Destruição ambiental, desigualdade e solidão. Por que o capitalismo está quebrado

 

Quando tudo está mudando, é cada vez mais importante saber o que dura.

Um lembrete disso veio essa semana, graças ao leilão em Israel de um curto bilhete entregue pelo físico Albert Einstein a um entregador japonês em 1922.

“Uma vida tranquila e modesta traz mais felicidade que a busca do sucesso presa à inquietação constante”, diz o bilhete escrito no papel do Imperial Hotel Tokyo.

 

(MENAHEM KAHANA VIA GETTY IMAGES) Gail Wiener, dona da Winner Auction House, em Jerusalém, mostra dois bilhetes escritos a mão por Albert Einstein.

 

O bilhete vem à tona quando muita gente está reavaliando o que significa o sucesso e qual é o propósito de uma vida cada vez mais acelerada e complexa.

A mensagem manuscrita da Einstein também se alinha com um crescente movimento da “nova economia“, que observa que a atual forma de capitalismo, que coloca a busca do sucesso e o lucro como grandes prioridades, não só leva à destruição do meio ambiente como também a uma desigualdade cada vez maior.

Essa desigualdade é um dos motivos pelos quais as pessoas não parecem mais felizes, apesar da expansão econômica.

Em um estudo de 16 países desenvolvidos, Selin Kesebir, professor assistente de Comportamento Organizacional na London Business School, descobriu que, quando a desigualdade de renda é alta, um aumento no PIB per capita não guarda “virtualmente nenhuma relação com a satisfação com a vida”.

Escrevendo na Harvard Business Review, ela concluiu que “o que podemos afirmar com certeza é que é uma falácia igualar PIB com bem estar. Não é uma conclusão óbvia que o crescimento da economia vá fazer ar as pessoas mais felizes”.

Ela também indica dados que mostram que, apesar do boom econômico nos Estados Unidos pós-Segunda Guerra, entre 1946 e 1970, pesquisas não mostraram aumento nos índices de felicidade.

Isso segue sendo verdade hoje. Divulgado em março de 2017, o Estudo Mundial da Felicidade, da ONU, mostra que os Estados Unidos ficaram em terceiro lugar entre os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico em 2007, mas caíram para a 19ª posição no ano passado.

Isso não é surpreendente quando se considera que o país enfrenta uma crise sem precedentes de dependência de opiáceos, enquanto uma pesquisa apresentada na American Psychological Association mostrou que o isolamento e a dependência causados pelas drogas podem ser um problema de saúde pública mais grave que a obesidade.

Enquanto isso, os americanos estão enfrentando problemas de saúde mental em números recorde.

Alguns economistas, como os britânicos Tim Jackson e Kate Raworth, dizem que é preciso repensar como medimos o sucesso, trocando a obsessão com o crescimento do PIB por uma preocupação com dados de felicidade e estabilidade social.

Líderes espirituais também estão recomendando uma mudança fundamental na forma de avaliar o sucesso. Eles indicam que o desejo de sucesso tende a trazer somente sofrimento.

O Papa Francisco fez várias críticas duras ao atual sistema capitalista.

“Não tenhamos medo de dizê-lo: queremos mudança, mudança real, mudança estrutural”, disse o papa, durante um discurso na Bolívia em 2015. Ele acrescentou que o sistema capitalista “impôs a mentalidade do lucro a qualquer custo, sem preocupação com a exclusão social ou com a destruição da natureza”.

 

O sistema agora se tornou intolerável: trabalhadores do campo o consideram intolerável, trabalhadores o consideram intolerável, comunidades o consideram intolerável. A própria Terra – nossa irmã, a Mãe Terra, como diria São Francisco – também o considera intolerável.

 

O mestre zen budista Thich Nhat Hanh ecoa as palavras sábias de Einstein. “Se você tem um desejo saudável, como proteger a vida, ou proteger o meio ambiente, o viver uma vida simples, com tempo para cuidar de si mesmo e das pessoas que lhe são queridas, seu desejo lhe trará felicidade”, escreveu ele em seu livro “Calming the Fearful Mind” (acalmando a alma amedrontada, em tradução livre).

(NGUYEN HUY KHAM / REUTERS)
O monge budista Thich Nhat Hanh.

“Se você busca poder, riqueza, sexo e fama, achando que isso vai trazer felicidade, está consumindo um tipo de alimento muito perigoso, que vai causar muito sofrimento. Você pode observar essa verdade olhando à sua volta”, acrescentou ele.

Nhat Hanh lembra de conversar com um executivo que liderava uma empresa com mais de 300 mil funcionários.

“Ele disse que as pessoas que são muito ricas muitas vezes são extremamente solitárias, pois suspeitam dos outros”, escreveu ele. “Elas acham que qualquer pessoa que queira fazer amizade só está querendo dinheiro, só quer tirar vantagem. Elas também acham que não têm amigos de verdade.”

O mundo corporativo está acordando para a ideia de Einstein de que o foco na busca do sucesso pode levar a uma inquietação constante.

O Conselho Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, que represente mais das 200 maiores empresas do mundo, vem realizando pesquisas sobre o que chama de “A Boa Vida”.

Suas recomendações se alinham com o bilhete de Einstein. Julian Hill-Landolt, diretor de Estilos de Vida Sustentáveis da organização, pede que as marcas “repensem o retrato do mundo que pintam em sua publicidade. Não estamos pedindo que parem de vender seus produtos, só pedimos que parem de vender seus produtos num mundo que só quer saber de maior, mais rápido, mais.”

“O Manual [da Boa Vida] mostra como as pessoas já estão obtendo prazer de um tipo de mundo diferente, no qual o tempo com os amigos e a família, a saúde e a boa comida são luxos aos quais aspiramos”, disse ele. “No final das contas, não é tão complicado assim. Estamos sugerindo que marcas chequem a integridade estrutural de suas mensagens.”

Pode parecer tarefa impossível para quem procura transformar o sistema capitalista e se afastar do mantra do curto prazo e da maximização dos lucros.

Mas, para aqueles que podem começar a perder as esperanças na criação de um sistema econômico que traga prosperidade para todos, respeitando os limites da natureza, Einstein tem mais uma pérola de sabedoria.

Ele escreveu outro bilhete para o entregador japonês, agradecendo pela entrega de uma mensagem. O bilhete também foi vendido no mesmo leilão. Ele dizia: “Se houver vontade, há um caminho”.

 

Fonte Huffpost Brasil

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