Sertaneja, fisioterapeuta do Sete supera preconceitos no futebol de AL
Um exemplo de persistência a ser seguido por outras mulheres que queiram seguir a vida profissional no futebol. É exatamente desse jeito que a fisioterapeuta Vanessa Machado, do Sete de Setembro, time que disputa a Segunda Divisão do Campeonato Alagoano, se define. Trabalhando no esporte predominantemente masculino há um ano e meio, a jovem falou com o GloboEsporte.com após a partida do Canarinho, diante do Sport Atalaia, no último sábado, e contou detalhes da carreira, marcada por preconceitos e conquistas.
Natural de Olho d’Agua das Flores, Sertão alagoano, ela revelou que a desconfiança partiu até mesmo de dentro da família e disse como foi buscar o primeiro emprego lá mesmo na cidade sertaneja.
– Na verdade, eu não esperava atuar no futebol. Eu precisava trabalhar, tinha acabado de me formar em fisioterapia e já tinha batido em todas as portas. Só não havia batido no esporte, porque eu nunca me interessei. Daí, lá em Olho d’Agua das Flores, cidade onde nasci, o clube [CEO] ficou sem fisioterapeuta – disse Vanessa, acrescentando que mesmo assim passou por um constrangimento e que não foi nada fácil conseguir a primeira oportunidade.
– Mas antes de ficar sem fisioterapeuta, eu fui lá saber com um dirigente se eles estavam precisando de um profissional da área e ele me disse: “Não, não dá certo porque você mulher, aqui só tem homem”. Então, eu indaguei: “Mas como eu não posso trabalhar só porque sou mulher? Se for assim, vamos tirar a presidente do país porque ela também é mulher. Hoje mulher faz tudo. Não quer dizer que porque eu vou entrar num lugar que só tem homem eu vou me prostituir. Sou uma profissional”. Mas tudo bem. Fui embora – disse.
Após a situação constrangedora, Vanessa já não esperava mais a oportunidade de mostrar serviço no clube da cidade natal quando foi pega de surpresa pelo mesmo dirigente que havia lhe fechado as portas.
– Depois de 15 dias, o clube ficou sem fisioterapeuta e o cara teve que bater na minha porta. Eu prontamente disse: “Estou indo”. E fui até com mais gosto pra ver se mostrava que as coisas não funcionam assim. Fui justamente no dia do meu aniversário. Então, fiz a Primeira Divisão do ano passado e depois entrei no Sete de Setembro, na Segunda Divisão. Depois fiz a Primeira desse ano novamente e estou aqui no Sete agora.
A fisioterapeuta não esconde o preconceito existente por parte de torcedores, mas afirma que a prática não vem apenas das arquibancadas. Dedicada ao trabalho, ela afirma que tudo isso serve de estímulo para desempenhar cada vez melhor a sua função.
– Existe ainda um preconceito muito grande da torcida, porque isso ainda é coisa costumeira no futebol. Eu até relevo, e isso me fortalece. Agora já passei por situações de preconceito com dirigentes e até mesmo com um técnico. Mas cada vez eu mostro mais o meu trabalho e chego a pensar que isso não é preconceito. É mais pelo fato de que, como mulher, eu adquiri uma autoridade que nem mesmo eles têm. Por causa disso, eu já incomodei a muitos homens – assegura a determinada profissional.
Mas nem tudo é negativo, assegura. Se por um lado o preconceito é muito grande por parte de quem não participa diretamente do trabalho, por outro, ela diz que o carinho dos atletas é significativo.
– Eu até me impressiono porque todos os atletas que eu já atendi me respeitam demais. Alguns até me chamam de senhora, tem um certo cuidado como se eu fosse irmã deles, principalmente diante da torcida, e me estimulam, afirmando que acreditam em mim.
Vindo de uma família machista, pelas tradições sertanejas, Vanessa afirmou que no começo nem todos os familiares apoiaram a decisão de trabalhar numa área de âmbito masculino.
– Na minha casa [perante aos pais], eu sempre tive apoio. Agora do resto da família, eu fui tendo aos poucos. Como eu vim do Sertão, existe muito aquele machismo. Alguns familiares até se preocuparam se poderia existir alguma espécie de ousadia por parte dos atletas. Mas hoje é bem diferente e eu sou motivo de orgulho pra eles – garantiu.
Fazendo uma avaliação do mercado do trabalho, a fisioterapeuta falou que, mesmo estando no século XXI, muita coisa ainda precisa mudar na filosofia dos clubes e revelou que chegou a ser expulsa do vestiário por um treinador.
– [O mercado] É muito difícil. Tem clubes que não querem de jeito nenhum, por preconceito mesmo. Eu já vivi uma situação onde um treinador chegou a pedir que eu me retirasse do vestiário. Ele disse assim: “Se você já trabalhou com quem te aceita, eu não aceito”. E eu respondi pra ele: “Você vai ter que me engolir, porque eu só vou sair daqui quando eu terminar o meu trabalho”. Nesse dia eu trabalhei com todo gás mesmo, mostrei a ele qual é o sistema e depois ele veio me pedir desculpa. Hoje ele me respeita (risos).
Por fim, Vanessa Machado deixou um conselho para outras mulheres que pensam em ingressar no esporte e revelou que, além de desempenhar a sua função da melhor maneira, ela também pensa em servir de exemplo e fazer com que outras portas sejam abertas para as mulheres.
– Como eu sou a primeira mulher aqui em Alagoas a trabalhar no futebol, eu tento fazer o meu trabalho de forma que possa abrir portas para outras mulheres também. Eu digo que elas precisam ter muita postura, muita ética, comando verbal. Até porque trabalhamos com homem e é preciso saber lidar. Se tiver isso, você entra em qualquer lugar, comanda até um batalhão – finalizou.
Fonte: Globo Esporte