FPI visita povo Tingui-Botó: um encontro de memória, preservação e luta por direitos

 

Na comunidade indígena Tingui-Botó, em Feira Grande, a resistência e a força de um povo se misturam ao canto da natureza preservada, num momento de reclusão para rituais na terra sagrada. Foi nesse cenário de memória e espiritualidade que a equipe de Comunidades Tradicionais e Patrimônio Cultural da Fiscalização Preventiva Integrada (FPI) do Rio São Francisco realizou uma visita para ouvir as lideranças locais, diagnosticar as condições da comunidade e propor ações que atendam às suas necessidades e valorizem sua identidade cultural e seus direitos.

Recebidos pelo cacique Eliziano de Campos e pelo neto do pajé, Iran Ferreira, que é iniciado no ofício da pajelança, os integrantes da equipe puderam conhecer de perto a organização e a resistência da etnia Tingui-Boto. Durante a visita, destacaram-se as ações de preservação ambiental e cultural promovidas pela comunidade, reconhecida como exemplo de sustentabilidade e respeito ao território sagrado.

A presença de Maciel Oliveira, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), reforçou a parceria de longa data entre a comunidade e o Comitê. “O povo Tingui-Boto é um exemplo de luta e preservação. Aqui foi implantado um dos primeiros projetos hidroambientais da Bacia, e continuamos trabalhando juntos para proteger esse território e suas riquezas culturais e naturais”, destacou Maciel.

Preservação cultural

A maioria da comunidade estava participando do Ouricuri, ritual sagrado que é central para a vida espiritual e cultural dos Tingui-Boto. O filho do cacique, Marcos Sabarú, ressaltou a importância do ritual na preservação da ancestralidade e da cosmovisão do povo: “O Ouricuri é onde se constrói a nossa identidade. Proteger nosso território e cultura é proteger o futuro das próximas gerações”, destacou.

Educação

Apesar da inauguração de uma escola indígena em setembro de 2024, a comunidade enfrenta desafios significativos na área da educação. Atualmente, 18 alunos estão distribuídos em turmas multisseriadas, que incluem crianças da educação infantil e do ensino fundamental, mas faltam professores, especialmente indígenas. Além disso, o nome das lideranças locais não foi incluído na placa da escola, o que foi apontado como mais um caso de invisibilização da identidade indígena.

“É essencial que as políticas públicas para a educação levem em conta as especificidades culturais desses povos. Isso inclui formação de professores indígenas, conteúdos pedagógicos que valorizem a história e os rituais, e infraestrutura adequada para atender à demanda da comunidade”, afirmou o coordenador da equipe, Ivan Farias, antropólogo do Ministério Público Federal (MPF).

Sustentabilidade e produção local

A comunidade se destaca por iniciativas de sustentabilidade, como a produção de mel, peixe, batata-doce e artesanato. Essas atividades são realizadas de forma integrada ao meio ambiente, sem uso de agrotóxicos ou desmatamento. No entanto, os moradores enfrentam dificuldades como falta de apoio técnico e transporte para o escoamento da produção.

A parceria com o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) possibilitou o cercamento de áreas para reflorestamento, garantindo a recuperação de nascentes e o retorno de espécies como capivaras, tatus e tracajás. “Aqui, a natureza se regenera porque o povo protege o território. O respeito ao sagrado e à biodiversidade faz dessa comunidade um exemplo para o mundo”, completou Ivan Farias.

Saúde e bem-estar

Na área da saúde, os desafios incluem a falta de psicólogo no posto e problemas no abastecimento de água, como a ausência de limpeza na caixa d’água. A comunidade também destacou a necessidade de melhorias no saneamento básico e na infraestrutura do posto de saúde, bem como uma maior atenção do poder público às demandas locais.

Representatividade política e acesso a direitos
O fortalecimento da representatividade política foi outro ponto discutido durante a visita. A criação de seções eleitorais dentro do território indígena foi sugerida como forma de garantir maior autonomia. “Estimular a participação política é essencial para que essas comunidades tenham voz ativa na defesa de seus próprios direitos”, pontuou Hugo Santos, representante do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoa (TRE/AL) presente na visita.

Composição da equipe

A visita foi realizada por representantes do Ministério Público Federal (MPF), Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF), Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL), Tribunal Regional Eleitoral (TRE/AL), Rede de Mulheres de Comunidades Tradicionais, Instituto do Meio Ambiente (IMA) e Secretaria da Mulher e dos Direitos Humanos (Semudh).

A FPI do Rio São Francisco reafirma seu compromisso com a proteção dos direitos dos povos tradicionais, buscando soluções para os desafios enfrentados por essas comunidades e valorizando suas contribuições essenciais para a preservação ambiental e cultural.

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