Por que atiradores brancos são chamados de ‘lobos solitários’ nos EUA?

Stephen Paddock, o atirador do ataque em Las Vegas, em foto não datada do arquivo de seu irmão, Eric (Foto: Arquivo pessoal/Eric Paddock via AP)

Quando Stephen Craig Paddock – um americano branco – foi identificado como o atirador que disparou contra uma multidão em um festival em Las Vegas, ele foi rapidamente caracterizado como um “lobo solitário”.

Se ele fosse de outra raça ou etnia, ele teria sido chamado de terrorista ou ameaças teriam sido feitas ao seu grupo minoritário?

A questão tem sido levantada repetidamente nos últimos dias, com críticos sugerindo que a discussão em torno das tragédias nos EUA sempre é enquadrada por um código de palavras divisivo e racial. Se brancos são culpados, dizem, eles o são como indivíduos; em caso de minorias, é sugerido que seus crimes são parte de uma narrativa maior.

“Para brancos, é ‘apenas algo que aconteceu’”, diz o professor Sharlette Kellum-Gilbert, da Texas Southern University. “Quando se trata de outra raça, ‘é assim que eles são’ e há clamores por lei e ordem”.

Shaun King levantou o mesmo ponto em uma coluna no site The Intercept na terça-feira, intitulada “O privilégio branco do atirador ‘lobo solitário’”.

“Homens brancos que recorrem à violência em massa são consistentemente caracterizados primariamente como ‘lobos solitários’ isolados – de forma alguma conectados uns aos outros”, escreveu King. “Por séculos, quando um ato de violência tem sido cometido por um afro-americano, a retórica racista segue – e eventualmente, a criminalização e desumanização de um grupo étnico inteiro”.

No ano passado, quando Micah Xavier Johnson atirou contra policiais em Dallas, no Texas, matando cinco e ferindo mais nove, o Black Lives Matter foi culpado – embora ele não tivesse nenhuma conexão conhecida com o movimento.

Alton Nolen em foto de 8 de janeiro de 2016 (Foto: AP Photo/Sue Ogrocki)

 

Em 2014, quando Alton Nolen foi preso por decapitar um colega de trabalho e esfaquear outro, alguns foram rápidos em culpar a “radicalização” de Alton Nolen como uma recente conversão ao Islã. Eles poderiam ter categorizado o crime como uma violência em local de trabalho – Nolen estava amargurado por sua suspensão do trabalho em uma fábrica de processamento de alimentos em Oklahoma.

O rótulo de lobo solitário tem sido frequentemente atribuído a assassinos em massa, como o atirador de um cinema em Aurora, Colorado, James Holmes, um homem branco que matou 12 pessoas em 2012. O termo é conveniente para uma sociedade impaciente por aliviar sua ansiedade após um evento tão terrível, diz Mark Hamm, professor de criminologia na Indiana State University e autor do livro “Age of Lone Wolf Terrorism” (Era do terrorismo do lobo solitário).

James Holmes comparece à tribunal em 23 de julho de 2012 (Foto: RJ Sangosti/The Denver Post via AP, Pool)

 

“É fácil aderir a essa metáfora”, diz Hamm. “Terrorismo é um termo tão carregado. Existe uma questão étnica nisso”.

Ainda que autoridades federais ou líderes se recusem a definir esses atos, a definição do público é mais ampla, diz Hamm.

“E se a classificação estiver errada?”, ele questiona. “Então tudo o que você fez foi talvez ter acalmado a ansiedade das pessoas naquele momento”.

Autoridades ainda não determinaram um motivo para o ataque em Las Vegas, o mais mortal na história moderna dos EUA, que deixou 58 vítimas mortas e quase 500 feridos durante um festival de música country no domingo.

Na segunda-feira, o presidente Donald Trump condenou o ataque como “um ato de pura maldade”, mas evitou declarar o caso um incidente de terrorismo doméstico. Na terça, ele se referiu a Paddock como “doente” e “demente” – sugerindo que problemas de doença mental sejam uma possível explicação para a tragédia.

Trump e sua administração têm sido criticados por usar linguagem com conotação racial. No ano passado, durante a investigação do ataque a tiros na boate Pulse, em Orlando, na Flórida, Trump criticou o ex-presidente Barack Obama por não se referir imediatamente aos atos do atirador Omar Mateen como “terrorismo radical islâmico”. Embora Mateen declarasse apoio ao grupo Estado Islâmico, sua motivação específica – e a contribuição que qualquer desordem de personalidade possa ter tido – nunca foi determinada.

Omar Mateen, autor do ataque à boate Pulse, em Orlando, em foto não datada (Foto: Orlando Police Department via AP)

 

 

Obama foi impiedoso ao descrever o assassinato de nove fiéis em uma igreja da comunidade negra em Charleston, na Carolina do Sul, em 2015, por Dylann Roof, como “um ato de terror” e “um ato de ódio”.

Trump foi criticado em agosto por se recusar a condenar mais firmemente supremacistas brancos em Charlottesville, na Virginia, depois que um protesto contra a remoção de uma estátua do general confederado Robert E. Lee se tornou violento e um motorista matou atropelada uma contramanifestante. Em vez disse, o presidente disse que “muitos lados” eram responsáveis.

Wes Bellamy, vice-prefeito de Charlottesville, disse que o tom foi indubitavelmente diferente em Las Vegas. A solução para o padrão duplo, ele diz, é mais honestidade.

“O que transpirou em Las Vegas e o que aconteceu em Charlottesville foi terrorimo doméstico”, diz Bellamy. “Isso não tem cor. Temos que lidar com isso e chamar do que é, não importa quem seja o autor”.

Fonte G1

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