Mudanças no Brasil: o DEM de volta ao poder
À 0h12 da última quinta-feira, o painel eletrônico da Câmara dos Deputados anunciou a vitória do democrata Rodrigo Maia (RJ) na disputa pela sucessão de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) no comando da Casa – e o retorno do DEM ao poderoso posto após treze anos. A legenda que abocanhou o importante Ministério da Educação com a chegada de Michel Temer ao Planalto tem agora um “vice-presidente” com a caneta do Legislativo: o DEM, que há um ano quase desapareceu, está de volta ao centro do poder.
Entre 1998 e 2002, o partido tinha a força que o país se acostumou a ver nos anos recentes associada ao PMDB: acumulava seis governadores e a maior bancada da Câmara, com mais de 100 deputados – o que impulsionava as veias fisiológicas da sigla. Tinha também outro nome, Partido da Frente Liberal (PFL). Até 2003, quando o PT assumiu o Planalto, o PFL deu sustentação a todos os governos desde a redemocratização. Fundado em 1985 a partir da chamada Frente Liberal, criada para ajudar a viabilizar a eleição de Tancredo Neves, o PFL nunca conseguiu abandonar a pecha de herdeiro da Arena e do PDS.
Acentuado nos governos petistas, o declínio da sigla começou anos antes – dentro do próprio PFL. Grande força política do país nos 80 e 90, Antônio Carlos Magalhães, morto em 2007, rivalizava com os fundadores da legenda, Marco Maciel e Jorge Bornhausen. Embora a postura estridente de ACM contra o então presidente Fernando Henrique Cardoso não fosse endossada pelos moderados Maciel e Bornhausen, o que o isolava no partido, a queda do senador em 2001, arrastado pela própria confissão de que havia violado o painel do Senado, acabou por prejudicar a imagem da legenda. Outro duro golpe foi a morte de Luis Eduardo Magalhães em 1998. O filho de ACM, que dialogava com o grupo de Bornhausen, era a esperança da sigla para eleger um presidente em 2002.
Bornhausen entregou a presidência da legenda para Rodrigo Maia em 2007, quando o PFL se tornaria Democratas. O nome visava suavizar o peso do PFL, mas na prática seus caciques e mesmo a tribo era a mesma – logo, o discurso duro permaneceu o mesmo. O partido também apostou em lideranças que acabariam dragadas por escândalos de corrupção, como o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda e o senador cassado Demóstenes Torres. Em março de 2011, o DEM quase implodiu com o desembarque do ex-prefeito de São Paulo e fundador do PSD Gilberto Kassab. Num movimento para se aproximar do governo Dilma, Kassab saiu do partido levando metade da bancada do DEM eleita em 2010, além da senadora Kátia Abreu e do governador Raimundo Colombo.
Oposição – O DEM se posicionou sistematicamente contra o PT – enfrentando um partido cujos governos chegaram a bater recordes de aprovação. E pagou o preço. “Precisamos extirpar o DEM da política”, disse o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em um comício em Santa Catarina em 2010. Quatro anos depois, o partido sofreria sua maior derrota: escanteado pelos tucanos, sequer conseguiu a vaga de vice na chapa de Aécio Neves na corrida pela Presidência. Saiu da disputa sem ao menos um governador e com apenas 21 deputados — o mesmo número que o pequeno PRB e quatro a menos do que o PTB, partido com o qual quase se fundiu no ano seguinte para sobreviver.
Mas se ao longo dos treze anos de PT no poder o DEM viveu seu pior inferno astral, foi também graças ao partido adversário que a legenda se revigorou. Ou melhor, graças à derrocada petista. Ao contrário do que fizeram nomes de peso do PSDB, as lideranças democratas rapidamente se posicionaram a favor da abertura do processo de impeachment contra Dilma Rousseff – empenho que não seria esquecido por Michel Temer. Em figuras como as do senador Ronaldo Caiado (GO) e do deputado Onyx Lorenzoni (RS) o DEM encontrou as vozes que, das tribunas do Congresso, reverberavam a insatisfação que as ruas demonstravam. Caiado era presença constante nas manifestações – e sempre concorrido para selfies. “O DEM soube fazer oposição melhor que o PSDB”, resume o cientista político Rubens Figueiredo.
A ascensão logo se refletiu em números: na janela de filiação aberta em março deste ano, o DEM ganhou sete deputados. A legenda também passou a engordar com a filiação de membros egressos de movimentos pró-impeachment, principalmente no Sudeste. Um dos exemplos mais emblemáticos é o de Fernando Holiday, líder do Movimento Brasil Livre (MBL) que se filiou há 20 dias para concorrer a uma vaga na Câmara Municipal de São Paulo. Entre janeiro e julho deste ano, o número de filiados à sigla aumentou em 15.000. Para o cientista político e colunista de VEJA.com Sérgio Praça, o DEM tem se mostrado um partido mais coeso que o PSDB, o que favorece seu crescimento. “Esse ressurgimento se deve, claro, à derrocada do governo petista, mas também à fraqueza do PSDB. O DEM está pronto para se beneficiar do rearranjo de forças na política nacional”, afirma.
Presidência – Tão pronto que figuras de proa da legenda já defendem uma candidatura própria ao Planalto daqui a dois anos. “Devemos ter projeto próprio em 2018. Temos nomes para isso, como Caiado e o próprio ACM Neto, prefeito de Salvador que deve se reeleger em outubro”, disse o ministro Mendonça Filho. Cotado para ocupar uma eventual candidatura, Caiado evita falar diretamente sobre a disputa pela Presidência, mas deixa claras as ambições da sigla: “É nossa grande esperança colher, em 2018, o que plantamos ao longo desses anos difíceis. Vamos voltar a disputar um patamar de 70, 80 deputados federais”. Ainda que entusiasmado, o deputado Pauderney Avelino (AM), líder do DEM na Câmara, pondera que, em tempos de petrolão, é muito cedo para fazer projeções. “Precisamos ver como vai ficar após a Lava Jato”, disse ele. Tanto o presidente do partido, o senador Agripino Maia (RN), como Rodrigo Maia são alvos de inquéritos no Supremo Tribunal Federal. Por ora, Agripino calcula que o partido deve começar a crescer nas eleições deste ano. Ele avalia que o DEM tem boas chances em Guarulhos (SP) e Recife (PE), além é claro de Salvador.
No Congresso, o partido quer manter a aliança da chamada “antiga oposição” (DEM, PSDB, PSB e PPS), que venceu nas eleições para a presidência da Câmara o candidato Rogério Rosso (PSD-DF), do chamado centrão, grupo formado por partidos nanicos que cresceu sob a bênção do deputado afastado Eduardo Cunha. “O resultado deixou claro que os partidos tomaram consciência do quão perigoso é o centrão, uma massa amorfa na Casa que vive de conchavos e acordos espúrios”, avalia o cientista político Roberto Romano. Para membros da legenda, a vitória teve ainda um sabor especial: se deu sobre um candidato do PSD, partido cuja criação quase sepultou definitivamente o DEM. “Isso não deixa de ser uma ironia da história”, diz Caiado.
Câmara – Ainda que os discursos inflamados contra o PT tenham ajudado a notabilizar a sigla, o novo presidente da Câmara assume com um perfil menos beligerante do que colegas como Caiado e Onyx – chegou a negociar com petistas apoio a sua candidatura. Em discurso na tribuna da Casa para pedir votos, Maia lembrou emocionado das falas que, aos 16 anos, ouviu da Assembleia Constituinte, citando desde o petista José Genoino, condenado no mensalão, ao tucano José Serra, hoje ministro das Relações Exteriores. Eleito, fez questão de agradecer todos os apoios, pregou a “pacificação” e disse que vai governar “com simplicidade”.
Apesar de eleito para um mandato-tampão, Maia ficará à frente da Casa em um período crucial para o governo Temer, que tem urgência em implementar e ver aprovadas no Congresso medidas de seu governo interino. Não à toa o Planalto, ainda que nos bastidores, trabalhou por sua candidatura. “Quem está no governo deve buscar mais resultados”, diz o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), presidente da Fundação Liberdade e Cidadania. É o DEM de volta ao jogo.
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