Mais uma vez Dilma mentiu sobre encontros com Odebrecht
Em entrevista à Folha, Dilma Rousseff foi inquirida sobre a quantidade de encontros que manteve com Marcelo Odebrecht, presidente da maior construtora do país, preso em Curitiba desde 19 de junho de 2015. “Eu não recebi nunca o Marcelo no [Palácio da] Alvorada”, afirmou Dilma. “No Planalto, eu não me lembro.” Essa resposta não é verdadeira.
De acordo com os arquivos eletrônicos do Planalto, consultados pelo blog, Dilma recepcionou o mandachuva da Odebrecht pelo menos quatro vezes desde que virou presidente, duas das quais no Palácio da Alvorada —ambas em 2014, ano da campanha à reeleição.
Num desses encontros que Dilma afirma que “nunca” ocorreram no palácio residencial, o empreiteiro chegou em tempo para servir-se do almoço, às 11h30 do dia 26 de março de 2014 (clique sobre a imagem abaixo para ampliá-la). Noutro encontro, Odebrecht foi recebido pela inquilina do Alvorada às 9h30 do dia 25 de julho de 2014.
As duas audiências concedidas por Dilma no Palácio do Planalto, seu local de trabalho, ocorreram em 2013. Uma no início do ano, em 10 de janeiro. Outra no segundo semestre, em 10 de outubro.
Dona de uma memória que seus auxiliares consideram prodigiosa, Dilma apagou os encontros com Marcelo Odebrecht da lembrança num instante em que suas relações com o empreiteiro estão crivadas de suspeitas. Nos últimos dias, vieram à luz gravações que tonificam a suspeição. Foram feitas pelo mais novo delator da Lava Jato, o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado.
Em conversa com José Sarney, gravada no último mês de março, Machado evocou a prisão do marqueteiro das campanhas petistas João Santana, ordenada por Sérgio Moro, juiz da Lava Jato, no mês anterior.
— A Dilma não tem condições. Você vê, presidente, nesse caso do marqueteiro, ela não teve um gesto de solidariedade com o cara. Ela não tem solidariedade com ninguém não, presidente, disse Machado.
— E nesse caso, ao que eu sei, é o único que ela tá envolvida diretamente. E ela foi quem falou com o pessoal da Odebrecht para dar, acompanhar e responsabilizar pelo Santana, respondeu Sarney.
No momento, a Odebrecht negocia com a força-tarefa da Lava Jato um acordo para que seus executivos se tornem delatores em troca de benefícios judiciais. Na definição de Sarney, captada pelo autogrampo de Machado, a “Odebrecht vem com uma metralhadora ponto 100.”
Também gravado, Renan Calheiros, presidente do Senado e padrinho da nomeação de Sérgio Machado para a Transpetro, ecoou Sarney numa referência à caixa registradora da campanha de Dilma à reeleição. Renan disse que Odebrecht “vai mostrar as contas” em sua delação. E Machado: “Não escapa ninguém de nenhum partido. Do Congresso, se sobrar cinco ou seis, é muito. Governador, nenhum.”
“Eu jamais tive conversa com o Marcelo Odebrecht sobre isso”, disse Dilma ao ser instada a se manifestar na entrevista à Folha sobre os rumores de que o empreiteiro a acusará de pedir dinheiro para pagar o marketing da campanha de 2014. “Eu paguei R$ 70 milhões para o João Santana [em 2014], tudo declarado para o TSE. Onde é que está o caixa dois?”, perguntou Dilma.
A Polícia Federal e a Procuradoria da República trabalham para responder à indagação de Dilma. Em verdade, já reuniram um bom lote de evidências que indicam que a verba que fluiu da Odebrecht para Santana por baixo da mesa encontra-se no estrangeiro.
Antes mesmo da prisão de João Santana e da mulher dele, Mônica Moura, a PF havia recolhido no celular de Marcelo Odebrecht uma pérola com formato de ameaça. Em mensagem endereçada a um executivo de sua empreiteira, Odebrecht anotou: “Dizer do risco cta [conta] suíça chegar na campanha dela.”
O “risco” insinuado no texto de Odebrecht é óbvio: parte dos serviços de marketing prestados à campanha de Dilma foi liquidada com dinheiro roubado da Petrobras. E a verba de má origem foi enviada ilegalmente para fora do país.
Nesse contexto, João Santana arde na fogueira da Lava Jato em posição análoga à de João Vaccari Neto, o ex-tesoureiro petista. Ambos receberam verbas surrupiadas da Petrobras por conta dos vínculos com o PT. O que fazia Santana para o partido? Campanhas eleitorais, entre elas a campanha que resultou na reeleição e Dilma.
Os investigadores manuseiam farta documentação. Em meio aos papéis, há uma carta de Mônica Moura, a mulher de João Santana, que também está presa. Foi endereçada a Zwi Skornicki, apontado como operador de petropropinas. Na carta, a mulher de Santana indica duas contas bancárias. Uma aberta em Nova York. Outra, em Londres.
A Polícia Federal informa que essas duas contas estão associadas a uma terceira, aberta na Suíça. Junto com as contas, Mônica enviou cópia de um contrato celebrado anteriormente com offshore vinculada à Odebrecht. Deveria ser usado como modelo para as remessas do operador Zwi.
Guiando-se pelos indícios, a turma da Lava Jato identificou repasses milionários ao casal da marquetagem. Com a ajuda da Receita Federal, farejou-se até a aquisição por João Santana de um apartamento de luxo em São Paulo com verba entesourada no exterior. Sérgio Moro já determinou o bloqueio do imóvel. Servirá para ressarcir o Estado em caso de eventual condenação.
Não é só: de acordo com o delator e senador cassado Delcídio Amaral (ex-PT-MS), Dilma nomeou um ministro para o STJ, Marcelo Navarro, com o compromisso de ele votar a favor da concessão de liberdade para Marcelo Odebrecht, cuja prisão fará aniversário de um ano neste mês de junho. Navarro chegou a votar a favor da concessão de um habeas corpus a Odebrecht. Mas foi voto vencido no STJ.
“É absurda a questão do Navarro”, disse Dilma à Folha, reiterando a contestação à deduragem de Delcídio. “Eu não tenho nenhum ato de corrupção na minha vida.”
Graças ao depoimento de Delcício, o procurador-geral da Repúbica Rodrigo Janot requisitou no STF a abertura de um inquérito para apurar se Dilma tentou obstruir a Justiça, o que é considerado um crime. É contra esse pano de fundo tóxico que Dilma tem dificuldades para lembrar dos encontros que propiciou em Brasília ao principal empreiteiro do país.
Folha