Quem é Gilmar Mendes, dono do voto que absolveu Temer
Depois de cinco dias de julgamento da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer no Tribunal Superior Eleitoral, coube ao presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes, o voto de minerva que absolveu o presidente da República e sua antecessora de irregularidades na campanha de 2014.
O voto desempatou o placar de 3 a 3 no TSE e veio após um julgamento repleto de trocas de farpas entre Mendes e o relator do processo, Herman Benjamin.
Os ministros debateram intensamente sobre a inclusão ou não de depoimentos de ex-executivos da Odebrecht – que agravavam as acusações contra Dilma e Temer – no processo movido pelo PSDB contra a chapa presidencial.
Benjamin defendeu a inclusão, mas foi chamado de “falacioso” por Mendes – cujo argumento contrário prevaleceu.
Em seu voto, na noite desta sexta, Mendes afirmou que “cassações de mandato devem ocorrer em situações inequívocas”.
“Não se substitui um presidente da República a toda hora, ainda que se queira. Porque se prefere pagar o preço de um governo ruim e mal escolhido do que a instabilidade ou golpes na calada da noite. ‘Ah, mas o povo quer!’ Mas é assim que se destrói mandato?”, questionou.
Nomeado por Fernando Henrique Cardoso em 2002 e um dos mais antigos ministros do Supremo Tribunal Federal, Mendes é também um jurista de currículo respeitado: tem mestrado e doutorado na Alemanha, mais de 20 livros publicados e uma carreira que inclui períodos como procurador da República, nos anos 1980, e advogado-geral da União no governo FHC, de 2000 a 2002.
É, também, um dos ministros mais polêmicos, tomando posições que ora agradam ora incomodam diferentes grupos ideológicos.
Uma das controvérsias mais recentes diz respeito justamente à notória proximidade de Mendes com Michel Temer, o que gerou discussões a respeito de um possível conflito de interesses no julgamento do TSE.
Voz política
Em janeiro, por exemplo, Mendes viajou a Portugal junto no avião que levava a comitiva presidencial para o funeral do ex-presidente português Mário Soares.
Em março, Temer e outros políticos participaram de jantar oferecido por Gilmar Mendes em sua casa em Brasília.
Mendes, no entanto, negou diversas vezes que essa proximidade tivesse influência no julgamento.
“Vivemos essa realidade (de proximidade) em Brasília. Temos relações institucionais. Converso com todas as forças políticas. Gosto da vida política. Não há conflito com o julgamento no TSE”, disse à GloboNews em janeiro.
Mendes é um dos ministros do Supremo que mais se expressam publicamente sobre política.
Durante o governo de Dilma Rousseff, Mendes foi um duro crítico do PT, a quem acusou, em 2015, de “ter um plano perfeito” para se “eternizar no poder” – plano este “estragado” pela operação Lava Jato.
‘Nunca personalizei’
Falas com esse teor lhe renderam na época a pecha de “líder da oposição” – rechaçada por Mendes em uma sabatina à Folha de S. Paulo em 2009, quando disse que seu cargo tem caráter político, mas não partidário.
“As posições dele são muito mais políticas do que jurídicas”, disse à BBC Brasil em 2015 Dalmo Dallari, professor emérito da USP e simpatizante do PT.
Foi Mendes quem, em 2015, decidiu pela continuidade do processo contra a chapa Dilma-Temer no TSE, ainda na época do governo da petista.
Na época, rebateu críticas de que adotaria posturas diferentes em casos relacionados ao PT.
“Não, não, não. Veja o que eu decidi. Por exemplo, fui eu quem arquivou o processo contra o (ex-ministro Antonio) Palocci. Eu fui o voto relator. Quem pediu para arquivar um processo sério contra o (então ministro da Educação Aloizio) Mercadante fui eu. No (julgamento do) mensalão, muitos votos atenuantes (de redução de pena) eram meus. Nunca personalizei isso”, afirmou na ocasião à BBC Brasil.
O ministro também foi defendido por outro jurista renomado, Ives Gandra Martins, seu amigo.
“Ele é absolutamente independente, não aceita pressões de ninguém. Quando decide, e muitas vezes as pessoas não gostam de suas decisões, decide sempre com convicção e base jurídica”, afirmou.
Para Gandra, a postura “severa” do ministro não é uma questão de temperamento, mas de preocupação ética.
“Gilmar é um cidadão muito objetivo, não gosta de conviver com o erro. Muitas vezes pode parecer agressivo com os outros, mas decorre dessa característica de achar que no poder público não pode haver desonestidade”, observou.
Polêmicas
O caráter ético da conduta de Mendes, porém, não é consenso. Uma das principais críticas de seus opositores é sobre a contratação de cursos de sua empresa – o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) – por diversos órgãos federais, o que já teria rendido ao menos R$ 3 milhões segundo levantamento de 2009 da revista Carta Capital.
O episódio mais controverso dessas contratações se deu quando Mendes ainda era chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), durante o governo FHC, antes de ser nomeado para o STF. Segundo reportagem da revista Época em 2002, a AGU pagou R$ 32,4 mil ao instituto de Mendes no período em que ele o comandava.
“Isso é contrário à ética e à probidade administrativa, estando muito longe de se enquadrar na ‘reputação ilibada’, exigida pela Constituição, para que alguém integre o Supremo”, escreveu Dallari em artigo à época das revelações.
Mendes rebateu dizendo que o IDP é contratado pelos órgãos porque tem prestígio.
“É uma instituição com grande expertise. Talvez seja uma das melhores instituições de Brasília e as pessoas querem ir lá. Tem mestrado, tem especialização”, disse.
“Modéstia à parte, eu sou um bom professor, eu sou um professor de sucesso. Onde eu vou, enche de aluno. Meu livro de Direito Constitucional com o Paulo Gustavo (Gonet Branco) está na décima edição. Já vendeu 120 mil exemplares desde 2007. Deve ter algum significado. Não devem comprar só porque querem me homenagear, né?”
Ele destacou também que a instituição existe desde 1998, “muito antes” de ele até “sonhar” em ser ministro do STF.
Outro episódio polêmico da trajetória de Mendes foi quando ele concedeu, por duas vezes, habeas corpus para a libertação do banqueiro Daniel Dantas, que havia sido preso na operação Satiagraha sob suspeita de desvio de verbas públicas, crimes financeiros e tentativa de suborno para barrar a investigação da Polícia Federal. A decisão foi mantida depois pelo plenário do STF.
O grupo Opportunity, de Daniel Dantas, adquiriu participações em várias empresas privatizadas no governo FHC, em especial no setor de telecomunicações.
Mais tarde, o STF decidiu manter decisão do Superior Tribunal de Justiça que anulou a operação Satiagraha sob justificativa de que parte das provas contra Dantas havia sido obtida em buscas ilegais. No auge da polêmica sobre a operação, Mendes disse que tinha sido grampeado pelos agentes da investigação e chamou o então presidente Lula “às falas”. A existência do grampo, porém, nunca ficou comprovada.
A assessoria do banco Opportunity enviou em 2015 nota à BBC Brasil em que questiona a lisura da Operação Satiagraha e diz que o grupo “nunca lidou com recursos públicos”.
Progressista?
Apesar de tantas polêmicas, há uma faceta de Mendes que agrada até mesmo petistas e a esquerda em geral. O ministro costuma votar de forma dita progressista em “temas morais”, como drogas, casamento gay e aborto de fetos anencefálicos. Demonstra ainda preocupação com as condições precárias dos presídios nacionais.
Seu voto em 2015 pela descriminalização de todas as drogas – julgamento que foi suspenso por um pedido de vista do ministro Teori Zavascki, morto em janeiro – foi festejado entre grupos de defesa dos direitos humanos.
Um dos que elogiaram a decisão foi Pedro Abramovay, diretor para a América Latina da Open Society Foundations. Ex-secretário nacional de Justiça do governo Lula, ele considera positiva também a forma como Mendes conduziu o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) entre 2008 e 2010.
“Ele foi um ótimo presidente do CNJ, superprogressista. Foi talvez o primeiro a usar o CNJ como espaço para discutir os presídios, fazer os mutirões (para soltar presos). Eu o conheci nessa época, quando eu era secretário”, contou Abramovay, que foi também aluno de Mendes no doutorado da UNB.
“É um professor muito atento, muito cuidadoso, que ouve o aluno. Não vai de terno e gravata na aula. Parece outra figura, não é o ministro que está lá.”
Por outro lado, nota Abramovay, o alinhamento ideológico “com a centro-direita, com o PSDB” se reflete em decisões mais favoráveis ao setor privado quando ele julga questões econômicas. Em ações que discutem disputas de terras entre grupos indígenas e fazendeiros, por exemplo, ele costuma ficar ao lado dos produtores rurais.
O próprio Mendes vem de uma família de fazendeiros da região de Diamantino, em Mato Grosso, onde sua família é influente. Seu pai, Francisco Ferreira Mendes, foi prefeito da cidade pela Arena, partido de sustentação da ditadura militar (1964-1985). Na mesma sabatina realizada pelo jornal Folha de S. Paulo em 2009, o ministro também rebateu as acusações de que isso influenciasse suas decisões.
Apesar de muitas vezes discordar de Mendes, Abramovay não vê problema em sua proximidade com os tucanos.
“Ele é historicamente ligado ao PSDB, assim como outros ministros são historicamente ligados ao PT. Acho isso totalmente saudável para a democracia. Na corte alemã, os partidos indicam os ministros. E mesmo nos EUA é muito claro quem é democrata e quem é republicano. O que não pode ocorrer é os ministros tomarem decisões anti-institucionais, e não acho que isso esteja ocorrendo no Supremo”, ressaltou.
Fonte: BBC