Filha que viu aos 4 anos mãe ser assassinada busca condenação do pai em AL

 

Mylena Palmeira tinha apenas 4 anos de idade quando presenciou o momento mais traumático de sua vida: a mãe, de 28 anos, sendo assassinada a facadas pelo ex-marido, dentro de casa, em Passo de Camaragibe, região Norte de Alagoas. Ela viveu toda a infância diante da ausência da genitora, passou por toda a adolescência, chegou à fase adulta, e hoje, aos 26 anos, ainda busca a condenação do próprio pai pelo crime.

Essa história começou em 2003, há 21 anos. Era por volta das 12h30, uma tarde de domingo, 16 de fevereiro daquele ano, quando José Olímpio da Silva chegou à residência de Jane Palmeira de Lima e iniciou uma discussão com ela na frente da mãe de Jane e da filha do casal, Mylena Palmeira.

A briga foi gerada pelos ciúmes de Olímpio, que, à época, com 46 anos, não aceitava o fim do relacionamento. Os dois estavam juntos havia quatro anos e geraram duas filhas, Mylena e mais uma irmã, mas já estavam separados havia cinco meses, porque a mulher não queria mais manter a relação. Jane também já tinha uma terceira filha de um casamento anterior.

Segundo os depoimentos de familiares ao Ministério Público, a vítima chegou a reclamar por duas vezes que ele a agrediu, sendo uma delas por causa de R$ 10,00. A mãe de Jane disse que Olímpio, na casa da sogra, não era violento, mas era muito ciumento. Já outra amiga disse à polícia que Jane tinha medo do ex-companheiro, de que ele a matasse ou fizesse algum tipo de violência com as filhas dela.

Naquele dia 16 de fevereiro, como consta nos autos do processo, Jane, já separada de Olímpio, pegou uma carona com o primeiro ex-marido e uma ex-cunhada, para ir ao supermercado. A mulher que acompanhou Jane ao mercado ainda relatou no processo que, ao saírem, elas avistaram Olímpio e chegaram a mudar de rota para não cruzar com ele, mas o réu viu. Na volta, já perto da casa de Jane, Olímpio começou a discutir com ela, acompanhando a mulher até o cômodo da área, que fica no início do imóvel.

Ainda na área externa do imóvel, a discussão ficou mais acalorada, momento em que Olímpio dizia que Jane não ficaria com ele e com ninguém e que queria conversar com Jane a sós, dentro de casa, mas a vítima recusou e continuou na parte de fora da residência.

Sem se importar com a presença da própria filha de quatro anos e da avó materna dela, Olímpio puxou uma faca peixeira e golpeou Jane Palmeira no abdômen, encostando-a na parede. A mãe da vítima, que chegava no momento da discussão, ao presenciar a filha caindo ao chão, ainda tentou impedir. Neste momento, Mylena – ainda criança – também tentava puxar o pai para ele cessar as agressões, que não paravam. A violência só teve fim quando um parente, que estava dentro do imóvel, arremessou uma cadeira contra as costas de Olímpio, momento em que a mãe de Jane tomou a faca dele e a jogou em um terreno baldio.

Jane ainda tentava se levantar, mas não conseguia. Ela foi levada ao hospital por vizinhos que perceberam toda a movimentação, mas não resistiu aos ferimentos e morreu na unidade de saúde. Olímpio saiu caminhando em direção ao carro e conseguiu fugir. A partir desse momento, começou a saga da polícia e da família para encontrá-lo.

Todas essas informações são de testemunhas oculares e constam no inquérito policial e na denúncia ofertada pelo Ministério Público Estadual (MPE).

“Eu lembro de tudo, foi na minha frente, na frente da minha avó e na frente do público”, diz Mylena que, apesar de à época ser bem nova, afirma se recordar das palavras que proferia no momento em que a mãe era esfaqueada. “Pedia para ele parar de fazer aquilo com a minha mãe”, relatou ela à Gazetaweb. E, passadas duas décadas, a jovem admite que a situação ainda continua muito difícil. “Porque depois de tanto tempo que ele estava solto, foi preso agora, e a gente só quer justiça”, cobrou ela.

Jane foi esfaqueada por mais de 10 vezes. Ao longo das investigações, diversas pessoas foram ouvidas pela polícia, como vizinhos, familiares e a mãe de Jane, que presenciou o crime. Ao longo dos levantamentos policiais, ficou constatado que a vítima já estava sendo ameaçada por Olímpio, mas resistia às ameaças e se recusava a reatar a relação

PROCESSO JUDICIAL

Foragido, a Justiça de Alagoas decretou a prisão preventiva de Olímpio, mas se passaram duas décadas sem que as buscas por ele tivessem obtido êxito. A primeira audiência de instrução foi realizada somente em 2014, 11 anos depois da morte de Jane. A sessão aconteceu sem a presença do acusado, que ainda não tinha sido encontrado.

O período em que ele esteve foragido foi tão longo, que a Justiça chegou a suspender o processo e a renovar os mandados de prisão por várias vezes: em 2010, em 2018 e 2019 foram algumas delas.

Olímpio foi preso somente no dia 16 de outubro de 2023, exatos 20 anos após o assassinato de Jane Palmeira, e quando ele já tinha 66 anos. A prisão ocorreu na cidade de São Benedito do Sul, em Pernambuco. Naquele mesmo mês, a Justiça retirou a suspensão do processo para que os procedimentos judiciais continuassem de onde pararam.

Em novembro de 2023, a defesa de Olímpio pediu à Justiça que ele fosse para prisão domiciliar, alegando que o acusado era portador de enfermidades, cujo sistema prisional não tinha estrutura para tratá-las, e que ele estava debilitado. O pedido foi aceito pelo Ministério Público Estadual, que pediu à Justiça a conversão da prisão preventiva em domiciliar.

Mas o juízo da Comarca de Passo de Camaragibe não acatou o pedido e manteve a prisão preventiva, argumentando que a defesa não apresentou provas de que a saúde do réu apresentava alguma fragilidade. Além disso, levou em conta que Olímpio tomava medicações via oral, podendo o tratamento ser seguido dentro do sistema prisional. Com isso, em novembro do ano passado, a Justiça autorizou a transferência dele para Alagoas.

Assim, em um caso que começou a ser investigado quando Mylena, filha de Jane Palmeira e Olímpio, tinha apenas cinco anos de idade, chegou em novembro de 2023 com ela pedindo à Justiça para ter acesso ao processo como assistente de acusação. Nesse período, a menina, agora com 26 anos, já estava casada e formada como técnica de enfermagem.

“É bem difícil. Vou ser sincera, depois que ele foi preso após 20 anos foi pior. Porque eu, que vivi toda a situação, tive que voltar para a cena, tive que voltar para o início de tudo. Foi como se minha mãe tivesse morrido recentemente. Foi uma ferida que sempre esteve lá, sempre lembro da minha mãe, sinto falta, além do peso de ele ser meu pai e, depois que ele foi preso, eu não tive mais paz, porque fico com medo dele ser solto”, desabafou Mylena.

Em dezembro, a defesa de Olímpio pediu novamente à Justiça, desta vez em segundo grau, a conversão da prisão preventiva por domiciliar, alegando problemas de saúde. E novamente, a Justiça negou. Somente em janeiro de 2024, é que Olímpio se pronunciou pela primeira vez, por meio da defesa, sobre as acusações contra ele. No processo, ele afirma apenas que os fatos não aconteceram como os narrados pela denúncia.

A audiência de instrução do julgamento foi marcada para ocorrer em março deste ano, mas foi adiada e aconteceu no dia 10 de abril, com a presença do acusado e da filha dele, Mylena Palmeira. O Ministério Público e a Defensoria Pública pediram a pronúncia de Olímpio para que ele fosse julgado pelo Tribunal do Júri. A defesa pediu a absolvição. No entanto, a Justiça acatou e aceitou que ele fosse submetido a júri popular.

Já em 2024, no transcorrer do processo, a defesa pediu a Justiça que fosse feita uma reprodução simulada da morte de Jane, alegando que as informações trazidas até então não era condizentes com o que tinha acontecido. A Justiça negou e marcou a realização do júri para o dia 10 de dezembro deste ano.

Todos já estavam a postos para a realização do júri, incluindo os jurados, as testemunhas e o próprio réu. No entanto, o magistrado constatou que o comportamento de uma das juradas e outros acontecimentos que não foram citados no processo comprometeram a parcialidade do julgamento. Com isso, o júri foi suspenso.

“Passou tanto tempo impune e ele está preso há um ano. Tenho medo dele sair e ficar em liberdade. Quem perdeu foi minha mãe, e meu coração ainda está muito apertado, de verdade, meu coração está doendo, eu estou arrasada”, desabafou Mylena.

Mylena, desde os cinco anos, passou a ser criada com a avó materna, a mesma que também presenciou a filha sendo morta. De lá para cá, ela disse que nunca passou por tratamento psicológico para enfrentar o maior trauma de sua vida.

“Agora eu vi que realmente preciso. Agora que estou passando por isso de novo. Vou precisar fazer terapia, acompanhamento, porque não está sendo fácil. Eu não imaginava que iria sentir tanta dor, estou com umas sensações diferentes, então preciso procurar um psicólogo porque não estou me sentindo bem de verdade”, finalizou a técnica de enfermagem.

De acordo com a comarca de Passo de Camaragibe, ainda não há nova data marcada para a sessão que julgará Olímpio pela morte de Jane Palmeira.

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