental realizada em 2013 por alunas de Psicologia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Unidade Palmeira dos Índios, orientada por Gérson Alves revelou dados importantes decorrente dos batimentos cardíacos dos sujeitos do experimento.

“Todos os homens responderam verbalmente e fisiologicamente não aceitar a infidelidade sexual. A maioria das mulheres respondeu verbalmente não aceitar a infidelidade sexual, não obstante os batimentos cardíacos dizem outra coisa. As mulheres tiveram aumento dos batimentos cardíacos e da pressão sanguínea ao ser apresentadas a segunda situação, ou seja, infidelidade sentimental”. (SANTOS, et al, 2015)

Agora, em se tratando de ontogênese as pessoas apresentam respostas diferentes frente ao estímulo que evoca o comportamento de infidelidade. Isso porque cada um tem uma história de vida diferente e assim a pessoa tem um padrão comportamental para agir em determinada situação. Alguns estudos apontam para frustrações na relação com o outro ser a causa para o parceiro buscar um relacionamento extra conjugal. Essas frustrações em sua maioria está ligada a um relacionamento conflituoso e difícil para os sujeitos envolvidos.

Uma pesquisa norte-americana com duzentos homens heterossexuais confirma os resultados do estudo de Gonçalves (2010) quanto à infidelidade estar relacionada à insatisfação no casamento. A investigação analisou os principais fatores ligados com indicaram que 88% dos maridos acreditam que a infidelidade acontece devido a alguma insatisfação significativa no relacionamento conjugal. Além disso, o principal motivo para que ocorra uma relação extraconjugal, referido por 48% dos homens, é a insatisfação emocional com o casamento, sendo que 54% dessa insatisfação é representada por falta de reconhecimento, atenção, proximidade e cuidado por parte das esposas. (Neuman, 2010 apud Costa e Cenci, 2014, pg. 23).

Outros fatores pessoais revelam motivar o sujeito para o comportamento de infidelidade, além das decepções e frustrações na relação atual, o sujeito pode ter tido uma história de aprendizagem onde o comportamento de infidelidade foi reforçado também socialmente, uma vez que as pessoas a sua volta dava bastante valorização a pessoa esse sujeito. Isso acontece normalmente com homens, pois seus amigos começam a valorizá-lo pela habilidade em variar em seus relacionamentos amorosos, além de receber grande destaque por ser um “garanhão do pedaço”.

Dessa forma, passamos agora a perceber que trair também tem fatores sociogenéticos reforçadores. O ambiente do indivíduo, a comunidade em que ele está, os grupos que freqüenta e a sociedade de modo geral podem contribuir significativamente para que este comportamento ocorra. Hoje vivemos numa sociedade onde músicas, filmes, novelas e até desenhos infantis induzem muito mais pessoas a emitirem certos comportamentos e isso é resultado da formatação social. Além disso, podemos falar de metacontingências. Metacontingências é um termo utilizado para análises de macro sociedades e baseado nisso, posso afirmar que grupos ligados a “liberdade de expressão”, tem justificado seus discursos na necessidade de uma sociedade mais emancipada de concepções tradicionalistas de convívio social. Tais concepções convergiam para práticas sociais mais encobertas e ligadas fortemente a religiosidade. Não estou justificando o comportamento de fidelidade unicamente a fatores religiosos, mas na história da humanidade não podemos negar sua forte influência no comportamento das pessoas.  Tendo em vista esses pontos, é correto afirmar que o comportamento de trair é natural e aprendido socialmente; analisar tanto este como qualquer outro comportamento é objeto de estudo da ciência do comportamento.

Diego Marcos Vieira da Silva

Psicólogo comportamental (CRP15/4764), formado pela Universidade Federal de Alagoas, com formações em psicopatologia em análise do comportamento e técnicas de memória e oratória. Com capacitação para avaliação psicológica e experiência em casos de transtornos psicológicos tanto na clínica quanto em instituições de saúde mental.

ALMEIDA, T., SOUSA, D. L., SANTOS, R. B., LOURENÇO, M. L., PIRES, M.R.M. Análise de metacontingências para a questão da infidelidade conjugal feminina. Rede Psi, 2012. Disponível em: < http://www.redepsi.com.br/2012/06/06/an-lise-de-metaconting-ncias-para-a-quest-o-da-infidelidade-conjugal-feminina-thiago-de-almeida-d-bora-lago-de-sousa-rosita-barral-santos-maria-luiza-louren-o-maria-raquel-moretti-pires/> acesso em 06 de novembro de 2017

ALMEIDA, Thiago de., LOURENÇO, Maria Luisa. Infidelidade amorosa e seus desdobramentos: uma análise sob a perspectiva da tríplice contingência skinneriana. Rede Psi, 2012. Disponível em: < http://www.redepsi.com.br/2012/06/06/infidelidade-amorosa-e-seus-desobramentos-uma-an-lise-sob-a-perspectiva-da-tr-plice-contig-ncia-skinneriana-thiago-de-almeida-maria-luiza-louren-o/> acesso 06 de novembro de 2017.

BUSS, D. M. Por que as mulheres fazem sexo. – São Paulo: Cultrix, 2011

COSTA, C. B., CENCI, C. M. B. A relação conjugal diante da infidelidade: a perspectiva do homem infiel. Pensando Famílias, 18 (1), jun. 2014, (19-34). Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/pdf/penf/v18n1/v18n1a03.pdf> acesso em 06 de novembro de 2017.

SANTOS, I.F., SILVA, N.J.B.L., CAVALCANTE, T.F., SILVA, V.P. A compreensão do ciúme romântico sob o enfoque comportamental. Psicologado, 2015. Disponível em: < https://psicologado.com/abordagens/comportamental/a-compreensao-do-ciume-romantico-sob-o-enfoque-analitico-comportamental> acesso em 06 de novembro de 2017.

SKINNER, B. F. (1980). Contingências do reforço: Uma análise teórica. Tradução organizada por R. Moreno. Em Pavlov/Skinner (pp. 171-380), . São Paulo: Abril Cultural. (Trabalho original publicado em 1969)

SKINNER, B.F. (1978). O comportamento verbal. Tradução organizada por M.P. Villa lobos. São Paulo: Editora Cultrix. (trabalho original publicado em 1957).

 

Um comentário em “Por que as pessoas traem?

  1. Esse texto nos leva a ter uma compreensão diferente da traição. Aprender a discriminar as variáveis envolvidas na relação amorosa possibilita um maior controle na relação, entendendo que reforçadores poderosos precisam ser aplicados de maneira planejada e racional. Os amantes precisam ser habilidosos na conquista e também ser responsáveis pela manutenção desse amor.
    Excelente texto. Parabéns Diego!!!

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