Após veto da Justiça, produção muda local e peça que retrata Jesus como trans é realizada em Salvador

O espetáculo “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu”, que retrata Jesus como uma mulher trans e cuja encenação foi vetada pela Justiça no Espaço Cultural Barroquinha, em Salvador, na noite de sexta-feira (28), foi realizado em outro espaço da capital baiana após a decisão. A apresentação fez parte da programação da 10ª edição do Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia (FIAC Bahia), que ocupa diversos espaços culturais da cidade.

A organização do evento informou que houve uma “tentativa de censura”, mas que, como a decisão judicial, que atendeu a uma ação movida contra a Fundação Gregório de Mattos, responsável pelo Espaço Cultural Barroquinha, não citava o FIAC e nem a produção do espetáculo, decidiu transferir a apresentação para o Instituto Cultural Brasil Alemanha (ICBA), no Corredor da Vitória. Além disso, a organização da peça informou que a decisão da Justiça vetava a apresentação do espetáculo apenas nos espaços da Fundação Gregório de Mattos, o que não é o caso do ICBA.

A produção informou que a transferência do local de realização do espetáculo foi realizada em tempo e a peça foi encenada no ICBA pouco depois das 21h. O público que tinha comprado ingressos para ver a apresentação no Espaço Cultural Barroquinha, marcado para as 18h, se dirigiu para o ICBA para ver a encenação. As entradas custaram R$ 15 (meia) e R$ 30 (inteira). Antes da apresentação, ainda conforme a organização do evento, um advogado do FIAC explicou ao público o que tinha acontecido e porque decidiram mudar o local da apresentação.

Veto

A decisão de barrar a apresentação no Espaço Cultural Barroquinha foi da 12ª Vara Cível, que atendeu a uma ação movida contra a Fundação Gregório de Mattos. No espetáculo, que dura cerca de uma hora, Jesus é uma mulher trans que remonta aos ensinamentos seculares para enaltecer mulheres, homossexuais, garotas de programa e outros excluídos.

Na liminar, o juiz Paulo Albiani Alves aponta que o grupo que entrou com o pedido de suspensão da peça alegou que o espetáculo é “extremamente ofensivo a moral da humanidade, que é em sua grande maioria crente no homem Jesus como filho de Deus”.

Além disso, a decisão aponta que o espetáculo “expôs ao ridículo” símbolos como a cruz e o próprio homem. A decisão ainda aponta que a peça “incitou crime de ódio e feriu a liberdade e a dignidade humana”.

Na quinta-feira (26), a peça foi apresentada no Espaço Cultural Barroquinha, também como parte da programação do Fiac Bahia. Na sexta, segundo a organização do evento, a decisão chegou ao conhecimento da produção às 17h, o que impossibilitou qualquer tentativa de reverter judicialmente a liminar assinada pelo juiz de primeira instância.

Em nota, a organização do Fiac Bahia disse que a peça sofreu uma tentativa de censura. Afirmou, ainda, que o juiz de primeira instância tomou a decisão “mesmo sem conhecer o espetáculo e baseado exclusivamente nas alegações dos proponentes da ação”.

“Para a equipe organizadora do FIAC Bahia, a ocorrência constitui-se uma censura explicita à liberdade de expressão, que tenta impedir a reflexão sobre temas importantes para toda a sociedade. É também uma afronta ao direto dos artistas de ocuparem espaços de visibilidade em nossa cidade, exercendo a liberdade de criar e se expressar a partir de narrativas múltiplas”, diz trecho da nota.

Na sexta, a Fundação Gregório de Matos informou que, juntamente com a produção do festival, já estava tomando as providências jurídicas cabíveis.

Espetáculo

A atriz e militante da causa trans, Renata Carvalho é quem dá voz e vida ao monólogo “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu”. A peça é dirigida por Natalia Mallo e traduzida do texto original da inglesa Jo Clifford.

Renata cria, em cena, o passado violento que sofreu e os inúmeros relatos de abusos sofridos pela comunidade LGBT. A intolerância e a exclusão da pessoa trans são motes da fala da personagem, que atenta o espectador para a não aceitação e para a sexualização dos corpos dessas pessoas.

Os pronomes e adjetivos são colocados no feminino, até mesmo para a figura de Deus. Durante a apresentação, Renata domina a plateia do alto do palco e também caminha por entre as fileiras de assentos, como um pregador que orienta seus fiéis sobre preceitos na condição da vida humana.

A peça possui batidas de funk e trocas de figurino da personagem. Ao longo da peça, a atriz relaciona as mais variadas parábolas bíblicas aos casos de intolerância, desrespeito e preconceito enfrentados pela população trans.

 G1

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