Argentina aguarda aval do Brasil para investigar propina paga pela Odebrecht

Com dificuldades internas para apurar o pagamento de propina pela Odebrecht, a Argentina aguarda há mais de um mês o aval do Brasil para montar a equipe conjunta que investigará os fatos narrados pelos delatores da construtora.

No ano passado, executivos da empresa disseram a autoridades americanas terem pago propina de US$ 35 milhões a agentes públicos argentinos, entre 2007 e 2014, para obter três obras de infraestrutura que renderam à Odebrecht US$ 278 milhões em faturamento.

Mas, desde então, as investigações internas patinam, principalmente pela falta de uma lei que permita à empresa celebrar acordos de leniência, como no Brasil, em que executivos confessam os crimes, apresentam provas do envolvimento de autoridades e devolvem o dinheiro desviado dos cofres públicos. A Odebrecht já ofereceu o acordo à Argentina.

No início deste ano, representantes do Ministério Público da Argentina estiveram duas vezes no Brasil para pedir ajuda às autoridades brasileiras. As conversas resultaram na celebração de um acordo entre os MPs dos dois países para formar uma equipe de investigação conjunta.

A parceria foi assinada em Buenos Aires em 16 de junho pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e a procuradora-geral da Argentina, Alejandra Gils Carbó.

O começo dos trabalhos, porém, ainda depende do “trâmite” nos dois países. No caso do Brasil, a autoridade é o Ministério da Justiça, que integra o Poder Executivo. Na Argentina, é o Ministério das Relações Exteriores, também ligada ao governo, mas que já liberou o processo.

Procurado pelo G1, o Ministério da Justiça informou somente que ainda tem “procedimentos a cumprir”.

“O Ministério da Justiça é o órgão central que representa o Brasil nos acordos internacionais. Para tanto, tem procedimentos a cumprir, entre eles, o sigilo na tramitação dos acordos até sua finalização. Por isso, neste momento, não pode se manifestar especificamente sobre essa possibilidade de acordo aventada”, diz a nota.

Segundo apurou o G1, técnicos do ministério ainda analisam eventual necessidade de ajuste nos termos do acordo para se adequarem a tratados internacionais. Na prática, isso pode atrasar a formação da equipe conjunta, obrigando os MPs do Brasil e da Argentina, a reescreverem o acordo, com novas regras.

Funcionamento

A equipe de investigação conjunta é vista pelos MPs como um caminho viável para as investigações. Permite, por exemplo, que procuradores e policiais argentinos, com apoio de seus colegas brasileiros, venham ao Brasil colher novas provas a fim de reparar os danos causados no país vizinho.

“Qualquer equipe conjunta de investigação facilita, porque acelera e simplifica”, diz Vladimir Aras, responsável pelas cooperações internacionais na PGR.

O acordo prevê a designação de 6 investigadores de cada país dedicados exclusivamente ao caso, tendo poder, mediante autorização judicial, para tomar depoimentos, coletar informações em órgãos públicos e empresas, pedir perícias à polícia, incorporar informações de processos judiciais e compor os relatórios que servirão de base para eventuais denúncias à Justiça argentina.

Assim que tiver o funcionamento autorizado, a equipe conjunta trabalhará durante um ano, período que pode ser prorrogado. Dependendo da amplitude e necessidade, o acordo permite que futuramente investigadores de outros países se incorporem ao grupo.

Sabe-se, principalmente com base em informações passadas pelos Estados Unidos, que a Odebrecht pagou propina para obter contratos de pelo menos três obras públicas:

  • aterramento da ferrovia Sarmiento, que liga Buenos Aires a Mendoza;
  • construção de uma estação de tratamento de água no rio Paraná de las Palmas;
  • ampliação do gasoduto Norte-Sul, na região sul do país.

A equipe de investigação conjunta só foi testada uma única vez pelo Brasil, também com a Argentina, entre 2014 e 2016, para apurar desaparecimentos e assassinatos políticos da Operação Condor, aliança entre regimes militares sul-americanos para perseguir adversários nos anos 70 e 80.

Compartilhamento de provas

No acordo de delação celebrado no Brasil com a PGR, em dezembro do ano passado, o ex-diretor da Odebrecht Márcio Faria narrou pagamento a diversos funcionários públicos argentinos para obras do gasoduto através do setor de propinas da empresa.

O relato ainda está em sigilo, mas foi repassado ao Ministério Público da Argentina em junho deste ano. A abertura de processo contra a empresa na Argentina, no entanto, ainda não andou porque nem todas as provas podem ser entregues, já que boa parte serve apenas para punir a empresa e seus executivos no Brasil.

Segundo Vladimir Aras, a limitação no uso da prova, especialmente aquela entregue numa delação premiada, visa a garantir direitos fundamentais do acusado. Além disso, impede que ele seja punido mais de uma vez, em diferentes países, pelo mesmo fato.

“Nos casos da Odebrecht, o que está acontecendo não é a recusa em entregar as provas à Argentina, é a entrega mediante as condições”, disse o procurador.

Ele diz que juízes federais argentinos, que também têm poder de investigação, vêm exigindo as provas “de qualquer jeito, na marra”, o que não é possível. “”les querem dançar tango no Brasil, a gente dança samba”, afirmou.

Colaborações com outros países

O Brasil já vem colaborando com outros países nas investigações internacionais derivadas da Lava Jato.

No total, 28 países (de todas as Américas, África e Europa) fizeram mais de cem pedidos, incluindo obtenção de documentos no Brasil, levantamento de patrimônio de investigados depositado aqui e depoimentos por videoconferência – até agora, já foram feitos 41 interrogatórios a pedido dessas nações.

Fonte G1

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