Todas as tardes, as terapeutas ocupacionais do Espaço Convivência formam um círculo com os idosos que ali estão hospedados. O objetivo é resgatar a parte cognitiva desses pacientes através de um jogo de perguntas e respostas que se assemelha a uma atividade em classe estudantil. A professora pede a seus alunos que digam frutas que comecem com a letra “M”. A maioria deles levanta a mão como crianças em um jardim de infância, ávidos para darem sua resposta antes dos outros amigos.
Sentados lado a lado estão ‘Dona’ Marina e ‘Seu’ Matias. Ele consegue dizer “maracujá” sem nenhuma dificuldade. Já ela compreende a pergunta, mas não consegue respondê-la — mesmo com a “colinha” do namorado. Quando os acordes do violão melodiam a canção “Marina”, de Dorival Caymmi, a paciente surpreende. O efeito sinestésico é visível quando ela canta toda a letra e começa a dançar com o companheiro, que a ajuda com os passos mais difíceis.
A cumplicidade parece ter vários anos de idade, mas começou há poucos meses. Antes de se encontrarem no centro geriátrico localizado na Asa Sul, no final de 2016, os dois tinham vidas bem distintas. Marina da Silva Altran nasceu no Rio de Janeiro em 1937, mas mora em Brasília há 42 anos. Viúva, a ex-professora lecionava inglês e francês e relembra com dificuldade ter sido diretora de um colégio, do qual não recorda o nome. Diagnosticada com doença de Alzheimer, a paciente ainda mantém a memória musical e, desde que conheceu Seu Matias, tem tido menos oscilações de humor — comportamento habitual de quem é portador da doença.
A origem de sua fascinação está no cuidado que recebe do companheiro. José Matias Coelho é comunicativo, engraçado e está sempre sorridente. Nascido em Alfenas (MG), o dentista aposentado de 86 anos fala com detalhes da infância na fazenda, tem uma ótima noção de geografia e, diferente da maioria dos pacientes, não tem nenhuma doença degenerativa: decidiu morar no espaço por conta própria.
O efeito paliativo do afeto é tema de várias pesquisas no campo das doenças degenerativas. Ao colocarem pessoas com problemas de memória para assistirem filmes, cientistas da Universidade de Iowa comprovaram que, até os pacientes que não se lembravam do que tinham assistido, mantinham as emoções suscitadas pelas temáticas dos filmes — que poderiam ser tristes ou felizes. O estudo publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences demonstrou que, mesmo com a perda de memória, as emoções permanecem intactas.
“Essa ligação passa confiança. Com isso, ela fica com a autoestima melhor e acaba socializando mais e participando de todas as atividades porque tem um companheiro ali ajudando todo o tempo”, comenta Giovanna Macedo, terapeuta ocupacional do Espaço Convivência.”Posso te dizer com certeza que a saúde de dona Marina ficou muito melhor depois que Seu Matias chegou aqui”.
Além de Giovanna, todos os outros profissionais relatam que os dois são inseparáveis. A relação vem florescendo com o tempo e, como bons namorados à moda antiga, eles andam de mãos dadas no pátio onde os beijos são só no rosto.”Eu tenho carinho por ela. O que eu puder fazer para ajudá-la eu faço”, comenta o apaixonado Seu Matias.