Azar no amor, sorte no jogo.

A quantidade de pessoas que procuram consultórios de psicologia devido a decepções amorosas sempre foi expressiva. Quando não são queixas principais, elas estão camufladas em outros problemas comportamentais, muitas vezes presente no que chamamos de transtornos. O problema torna-se ainda mais amplo quando incluímos relacionamentos conjugais que culminam em superação, crises de ciúme, dificuldades de aceitar a perda, incerteza quanto ao futuro, traição, desgaste emocional e sensação de ‘desamor’ na relação. À essas situações chamamos de “contingências aversivas”, ou seja, nada mais são que condições ambientais fora do controle do indivíduo e que deixa o organismo numa condição de desconforto. Estamos em “contingências aversivas”, por exemplo quando estamos prestes a ser avaliado numa prova de vestibular; ou então quando nosso carro fica sem combustível justo em um local sem posto de gasolina por perto. Situações como estas levam às pessoas a refletirem sobre dois adjetivos bastante utilizado na comunidade verbal: azarento e sortudo. Neste texto, analisaremos o ‘azar’ não como algo que a pessoa possua, mas como um conjunto de comportamentos que podem ser categorizados como inábeis para a obtenção de ganhos na relação (consequência reforçadora).

Definir o amor não é tarefa fácil, pois envolve uma ampla variedade de comportamentos que podem ser avaliados minuciosamente levando em consideração a história da espécie, incluindo uma inclinação ao ato sexual, a história individual de cada um, considerando as condições pelas quais cada pessoa passou e a história da cultura, incluindo costumes e formas de relacionar de um povo. Esses três princípios sustentam a ciência da análise do comportamento e, como citado por Skinner , os gregos já os utilizavam nomeando-os de Eros, Philia e Ágape. Dessa forma, o amor nada mais é do que um conjunto de comportamentos que são emitidos em prol da satisfação das necessidades de uma pessoa. Essas “necessidades” incluem proteção, status, companhia, reconhecimento, cuidado, valorização, gratidão, entre tantos outros substantivos, os quais fazem parte do que nomeamos de “contingências reforçadoras”, ou seja, tudo aquilo que causa sensação de prazer ao indivíduo. Outro exemplo de contingências reforçadoras é quando tiramos nota máxima na prova que temíamos não ser bem sucedido; ou até mesmo quando somos agraciados com um bom cargo na empresa em que trabalhamos. Este tipo de reforçamento é positivo, no sentido de algo ser acrescentado no nosso ambiente para aumentar a probabilidade de em condições semelhantes emitirmos os mesmos comportamentos, uma vez que deram certo. Dessa forma, “o que é o amor se não outro nome para reforçamento positivo? ” (Skinner, 1948, p. 282).

Relacionar-se com as pessoas envolve a união de repertórios comportamentais diferentes. São diferentes formas de interpretar o mundo, de conceber as relações, de lidar com frustrações, de pensamento, de investimento, de sofrimento, diferentes formas de tratamento, de prioridades, de comportamento, etc. A história pessoal de cada um é algo muito particular, de modo que as pessoas são o resultado de todas as condições de vida as quais ficaram expostas. É inviável querer que a outra pessoa pense e aja da mesma forma que você, mesmo estando sob as mesmas condições ambientais. Quando se ama, geralmente se está sob controle de estimulações relacionadas às qualidades do outro e costuma-se omitir os estímulos relacionados aos defeitos. O que geralmente acaba nos levando a uma decepção muito maior a longo prazo. Em vista disso, geralmente as pessoas acabam se frustrando quando percebem que aquilo que idealizou no outro, na verdade não passou de idealização. Embebidos numa concepção errada de amor, vivem em busca de parceiros perfeitos, encarando o amor como algo mágico e que já vem pronto. Não se pode referenciar a perfeição como condição para vivência de um grande amor, mas sim entender que amor é construção e que semelhante a uma planta, se não for regado não sobreviverá. À concepção de construção, cabe não apenas ao relacionamento amoroso mas a qualquer relação entre duas pessoas.

A inabilidade amorosa começa muito antes da convivência, ela é expressa antes mesmo da escolha do(a) parceiro(a). Antes de pensar em investir numa relação, pense primeiro se você está preparado(a) para tal. Esta preparação está relacionada a nossa disponibilidade para aceitar o outro, diferente de nós; a disponibilidade para promover um ambiente propício ao fortalecimento do vínculo, ou até mesmo a disponibilidade para superar as frustrações pertinentes a qualquer relação, como os momentos em que o outro vai mostrar suas fraquezas, preocupações, angustias, tristezas, tudo aquilo que você não gostaria de passar. Essa preparação pessoal envolve também o que nós temos para oferecer ao outro, pois as “contingências de reforçamento” devem ser aplicadas ao casal. Não é apenas o comportamento do outro que é importante para investimento numa relação, mas o nosso próprio comportamento. Isso inclui as pessoas que você conversa, os ambientes que você frequenta, até mesmo a sua “iniciativa” para buscar melhorar. Algo bastante comum é vermos pessoas que só esperam que os outros se aproximem delas e muitas vezes quando isso acontece, há um bloqueio de qualquer assunto que envolva relacionamento, decorrente de uma história de decepção que inclui não apenas a história pessoal, mas o acesso a informações de decepções de amigos(as). Gérson Alves da Silva Junior, grande referência da Psicologia Alagoana, produziu um texto cujo título “Os deuses são intocáveis” (2014), falava dessa ânsia em sermos agraciados e fazermos pouco esforço para agraciar o outro. Iara era a personagem do texto que seduzia os homens até certo limite e bloqueava qualquer envolvimento com ela.

Cada pessoa tem um perfil comportamental que aproxima ou afasta os outros de seu convívio, a este perfil denominamos de “repertório comportamental”, outras pessoas o entenderão como personalidade. De modo geral, são comportamentos emitidos pelas pessoas e caracterizam seu modo particular de viver. “Eu gosto do jeito dele(a)” é uma frase comum que considera a pessoa em sua totalidade. O “jeito” de uma pessoa pode ser identificado na forma que se veste, na gesticulação, na maneira de conversar, na forma de pensar, condições físicas e emocionais e de acordo com a história pessoal de cada um, alguns perfis são eleitos como padrões para relacionamento amoroso. Ou seja, mesmo que o indivíduo se decepcione com alguém e busque outra pessoa, normalmente o perfil da outra pessoa é semelhante ao perfil do(a) outro(a) que não deu certo, ou seja, as pessoas sempre buscarão os mesmos perfis para se relacionar. Isso é tão verdade que normalmente ouvimos a seguinte frase: “fulana só gosta de homem que não presta”. As decepções com determinados perfis nos levam a considerar um erro na escolha de parceiros(as) e em análise do comportamento, denominamos de “erro discriminativo”, toda resposta emitida frente a um estímulo disfuncional. O problema não é gostar de determinados perfis, o problema é esperar que o relacionamento seja de uma forma, quando na verdade ele se faz de outra.

As pesquisas levantadas sobre a escolha dos parceiros para relacionamento, geralmente resultam em certas características universais que mais aproximam os perfis. O psicólogo David Buss (2000) realizou uma pesquisa em 37 culturas para verificar as características mais relevantes na escolha do parceiro e os dados por ele coletados por meio de entrevista revelam que os homens preferem as mulheres jovens e as mulheres preferem homens mais velhos. À luz da biologia, “mulheres mais jovens liberam óvulos mais novos, têm um endométrio mais saudável, e consequentemente conseguem engravidar e ter menos risco de aborto natural (Thales Coutinho, 2009)”. Isso significa dizer que mulheres mais jovens representam fertilidade, característica importante quando automaticamente elas despertam mais curiosidade dos homens. Em relação aos homens, os mais velhos “não apresentam espermatozoides tão piores, em comparação com os mais jovens, e são geralmente mais bem sucedidos economicamente, dispondo de maiores recursos para cuidar da saúde da esposa grávida (Thales Coutinho, 2009)”, ou seja mulheres estão em busca de segurança e proteção por parte dos parceiros. Mas esses são dados evolucionistas e embora temos muito deles em nós, nossa história de vida também vai influenciar muito na escolha de nossos(as) parceiros(as).

Uma vez escolhido(a) o(a) parceiro(a), a convivência aos poucos vai permitir a emissão de comportamentos próprios do repertório do sujeito, os quais na maioria das vezes eram ‘desconhecidos’. Vale lembrar que, nos primeiros encontros, automaticamente os sujeitos já emitem determinados comportamentos que podem nos deixar atentos para possíveis compromissos futuros. Com isso quero dizer que, por exemplo ninguém se torna agressivo depois do compromisso, sem antes ter emitido algum comportamento que indicava inclinação para este padrão. Algumas pessoas são agressivas verbalmente e isso indica uma sensibilidade para a agressão física também. A forma como as pessoas se comportam diz muito sobre ela. Continuar ou não com o parceiro mesmo em meio a “decepção” é uma escolha da pessoa e isso está relacionado às “contingências de reforçamento” que o sujeito está envolvido, as quais falei no início do texto.

A convivência permite também a “modelagem” das pessoas a medida em que é possível consequenciar comportamentos assertivos dos indivíduos com algo benéfico para elas. Por exemplo, se Joana quer que o marido seja mais romântico, ela irá consequenciá-lo com beijos a afagos sempre que ele mostrar romantismo para com ela e isso pode ser percebido desde o “bom dia” pela manhã. Por outro lado, se na emissão destes comportamentos o parceiro não tem ganhos, a tendência natural é deixar de emiti-los, pois “nenhum comportamento se mantém, se não for reforçado”. Relacionamento amoroso deve ser algo em que ambas as partes são recíprocas, no sentido de favorecer meios para ser “querido” pelo outro e a isso cabe uma reflexão: “O que estamos fazendo para o outro gostar ainda mais de mim?”. Esse ponto do texto requer bastante cuidado pois estamos falando de favorecer um ambiente reforçador para o casal e não apenas para o(a) parceiro(a), não é apenas o outro que deve ser favorecido, mas ambos. À medida em que se percebe que não está havendo reciprocidade, está na hora de rever se vale a pena continuar apostando na relação.

Então, “azar” não pode ser entendido como algo interno, mas como uma inabilidade do sujeito nos comportamentos ligados ao amor. O problema muitas vezes não está nos outros, mas em você. Decepções amorosas são pertinentes ao ser humano e servem como lição para modificarmos a maneira como estamos nos relacionamento com as pessoas. Se queremos um ambiente em que haja reciprocidade e cumplicidade amorosa, precisamos promover este ambiente e isso envolve um esforço, um gasto energético. Precisamos desenvolver uma habilidade apropriada para cada relacionamento e não continuarmos mantendo os mesmos padrões de comportamento com pessoas diferentes. Uns se aproximarão, outros se afastarão. Amor, requer conquista e as pessoas precisam estar preparadas para conquistar ao invés de ser conquistadas. Manter uma relação requer reparos constantes para não promovermos contingências aversivas no ambiente do casal. Busque um psicólogo analista do comportamento para avaliar sua relação!

Diego Marcos Vieira da Silva

Graduando em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas

 

Referências:

Alves, Gerson. Os deuses são intocáveis. 2014

Coutinho, Thales. O que faz o ciúme? Explicações evolucionistas e neurobiológicas para este fenômeno. 2009. Disponível em: < http://blog.sbnec.org.br/2009/05/o-que-faz-o-ciume-explicacoes-evolucionistas-e-neurobiologicas-para-este-fenomeno/>

 Skinner, B.F. (2003). Ciência e comportamento humano. Tradução organizada por J.C.Todorov & Azzi 11ª edição. São Paulo: Martins Fontes Editora. (trabalho original publicado em 1953).

Skinner, B.R. (1989/2005). Questões recentes na análise comportamental. São Paulo: Papirus.

Sidman, Murray. Coerção e suas implicações. (R. Azzi; Andery, M.A., trads) Campinas: Editorial Psy. (Originalmente publicado em 1989).

8 comentários sobre “Azar no amor, sorte no jogo.

  1. Ótimo texto! Traz colocações muito relevantes sobre algumas dificuldades que as pessoas enfrentam no seu dia a dia. Infelizmente não somos treinados a ter esse olhar e, por isso, acabamos por colocar a culpa no azar rsrs.. Que bom que de vez em quando encontramos textos assim, um tapinha de realidade é importante rsrs. Parabéns, excelente discussão!

  2. Parabéns Diego!
    É admirável a clareza com que tratas de assuntos do cotidiano, com base nos pressupostos da análise do comportamento. Já estou a espera de sua próxima obra prima!!

  3. “Precisamos desenvolver uma habilidade apropriada para cada relacionamento e não continuarmos mantendo os mesmos padrões de comportamento com pessoas diferentes.” Essa é a chave para o sucesso do relacionamento!! Ótima discussão, Diego!!
    Parabéns!!! Ou pensamos nisso ou pensamos num defeito para o outro, para assim justificarmos o fim de cada relacionamento.

  4. O texto é muito relevante e sinaliza como melhor compreender os problemas conjugais de um modo bem didático e prático. Gostei muito, Diego. (:

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