Padres de AL afirmam que decisão papal de perdão ao aborto busca misericórdia
Uma decisão tomada em caráter definitivo pelo Papa Francisco, na última segunda-feira (21), alcançou proporções positivas para a Igreja Católica. O sumo pontífice autorizou que todos os padres possam perdoar o pecado do aborto, considerado crime para a legislação penal, com exceções. Por outro lado, alguns padres de Alagoas esclarecem que a única diferença é a amplitude da autorização, uma vez que a prerrogativa era válida apenas para bispos.
Foi mais uma revolução de Francisco. Em uma carta apostólica, ele deu aos padres o direito permanente de absolver as pessoas que praticaram o aborto. O Papa decidiu que esta conduta anunciada para o Jubileu da Misericórdia deve continuar, mesmo depois do Ano Santo, que foi encerrado no domingo (20).
As palavras do pontífice foram: “Para que nenhum obstáculo interfira entre o pedido de reconciliação e o perdão de Deus, concedo, a partir de agora, a todos os sacerdotes, com a força do ministério deles, a faculdade de absolver os que cometeram o pecado do aborto”.
A reportagem conversou com dois sacerdotes que falaram abertamente sobre a decisão que dá um novo rumo à Igreja. Ambos levantaram questões, como estender a misericórdia e a graça de Deus, e promover na sociedade maior reflexão acerca dos seus atos. Padre Valmir, da Paróquia São Sebastião, em Messias, fez questão de enfatizar que a notícia não deve ser espanto para ninguém, pelo menos para a comunidade católica. A ideia que se tem é de que o aborto vai ser perdoado de qualquer maneira, conforme pontua.
“Não é bem assim. Entendemos que, para aquele que comete pecado, reconhece o erro, o perdão será dado porque o próprio Jesus diz ‘perdoar setenta vezes sete’, ou seja, infinitas vezes. Então, a Igreja, para aqueles cristãos que venham arrependidos, sempre perdoou. Quem perdoa é Jesus, o padre é apenas canal, escuta o penitente e dá a absolvição. A impressão que a gente tem pela forma como a matéria nacional foi colocada é que não havia perdão para o pecado do aborto. Sempre houve perdão”, explicou o sacerdote.
Valmir destacou que somente os bispos tinham essa autorização; porém, na Arquidiocese de Maceió, a partir de um sínodo, o bispo emérito Dom Edvaldo Amaral concedeu uma licença para que os padres possam dar a absolvição. Hoje, no entanto, todo e qualquer sacerdote pode absolver em caráter definitivo, a partir da decisão papal.
Questionado sobre a excomunhão, o padre salientou que a decisão não muda a concepção da doutrina católica, quando afirma que o fiel leigo pode ficar nesta situação, isto é, proibido de receber a comunhão (hóstia consagrada), se não houver o arrependimento do aborto e de outros pecados graves.
“A Igreja diz que, quando a pessoa contraria os dez mandamentos, automaticamente está fora da comunhão, além de outras faltas. Eu perco o status de união com o Senhor Jesus. Não é uma condenação eterna, mas desde que o fiel reconheça. Lembrando, porém, que é um pecado gravíssimo. Aquele que cometeu o pecado do aborto está fora da vivência da graça. Portanto, automaticamente, a pessoa já se excomunga. Com esta decisão, a Igreja só faz reconhecer aquilo que já existe”, falou o padre.
Para o padre, a intenção de Francisco é de que a Igreja seja sinal de misericórdia, canal de salvação. Valmir assinala que “o papa busca aproximar cada vez mais o povo da misericórdia de Deus. A Igreja tem a grande preocupação de as pessoas irem ao encontro de Jesus”.
“O que deve mudar é a consciência. A Figura do sacerdote é a figura de Jesus, é Ele que está ali. Poderia ser de outra forma, mas Cristo quis que fosse dessa forma. Cristo não é rancoroso, vingador, tirano, mas o coração de Jesus se entristece. A alegria de Deus se dá quando procuramos amar a Deus na figura do próximo”, comentou Valmir.
O sacerdote disse que as orientações do papa serão repassadas pelo arcebispo nas próximas reuniões do clero, onde será debatido o pequeno texto publicado pelo papa.
A reportagem também entrevistou padre Antônio Lopes, titular da Paróquia de São José, em Arapiraca. Ele explicou que o grave pecado do aborto que ceifa a vida de um inocente indefeso é punido pela Igreja com excomunhão “latae sententiae”, que significa uma pena imposta pelo próprio ato ou automática, conforme o Código de Direito Canônico, cânon 1398.
“A pena de excomunhão tem como finalidade enfatizar a gravidade do ato cometido. É chamada de pena medicinal porque tem o objetivo de chamar o pecador ao arrependimento. A excomunhão não é para condenar a pessoa, mas para ajudá-la a perceber a gravidade de seu ato. Uma vez arrependida, a pessoa excomungada recebe a absolvição e volta à comunhão que tinha sido ferida pelo pecado”, informou o sacerdote.
Antônio chama a atenção para a importância do ato decisório do papa Francisco, justificado, segundo ele, pelo zelo com que a Igreja trata as pessoas machucadas, quando, anteriormente, tamanho cuidado era dificultado pelas distâncias, expondo as pessoas, pondo em risco até o sigilo que protege o sacramento da confissão.
“Aqui na Diocese de Penedo, os padres serão orientados pelo bispo diocesano, Dom Valério Breda, a esclarecer aos fiéis o significado da louvável decisão do Papa. O tempo do Advento, quando muitas pessoas procuram a confissão para se prepararem para o Natal, será um momento muito apropriado para esta orientação”, esclareceu o padre.
Os dois sacerdotes pontuaram que a decisão do chefe da Igreja Católica é não levar a uma banalização do aborto; pelo contrário, na Carta Apostólica, o Papa menciona a gravidade do ato, que leva a culpa. “O papa não disse que aborto não é pecado, ao contrário, tanto é pecado que precisa ser confessado. A confissão é o sacramento do perdão para o pecador arrependido. E para quem se arrepende, até o mais horrendo dos crimes, recebe o perdão de Deus”, reforçou Antônio.
Valmir pontuou, também, que o papa não fala para o mundo, mas sim, para o seu rebanho, pois é o pastor da Igreja. “Banalizar o crime do aborto jamais, mas sim, vai fazer com que muita gente reflita, catolico ou não. É um pecado seriíssimo. O fiel cristão católico sabe que tirar uma vida é um pecado gravíssimo. Um cristão de verdade segue a lei de Deus, a lei da Igreja, a voz do papa, que é o nosso pastor. Deus seja louvado pela iniciativa do papa, Deus seja louvado por nos fazer perceber que a misericórdia, como cantou a Virgem Maria, estende de geração em geração”, frisou Valmir.
CONFIRA, NA ÍNTEGRA, TRECHOS DA CARTA APOSTÓLICA DO PAPA
Aos sacerdotes, renovo o convite para se prepararem com grande cuidado para o ministério da Confissão, que é uma verdadeira missão sacerdotal. Agradeço-vos vivamente pelo vosso serviço e peço-vos para serdes acolhedores com todos, testemunhas da ternura paterna, não obstante a gravidade do pecado, solícitos em ajudar a refletir sobre o mal cometido, claros ao apresentar os princípios morais, disponíveis para acompanhar os fiéis no caminho penitencial, respeitando com paciência o seu passo, clarividentes no discernimento de cada um dos casos, generosos na concessão do perdão de Deus…
Como Jesus, perante a adúltera, optou por permanecer em silêncio para salvar da condenação à morte, assim também o sacerdote no confessionário seja magnânimo de coração, ciente de que cada penitente lhe recorda a sua própria condição pessoal: pecador, mas ministro da misericórdia…
Em virtude desta exigência, para que nenhum obstáculo exista entre o pedido de reconciliação e o perdão de Deus, concedo, a partir de agora, a todos os sacerdotes, em virtude do seu ministério, a faculdade de absolver a todas as pessoas que incorreram no pecado do aborto…
Aquilo que eu concedera de forma limitada ao período jubilar fica agora alargado no tempo, não obstante qualquer disposição em contrário. Quero reiterar com todas as minhas forças que o aborto é um grave pecado, porque põe fim a uma vida inocente; mas, com igual força, posso e devo afirmar que não existe algum pecado que a misericórdia de Deus não possa alcançar e destruir, quando encontra um coração arrependido que pede para se reconciliar com o Pai. Portanto, cada sacerdote faça-se guia, apoio e conforto no acompanhamento dos penitentes neste caminho de especial reconciliação…