Ministério Público abre procedimento para apurar granulado anunciado por Doria
Ministério Público de São Paulo abriu procedimento de acompanhamento de política pública para investigar o granulado que o prefeito João Doria (PSDB) pretende distribuir nas escolas municipais de São Paulo e em Centros de Acolhida para população em situação de rua.
Segundo o promotor de Direitos Humanos José Carlos Bonilha, o procedimento tem caráter investigativo. “É preciso que a gente compreenda melhor o que está acontecendo. Vamos oficiar a prefeitura para explicar no que consiste a alimentação. Se tem ou não valor nutricional. Um laudo pericial também será necessário para atestar o valor nutricional desse alimento”, disse.
Para Bonilha, o alimento pode até ter algum benefício e, por isso, não instaurou uma ação. A promotoria de direitos humanos só vai avaliar a segurança alimentar. Questões relacionadas à improbidade administrativa devem ser avaliadas pela promotoria de patrimônio.
Na tarde desta quarta-feira (18), o prefeito defendeu que o produto, também chamado de “farinata”, servirá como um complemento à comida dos alunos da rede municipal. A Prefeitura classifica o produto como um “suplemento alimentar” – e já chegou a compará-lo ao whey protein (proteína do leite comumente usada por praticantes de musculação).
De acordo com a Plataforma Sinergia, responsável pela fabricação, ele mantém as mesmas propriedades nutricionais dos alimentos in natura, além de prorrogar a vida útil deles em dois anos.
Ate agora, porém, a Prefeitura e a empresa não deram detalhes sobre o caminho a ser percorrido pelo granulado até chegar aos destinatários. Também não há informações sobre a produção e se há autorização da vigilância sanitária municipal.
A falta de transparência fez com que a Câmara Municipal aprovasse um requerimento cobrando explicações da gestão municipal, e convocando os secretários para uma audiência pública sobre o tema.
Na teoria, as próprias empresas vão pagar para transformar em farinata os alimentos que iriam para o lixo. De acordo com Doria, é uma questão de economia, já que elas gastarão menos com o reprocessamento do itens do que com a incineração hoje utilizada para se livrar deles.
O processo, no entanto, é patenteado pela Plataforma Sinergia e, portanto, não pode ser realizado sem o aval da organização não-governamental. A fundadora, Rosana Perroti, admite, porém, que não tem capacidade de produzir o granulado em escala.
“Como vamos conseguir produzir em escala para acabar com a fome? Somente através de políticas públicas, somente através de lei. A gente não pode abrir essa tecnologia para uma, duas, três toneladas. A gente está falando aqui de muito volume de alimento”, disse ela.
Uma das alternativas sugeridas por Rosana é que as próprias fabricantes dos alimentos se licenciem e utilizem a tecnologia da Plataforma Sinergia para reprocessar, ainda nas indústrias, os itens que seriam descartados. Ela vislumbra até a possibilidade de se criar estações de trabalho “nos fundos de supermercados” para aumentar o reaproveitamento.
Doria, mais uma vez, não deu detalhes sobre possíveis incentivos à produção, mas garantiu que a Prefeitura não pagará nada para a fabricação da farinata.
Produção cara e demorada
O granulado é feito com processo de liofilização, ou seja, de desidratação dos alimentos. Carmen Cecília Tardini, professora da Universidade de São Paulo (USP), explicou que a água existente em frutas e verduras, por exemplo, é completamente retirada do alimento.
A fruta, então, é congelada em um congelador especial e depois vai para uma máquina conhecida como liofilizador, onde fica durante 16 horas e sai desidratada. A pesquisadora explica que esse processo mantém todos os nutrientes, mas “é caro e também demora muito para ser produzido”.
O Conselho Regional de Nutrição já se manifestou contrário à política anunciada pela Prefeitura. Em nota, a entidade afirmou que o granulado “contraria os princípios do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), bem como do Guia alimentar para a população brasileira, em total desrespeito aos avanços obtidos nas últimas décadas no campo da segurança alimentar e no que tange as políticas públicas sobre as ações de combate à fome e desnutrição”.
O arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, por sua vez, defende o alimento. “Espero que não se politize a questão porque quem acaba prejudicado é o pobre, é o faminto”, disse.
Conselho de Segurança
O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) solicitou à prefeitura de São Paulo documentos oficiais e técnicos sobre o projeto do alimento granulado.
“O Guia Alimentar, publicação oficial do Ministério da Saúde com as diretrizes sobre alimentação saudável, enfatiza que a dimensão cultural e social da alimentação é fundamental para o exercício e expressão da cidadania de todas e todos e recomenda que os alimentos in natura ou minimamente processados sejam a base da alimentação de brasileiros e brasileiras”, diz o Consea.