Associação dos delegados da PF defende que Temer sancione mudanças na Lei Maria da Penha

A farmacêutica Maria da Penha, que inspirou o nome da lei de combate à violência contra a mulher (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom)

A Associação Nacional dos Delegados de Polícia federal (ADPF) divulgou nota na qual defende e pede “urgência” ao presidente Michel Temer na sanção de um projeto aprovado pelo Congresso Nacional que altera a Lei Maria da Penha ao permitir que delegados concedam medidas protetivas de urgência a vítimas da violência doméstica. Atualmente, apenas magistrados podem definir as medidas protetivas nos casos de violência doméstica.

Aprovado na semana passada pelo Senado, o projeto é alvo de críticas por parte de entidades ligadas a movimentos de direitos humanos e por outras vinculadas ao Judiciário.

Até mesmo a farmacêutica Maria da Penha, 71 anos, que dá nome à lei de combate à violência doméstica, disse que no início viu com bons olhos o projeto que busca mudar o texto da legislação, mas, ao se inteirar do assunto, ficou preocupa com a mudança “inconstitucional” e passou a engrossar a fileira dos militantes de direitos humanos que pedem que Temer vete parcialmente o projeto.

Presidente da ADPF, Carlos Eduardo Sobral classifica, na nota divulgada pela entidade, como um “grande avanço” a mudança na legislação.

“Com essa alteração na Lei Maria da Penha, o Delegado de Polícia que primeiro tiver contato com a situação de risco poderá decidir, de imediato, pela adição das medidas necessárias para proteção e salvaguarda da mulher e demais vítimas da violência doméstica. É grande avanço que, efetivamente, salvará muitas vidas”, diz o texto.

Sobral destaca na mensagem que a Lei Maria da Pena está em vigor há 11 anos e necessita de “aperfeiçoamento”, na linha do que o projeto aprovado pelo Senado prevê.

A nota explica que, pela legislação atual, após a vítima fazer a denúncia na delegacia, corre um prazo de quatro dias para a concessão de medidas protetivas – 48 horas para o delegado encaminhar o pedido ao juiz, que tem mais 48 horas para decidir.

“As mulheres que sofrem com violência doméstica precisam de proteção imediata. Na maioria dos casos, voltar para a casa com um papel na mão para aguardar que o agressor seja intimado dentro de no mínimo 4 (quatro) dias pode ser um risco a vida dessas mulheres e de seus filhos”, destaca a ADPF.

Com a mudança na lei, segundo Sobral, delegados garantirão uma resposta mais célere às vítimas, atendidas preferencialmente por servidoras. As medidas protetivas ainda passarão pelo crivo de um juiz.

“Com essa alteração em vigor, o Delegado ou Delegada de Polícia tem o poder de conceder, de imediato, medidas protetivas de urgência. Além disso, terá que encaminhar tudo ao juiz em 24 horas, para que este realize o controle judicial e decida por alterar, manter ou revogar as medidas anteriormente deferidas”, diz a nota.

ONU Mulher

A aprovação das mudanças na Lei Maria da Penha gerou críticas de organizações de direitos da mulher, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Defensoria Pública e do Ministério Público, que apontam inconstitucionalidade no projeto e falta de estrutura das delegacias e de capacitação de agentes para atenderem mulheres em situação de violência.

” Se eu coloco uma norma inconstitucional dentro da lei, daqui alguns meses, o STF vai considerar inconstitucional essa norma. Isso a médio prazo tem o sério risco de enfraquecer a Lei Maria da Penha”, alertou o promotor Thiago Pierobom, titular da 3ª Promotoria de Justiça de Defesa da Mulher em Situação de Violência Doméstica de Brasília e coordenador do Núcleo de Gênero Pró-Mulher do MPDFT.

A ONU Mulheres reforçou o coro contra as mudanças. Em nota, Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres Brasil, afirma que o projeto pode “comprometer” a eficácia da Lei Maria da Penha.

A ONU Mulheres registra que o projeto em questão “desarmoniza as competências de autoridades policiais e da justiça, os fluxos estabelecidos e os atos que poderão ser anulados ou sobrepostos, provocando a inoperância e a baixa qualidade no atendimento de mulheres em situação de violência”.

Leia a íntegra da nota divulgada pela ADPF:

NOTA OFICIAL DE APOIO AO PLC 07/2016

A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal – ADPF, entidade de âmbito nacional, representativa de classe com mais de dois mil filiados, vem a público manifestar seu apoio a sanção do Projeto de Lei da Câmara nº 07, de 2016, aprovado pelo Plenário do Senado Federal no dia 10/10/2017. A proposta acrescenta dispositivos a Lei nº 11.340 de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha) para dispor sobre o direito da vítima de violência doméstica de ter atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado, preferencialmente, por servidoras do sexo feminino, além de prever a aplicação imediata das medidas protetivas de urgência pelo delegado de polícia.

Em vigor há 11 anos, a Lei Maria da Penha representa um inquestionável avanço nos direitos das mulheres no que tange à proteção das vítimas de violência doméstica. Todavia, ela ainda requer um aperfeiçoamento em relação as medidas protetivas oferecidas. E é a isso que se propõe o PLC 07/2016.

Da forma como a lei hoje é escrita, uma vez feita a denúncia na delegacia por parte da vítima, o delegado de polícia deve encaminhar o pedido de medida protetiva ao juiz no prazo de 48 horas. O juiz, por sua vez, tem mais 48 horas para decidir, sendo o prazo mínimo de 04 (quatro) dias para concessão de medidas protetivas. Porém, as mulheres que sofrem com violência doméstica precisam de proteção imediata. Na maioria dos casos, voltar para a casa com um papel na mão para aguardar que o agressor seja intimado dentro de no mínimo 4 (quatro) dias pode ser um risco a vida dessas mulheres e de seus filhos.

Constantemente a imprensa noticia casos de mulheres que sofrem violência doméstica enquanto aguardam o deferimento judicial de medidas protetivas simples, como o afastamento do agressor ou a proibição de manter contato com a vítima. A situação se agrava mais ainda nas pequenas cidades do interior, onde a demora no deferimento de medidas protetivas para a mulher pode levar vários dias ou até meses.

Diante dessas limitações, o PLC 07/2016 permite que Delegadas e Delegados atuem como os primeiros garantidores da efetiva proteção da vítima de violência doméstica, dando o suporte necessário desde o primeiro atendimento. Com essa alteração em vigor, o Delegado ou Delegada de Polícia tem o poder de conceder, de imediato, medidas protetivas de urgência. Além disso, terá que encaminhar tudo ao juiz em 24 horas, para que este realize o controle judicial e decida por alterar, manter ou revogar as medidas anteriormente deferidas.

Além disso, o projeto também visa que o atendimento às vítimas de violência doméstica sejam feitos preferencialmente por servidoras mulheres. Isso porque, sob o ponto de vista psicológico, a vítima se sentirá mais segura e confortável em narrar o seu caso para outra mulher.

Por essas razões, a ADPF apoia e pede urgência à sanção do PLC 07/2016. Entendemos que a proteção das mulheres vítimas da violência doméstica não é apenas um dever judicial, mas moral de toda a sociedade brasileira.

Dr. Carlos Eduardo Miguel Sobral, Presidente da ADPF

Veja a íntegra da nota divulgada pela ONU Mulheres:

Nota pública da ONU Mulheres sobre a Lei Maria da Penha

A ONU Mulheres observa com preocupação o processo de revisão da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) que pode comprometer a sua prerrogativa de proteger as mulheres em situação de violência. A exemplo do PLC 07/2016 – aprovado no Senado Federal, que permitirá à autoridade policial deliberar sobre a concessão de medidas protetivas para mulheres em situação de violência doméstica e familiar –, outras medidas estão em tramitação no Congresso Nacional. Tais projetos de lei podem trazer avanços e retrocessos à aplicação da Lei Maria da Penha. Se forem analisados de forma fragmentada e sem consulta pública, podem desconfigurar seu caráter integral, multidisciplinar e especializado e a sua efetividade no enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil.

As organizações de mulheres, feministas e especialistas em gênero e direito detêm análises e estudos técnicos consistentes para contribuições que tornem mais rigorosa e eficaz a aplicação da Lei Maria da Penha. Por exemplo, no caso do PLC 07/2016, já foi dito que este desarmoniza as competências de autoridades policiais e da justiça, os fluxos estabelecidos e os atos que poderão ser anulados ou sobrepostos, provocando a inoperância e a baixa qualidade no atendimento de mulheres em situação de violência. São as mulheres que poderão ser as vítimas da falta de sintonia entre autoridades, órgãos e atos públicos, recaindo em outro tipo de violência – a institucional.

A ONU Mulheres chama a atenção pública para a dramaticidade da violência de gênero no Brasil, a qual foi verificada pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre violência contra as mulheres no Brasil, com diligências e audiências públicas em 18 unidades federativas nos anos de 2012 e 2013. No relatório final, constam recomendações para projetos de lei e melhoria da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, fortalecimento da rede de especializada a mulheres em situação de violência e dotação orçamentária robusta para os serviços públicos, incluindo a criação de um fundo nacional.

Em razão disso, a ONU Mulheres faz o apelo público às autoridades para a sua atuação democrática, que tenha como propósito a garantia dos direitos humanos das mulheres e em condição de dar resposta pública ao inadmissível aumento da violência contra as mulheres no Brasil.

Nadine Gasman

Representante da ONU Mulheres Brasil

Fonte G1

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