Eu sei namorar, só não namoro

Uma vez, chegando do trabalho exausto por passar o dia atendendo alguns pacientes, e junto com eles fazendo análises funcionais de suas queixas, identificando tecnicamente comportamentos que iríamos trabalhar; deixo o celular na bolsa e me dirijo ao banheiro. Tudo parecia estar acalmando e o ambiente já sinalizava descanso. Banho tomado e “cabeça fresca”, vou preparar o jantar quando meu celular toca. Àquela hora, imaginei que alguém de muita intimidade poderia estar a minha procura; estranhei o número, mas atendi. Aquela que parecia ser uma ligação rotineira, aos poucos sinalizava mais uma escuta clínica frente a demanda de quem estava na linha. Um caso que não difere de outros casos que acabaram mal: frustração das expectativas amorosas. Mas o que aconteceu de errado com esse e outros inúmeros casos semelhantes? Incompatibilidade de discurso é ter toda uma ideologia para relacionamento, a qual parece agradar ao casal, fortalecendo o relacionamento amoroso, mas na prática essas pessoas vivenciam fragilidades nos relacionamentos que se fazem no cotidiano nas entrelinhas da reciprocidade.

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Uma vez delimitado nosso problema, cabe agora analisar variáveis antecedentes (causa) e variáveis consequentes (consequência) do comportamento em questão. Faz-se importante, então definir nosso objeto de estudo: amor, aah o amor! Esse nobre sentimento que parece inexplicável para muitos e impossível para outros. Em análise do comportamento, filogênese é a nossa história evolutiva, a qual seleciona comportamentos comuns a todos nós, dessa forma, filogeneticamente, compreendemos que observa-se nos humanos uma suscetibilidade ao estabelecimento de vínculo afetivo com o outro; onde a pré-disposição, como valor biológico já interage com o ambiente de modo a facilitar nosso envolvimento afetivo, podendo com isso promover um ambiente relacionado ao comportamento amoroso (BASTOS, SANTOS, STEIN, pg. 93, 2014). Comportamentos como estes foram selecionados pois garantiram a sobrevivência da espécie, uma vez que a resposta tinha como consequência a reprodução e perpetuação da espécie, na atualidade “[…] no contexto cultural no qual o indivíduo está inserido, determinados comportamentos em relação ao parceiro amoroso serão reforçados ou não pela comunidade verbal” (BASTOS, SANTOS, STEIN, pg. 94, 2014).

Frases do tipo “estou apaixonado, mas não sei o porquê”, “eu gosto de pessoas com esse perfil” ou “o jeito dele me balança”, estão implicadas a uma rede de conexões neuronais que selecionam as características específicas do parceiro amoroso e nisso pode considerar não apenas aspectos físicos da pessoa amada, mas aspectos comportamentais emitidos por estes que são amados. Nós só amamos aquilo que nos favorece de determinada forma. Sim. Amor é troca. Em nosso cérebro, áreas específicas são especializadas nessa detecção do parceiro amoroso.

“[…] pode-se dizer que estudos realizados com animais demonstram que essa escolha e determinação da preferência por um parceiro específico parecem estar relacionadas com dois sistemas: o sistema dopaminérgico córtico-estriatal e o sistema de neuropeptídeos transmissores. As projeções dopaminérgicas das estruturas corticais, para o núcleo accumbens na porção anterior do corpo estriato, são um elemento chave para o estabelecimento da saliência a estímulos relevantes, para a espécie e para a preservação do indivíduo. Este sistema está bastante veiculado na capacidade de vinculação social” (BASTOS, SANTOS, STEIN, pg. 94, 2014)

Isso nos faz perceber que a escolha de nossos parceiros tem, é claro, um fator genético, além de social. Tempos atrás falei das escolhas mal feitas que as pessoas fazem de seus parceiros e vivenciam sofrimentos constantes por causa disso (Clique aqui), mas não é sobre isso que escrevo hoje, mas sim sobre como discursos do “eu sei namorar”, são desconexos de uma realidade em que o indivíduo não sustenta relacionamento nenhum, pois não emite comportamentos para isso. O enunciado “eu amo a minha mulher” parece ser um relato de sentimentos, mas envolve também uma probabilidade de ação. Estamos dispostos a fazer para uma pessoa que amamos, as coisas que ela aprecia ou gosta que sejam feitas. Não estamos dispostos a fazer por uma pessoa de quem não gostamos ou a quem entrestamos as coisas que ela gosta ou adora que sejam feitas, pelo contrário, estamos dispostos a fazer coisas que a aborreçam porque odeiam que sejam feitas, então em relação a pessoa com a qual interagimos, amar é agir de maneiras que produzam certos tipos de efeito. Maneiras possivelmente acompanhadas de condições que possam ser sentidas.

Amar, é comportar-se em prol de algo, da mesma forma em que a partir do momento em que o comportamento não ocorrer, o comportamento de amar acaba de extinguindo. Mas algumas pessoas amam demais. Amam tanto que esquecem que o outro também deve ter um tempo para isso. Pessoas que normalmente emitem o discurso de que sabem como se relacionar, mas estão há muito tempo sem relacionar-se revelam que têm desajustes em relação a isso: seja por escolher demais, seja por achar que tudo deve ser do seu jeito, seja por ver amigos se dando mal, seja por serem incompreendidas ou até mesmo por não haver cumplicidade, deixam claro sua inabilidade do manejo amoroso. O problema que muitas vezes acontece é que essas pessoas se preocupam demais com seu bem estar e status social que pouco estão se importando para os interesses do parceiro. Encaram o relacionamento como a satisfação de suas únicas vontades, onde o outro deve se adaptar ao seu jeito de ser, porque ao que parece é o “melhor” jeito de se relacionar.

A reciprocidade, como um comportamento de mútuo reforço entre os parceiros, funciona como evento tríplice contingente onde a instalação e manutenção do comportamento amoroso pode ser verificado, pois conforme BAUM (2006, p.215) “O dar e receber estímulos e consequências nos leva a estabelecer relacionamento uns com os outros”. Dessa forma, a consideração de que tais comportamentos configuram-se como episódios verbais classificados como sociais, pois há mútuo reforço. Um exemplo disso poderia ser um rapaz jovem de 24 anos que ao cumprimentar outro rapaz da mesma idade não fosse correspondido pelo cumprimento deste outro, nesse sentido é válido considerar que o comportamento do jovem de 24 anos de cumprimentar este outro rapaz, se não reforçado outras vezes, poderá entrar em extinção. Sobre este esquema de reforçamento mútuo, Baum (2006) afirma,

Uma representação teatral normalmente não pode ser considerada social; ela só se torna social quando o comportamento do ator é reforçado pela audiência. Para um episódio ser denominado interação social e ser considerado como base de um relacionamento, o reforço deve ser mútuo (BAUM, 2006, p.216)

Assim, a emissão de comportamentos que reforcem os comportamentos do outro são necessários para a manutenção de qualquer relação, inclusive a amorosa. Se você conhece alguém que fala que sabe namorar, mas está sozinha há um tempo, perceba que a mesma fala que “ainda não apareceu a pessoa que ela quer”. Na verdade, há uma incompatibilidade no discurso de que sabe se relacionar. Todas as pessoas buscam satisfação amorosa (sexual) e saber se relacionar com os outros de modo a promover um ambiente amoroso onde a troca de reforçadores seja mútua é tarefa não muito fácil, por isso é mais cômodo dizer que ainda não apareceu a pessoa certa. Nós tendemos a responsabilizar os outros por nossas inabilidades comportamentais, é natural. Mas reconhecer nossa parcela de culpa nas conseqüências de nossas ações, é um comportamento exclusivo do homem. Busque terapia. Um psicólogo comportamental, pode identificar exatamente os comportamentos disfuncionais e intervir em busca de sua satisfação amorosa.

Diego Marcos Vieira da Silva

Psicólogo comportamental (CRP15/4764), especializando em Neuropsicologia, formado pela Universidade Federal de Alagoas, com formações em psicopatologia em análise do comportamento e técnicas de memória e oratória. Com capacitação para avaliação psicológica e experiência em casos de transtornos psicológicos tanto na clínica quanto em instituições de saúde mental.

BASTOS, P.A.; SANTOS, M.M.; STEIN, S.C. Atendimento psicoterápico comportamental de uma mulher adulta com comportamentos característicos de dependência afetiva. Comportamento em foco (4), 2014.

BUENO, L.N. BUENO, G.N. Modificação de déficit e excessos comportamentais em uma relação conjugal. Comportamento em foco (3), 2014.

Skinner, B.F. Sobre o behaviorismo. 1974, tradução de Maria Helena Villalobos. Ed. Cultrix, São Paulo, 1982.

AGGIO, N.M.; VARELLA, A.A.B.; SILVEIRA, M.V.; RICO, V.V.; ROSE, J.C.C. Memória sob a ótica analítico comportamental. Comportamento em foco (3), 2014

Skinner, B.F. O comportamento verbal. São Paulo: Editora Cultrix, 1978.

KESSLER, Cláudia Samuel. Novas formas de relacionamento: fim do amor romântico ou um novo amor-consumo?. Soc. e Cult., Goiânia, v. 16, n. 2, p. 363-374, Jul./dez. 2013. Disponivel em: <https://www.revistas.ufg.br/fchf/article/view/32195/17169>

Um comentário em “Eu sei namorar, só não namoro

  1. Muito interessante Diego, suas colocações! Já faz um tempo que o amor romântico que a novela apresenta foi desconstruído em minha vida. De fato, olhar nossos relacionamentos com uma parcela de responsabilidade pode nos distanciar da defensiva dos discursos “ninguém me entende”, ou que a pessoa não faz nada para agradar.
    Parabéns!!

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