Após três dias de depoimentos – e uma jornada de 12 horas no sábado -, o Senado concluiu a fase de oitiva de testemunhas e informantes do julgamento de impeachment de Dilma Rousseff.
O ponto alto da etapa final do processo, agora, virá nesta segunda-feira, quando a petista comparecerá pessoalmente para se defender e responder aos questionamentos dos senadores.
No fim de semana, o último a depor foi o professor de direito tributário da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Ricardo Lodi Ribeiro, que falou como informante.
Ele disse que os decretos editados pela presidenta em julho e agosto de 2015 não eram considerados infração até aquela data pelo Tribunal de Contas da União, que só em outubro mudou seu entendimento.
“Não entro no mérito dessa mudança ser positiva ou negativa. Naquela momento em que foram editados os decretos, esse entendimento não existia”, disse Lodi, segundo a Agência Brasil.
Antes dele, foi ouvido o ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa, para quem a presidente afastada não cometeu crime de responsabilidade ao editar os decretos em avaliação no processo deimpeachment. Barbosa frisou que, no ano passado, o governo fez um dos maiores contingenciamentos da história.
Expectativa para Dilma
Após o domingo de descanso, as atenções se voltam para a defesa de Dilma Rousseff, marcada para as 9h da segunda-feira. Ela terá 30 minutos para falar, prorrogáveis por mais 30.
Após isso, os advogados de cada lado e os parlamentares terão cinco minutos cada para fazer questionamentos. A presidente afastada poderá levar o tempo que quiser para responder às perguntas que desejar.
Segundo a Agência Brasil, 47 dos 81 senadores já estão inscritos para falar.
Em apoio à sua pupila, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assistirá da galeria do plenário, onde, por equilíbrio, também será reservado espaço para defensores do impeachment.
Plateia “Fla-flu”
Será a primeira vez que a presidente comparecerá pessoalmente ao Congresso para se defender – e o clima promete ser tenso.
Lula vai assistir acompanhado de um grupo de 20 a 30 aliados, como ex-ministros dos governos petistas e assessores. Para garantir “direitos iguais”, o presidente do Senado, Renan Calheiros, disse que a acusação terá direito a convidar também o mesmo número de apoiadores.
O senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) contou à BBC Brasil da intenção de convidar líderes dos protestos que levaram multidões às ruas neste ano e no anterior pedindo a queda de Dilma.
Apesar da forte rivalidade que existe entre esses grupos, o tucano descartou um clima de “fla-flu” na sessão. Já o senador Ronaldo Caiada (DEM-GO) disse ao jornal O Globo estar preocupado.
“Sinceramente passa a ser um risco (de confusão entre os dois lados). Se o clima está com a temperatura mais elevada no plenário, imagina como não vai estar nas galerias”, avaliou.
O líder do Vem Pra Rua, Rogerio Chequer, disse às BBC Brasil que foi convidado, mas que ainda não sabe se poderá comparecer devido a outros compromissos que já tinha programado.
Questionado se previa algum potencial de confusão devido a presença dos dois grupos adversários, respondeu: “Eu não posso responder por outros. Nós nunca criamos confusão em qualquer ambiente que estivéssemos”.
A expectativa é que o julgamento acaba até quarta-feira. Se ao menos 54 senadores votarem contra Dilma, ela estará cassada e Michel Temer assume a Presidência até 2018.
Duas votações?
O advogado de Dilma, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, disse na sexta que estuda solicitar ao presidente do STF, Ricardo Lewandowski, que sejam realizadas duas votações separadas sobre o futuro de Dilma. Uma para decidir se ela será cassada e outra para avaliar a perda dos seus direitos políticos.
Lewandowski é quem comanda o processo nesta fase final, enquanto os 81 senadores atuam como juízes.
O texto constitucional indica que o presidente cassado fica inelegível por oito anos. No entanto, Cardozo argumenta que o impeachment do ex-presidente Fernando Collor (em 1992) abre um precedente para realizar as duas votações. Isso porque Collor renunciou ao mandato pouco antes do fim do julgamento, mas ainda assim os senadores votaram sobre a perda de seus direitos políticos.
Senadores favoráveis ao impeachment acham que a proposta seria mais uma tentativa de atrasar o fim do julgamento.
Manhãs e noites “animadas”
A manhã desse sábado foi mais calma que as dos primeiros dois dias de julgamento, marcadas por tensos bate-bocas.
Lewandowski chegou a brincar hoje cedo, quando os senadores ameaçaram elevar os ânimos novamente: “A experiência tem demonstrado que as senhoras senadoras e senhores senadores de manhã têm um pouco mais de energia e que, ao longo do dia, ela vai caindo. Então, temos que ter pouco de paciência”, disse, causando risos dos parlamentares.
Em um dos momentos de maior tensão nesta semana, o presidente do Senado, Renan Calheiros, disse ontem que o Senado parecia um “hospício” e criticou a estratégia dos aliados de Dilma de atacarem seus adversários e apresentarem sucessivas questões de ordem questionando o processo. Segundo ele, essa atitude não agrega votos. “Essa sessão é sobretudo uma demonstração de que a burrice é infinita”, disse Calheiros.
No fim do dia, Calheiros se disse arrependido. Segundo notícias da imprensa nacional, o peemedebista recebeu ontem à noite em sua casa os senadores Jorge Viana (PT-AC), vice-presidente do Senado, e Lindbergh Farias (PT-RJ), para um vinho de reconciliação.
“Encenação”
Senadores favoráveis ao impeachment acusam os aliados de Dilma de estarem inflamando o tom dos debates devido à presença no julgamento de um equipe que está rodando um documentário sobre a queda da petista. A equipe é dirigida pela cineasta Anna Muylaert, responsável pelo premiado filme “Que horas ela volta?”.
“Infelizmente, precisamos lembrar que o Senado viveu ontem um episódio que precisa ser esquecido”, disse Cunha Lima, em referência as brigas entre senadores. “A senadora Vanessa (Grazziotin, PCdoB-AM) é a quinta inscrita e não se contém, e invade o espaço do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES). Enquanto as câmeras do documentário do PT estiveram aqui, essas cenas vão seguir – completou o tucano.
Grazziotin reagiu e disse que fala “em defesa da democracia”. Já a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) afirmou que o “horror” que alguns têm às filmagens é a falta de coragem de assumir que estão em um “golpe”.
Testemunhas “parciais”
Durante a fase de depoimentos, nos últimos três dias, testemunhas do lado de defesa e da acusação foram “rebaixadas” à condição de informantes.
O procurador junto ao TCU (Tribunal de Contas de União) Júlio Marcelo de Oliveira, convocado pela acusação, não foi considerado imparcial por Lewandowski porque apoiou protestos a favor da rejeição das contas do governo Dilma pelo TCU no ano passado.Além disso, a própria defesa também solicitou a troca de “status” de testemunha para informante do economista Luiz Gonzaga Belluzzo e do presidente da Sociedade Brasileira de Direito Tributário, Ricardo Lodi, se antecipando aos questionamentos que seriam feitos pelos senadores favoráveis ao impeachment.
Segundo eles, Belluzzo não poderia ser testemunha porque não participou das operações fiscais em questionamento. Dessa forma, ele apenas poderia dar sua opinião como especialista. Já Lodi foi assistente de perícia indicado pela defesa em fase anterior do processo e por isso não teria imparcialidade para ser testemunha.
Na prática, porém, essas mudanças não devem ter efeitos relevantes. Ao contrário da testemunha, o informante não presta compromisso de dizer a verdade e não pode ser processado por mentir. Dessa forma, do ponto de vista técnico, seu depoimento é considerado “menos qualificado”. Ainda assim, pode ser usado como prova, a depender da avaliação do juiz do caso.
No caso do impeachment, os próprios senadores são os juízes e é improvável que esse fator – ser testemunha ou ouvinte – influencie sues votos.A acusação chamou apenas dois depoentes, para agilizar o processo. Já a defesa havia convocado seis, o número máximo permitido. No entanto, a ex-secretária do Ministério do Planejamento Esther Dweck foi dispensada após senadores favoráveis ao impeachment questionarem o fato de ela ter sido nomeada pela senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) para trabalhar na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) da Casa.
As testemunhas e informantes de ambos os lados apresentaram argumentos técnicos a favor e contra a tese de que Dilma cometeu crime de responsabilidade na gestão das contas públicas.
Os depoentes da acusação acusaram a petista de “fraude fiscal”, enquanto as convocadas pela defesa disseram que as operações eram regulares e foram adotadas por presidentes anteriores a ela.
Fonte: BBC