Além de AL, 4 estados e DF avaliam lei sobre ‘doutrinação’ em sala de aula

protesto-escola-livre-3Ao menos três projetos de lei na Câmara dos Deputados e outros sete em quatro estados (SP, RJ, GO e RS) e no Distrito Federal buscam nova regulamentação da atuação dos professores dentro de sala de aula. As propostas são contra o que seus autores chamam de “doutrinação ou assédio ideológico” e buscam a “neutralidade” dos docentes diante de questões políticas, ideológicas e religiosas.

Em Alagoas, na terça-feira (26), os deputados derrubaram veto do governador ao “Projeto Escola Livre”, que agora transformará a necessidade de “neutralidade” em lei. A decisão gerou polêmica e deve parar na Justiça, colocando políticos, religiosos, sindicalistas, professores e estudantes em lados opostos. Em outros dois estados (ES e PR), projetos de lei semelhantes foram arquivados.

Sem Partido
A maioria dos projetos apresentados pelos deputados faz coro aos ideais da “Associação Escola Sem Partido”, grupo liderado pelo advogado Miguel Nagib e que se apresenta como movimento de pais e estudantes. Uma de suas iniciativas é a divulgação de anteprojetos de lei estadual e municipal que buscam legislar sobre o que é ou não permitido ao professor debater dentro de sala de aula.

O grupo toma como base jurídica pontos da Constituição e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos para defender as limitações à atividade docente. “Em sala de aula, o professor não desfruta de liberdade de expressão. O que a Constituição lhe garante é a liberdade de ensinar”, afirma Nagib.

Nagib rebate as críticas de que o objetivo é censurar professores, já que defende que a busca é por garantir que todos os lados nas questões abordadas sejam apresentados. “Devemos aproveitar que os alunos estão ali, à nossa disposição, sem poder sair da sala, (…) para ‘fagocitá-los’ ideologicamente, para que abracem as nossas causas e votem nos nossos candidatos; ou devemos fazer o possível para respeitar sua liberdade de consciência e de crença, e auxiliá-los de forma desinteressada (ou tão desinteressada quanto possível) na busca do conhecimento?”, questiona.

O advogado afirma que o principal objetivo do movimento é garantir a afixação em salas de aula de uma lista com os “deveres do professor”. Entretanto, além da lista, o anteprojeto traz, entre outros pontos, artigo que leva as aplicações das limitações da lei para planos educacionais, livros e avaliações de ingresso no ensino superior.

Recentemente a associação entrou com representação contra o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), por cobrar uma proposta de redação que respeite os direitos humanos. O grupo alega que “o participante poderá ser privado de um direito por expressar determinada opinião”. O Ministério Público Federal decidiu pelo arquivamento, justificando que as queixas não deveriam ser objeto de análise na procuradoria do Núcleo de Combate à Corrupção.

Defesa da tramitação
Responsável por apresentar o Projeto de Lei 867/2015, o deputado federal Izalci (PSDB/DF) endossa as críticas da associação. “Alguns materiais divulgados pelo governo que deixam dúvida – alguns falando até de questões partidárias”, aponta o deputado. “Defendo que não possa existir nenhum partido, nem o meu, que utilize educação como instrumento partidário na questão ideológica”, disse.

Em seu projeto de lei, Izalci utilizou a base do anteprojeto do Escola sem Partido, que inclusive dá nome ao PL. Ele explica que vai trabalhar para que uma eventual lei não aponte punições além das previstas nas relações trabalhistas. “Tenho conversado muito com o relator para tentar amenizar isso para não ficar tão radical. Apesar de ter anexado o projeto prevendo punição civil e criminal, acho que isso não vai ser contemplado”, avalia Izalci.

O deputado lembra ainda outro ponto que é comum aos anteprojetos e a sua proposta: obrigar que escolas confessionais, ligadas a grupos católicos ou protestantes, por exemplo, informem suas linhas pedagógicas e façam os pais assinar um termo de anuência com a linha que pedagógica que será adotada. “O projeto foi todo construído em cima de leis existentes, como preceitos constitucionais e Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)”, defende o tucano.

Por sua vez, o deputado federal Alex Canziani (PTB-PR), presidente da frente parlamentar mista da educação, diz que as preocupações relacionadas ao tema dispensam uma legislação específica.

“Tem de haver equilíbrio [dos professores, no momento de ensinar], mas nós somos plurais. Não dá para ficar engessado com uma lei, tem de haver a ‘lei do bom senso’, com a orientação da secretaria da escola e vigilância de pais e professores”, resume Canziani.

Professores e especialistas criticam mordaça
Entidades de classe, professores e especialistas criticam a visão de educação defendida pelos autores de projetos de lei. Um dos efeitos temidos é que professores deixem de promover o debate, inclusive por receio de serem perseguidos e punidos.

O professor doutor Fernando de Araújo Penna, da Faculdade de Educação da UFF, diz que as iniciativas defendem o conceito de que a educação em si só deve ser oferecida pela família e pela religião.

“Eles querem professores que instruam. É uma limitação da escola como espaço de debate”, afirma Penna, citando que um dos livros de referência da associação defende que professor não é “educador”. “Essa concepção está ultrapassada há muito tempo, não é transmissão de conhecimento, é construção, é diálogo. (…) O Brasil vive uma caça às bruxas nas escolas”, diz Fernando.

Para Anna Helena Altenfelder, superintende do Centro de Estudos e Pesquisas de Educação (Cenpec), o cenário é de preocupação com o movimento e, principalmente, os projetos inspirados em sua ideologia. “Vejo como uma ameaça à liberdade de expressão e as ideias podem significar um retrocesso em relação às garantias dos direitos constitucionais.”

A especialista lembra que os pais devem acompanhar a vida escolar dos filhos e têm direito de questionar os encaminhamentos caso discordem por meio de espaços próprios, como os conselhos escolares.

“Existe um pluralismo de ideias, não dá para pregar a hegemonia. Entender diferentes posições políticas faz parte do processo educativo. O silêncio sobre determinados temas também é um posicionamento”, diz Anna.

Ela não vê problemas em um professor se posicionar politicamente em sala de aula, desde que abra um debate, faças as ideias circularem e desenvolva o raciocínio dos alunos. “É benéfico para o processo de aprendizado, além disso a família deve acompanhar e discutir”, diz Anna.

A especialista em educação e colunista do G1Andrea Ramal, reconhece a legitimidade do movimento, mas também discorda da criação de leis específicas. Ela diz que qualquer professor com ética profissional, “não se aproveita da audiência cativa dos alunos para promover seus próprios interesses”, conforme alerta a lei aprovada em Alagoas e também citam os anteprojetos da associação.

“E se ele, ao contrário, abusa da falta de conhecimento ou da imaturidade dos alunos para ‘fazer a sua cabeça’, ou prejudica os alunos por causa das suas convicções, está desvirtuando o processo educacional, que deve incentivar a autonomia intelectual, a reflexão crítica e a capacidade de fazer suas próprias escolhas”, afirma.

Andrea acredita que quando um professor age sem ética cabe aos coordenadores da escola cuidar do assunto, enquanto pais e estudantes devem ficar atentos para alertá-los sobre eventuais abusos. “Não é necessário criar uma lei com esse fim. Creio que o que falta é uma melhor capacitação dos professores e uma conscientização, desde a formação inicial, sobre o espaço da sala de aula”, afirma.

PROJETOS DE LEI EM ANDAMENTO

Brasil – Câmara dos Deputados
PL 867/2015 – Izalci (PSDB/DF)
PL 7180/2014 – Erivelton Santana (PSC/BA)
PL 1411/2015 – Rogério Marinho (PSDB/RN)

Estados – Assembleias legislativas
Distrito Federal – PL 53/2015 e PL nº 1/2015
São Paulo – PL 1301/2015 e PL 960/2014
Rio de Janeiro – PL 823/2015
Goiás – PL 2861/14
Rio Grande do Sul – PL 190/2015

G1

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