Dentista relata que perdeu a visão após tomar banho sem tirar a lente de contato
Desde os 12 anos, a dentista Nicole Géo Cançado Consoli, de 27 anos, usa lentes de contato para corrigir a miopia de 3 graus. Segundo ela, no entanto, nenhum médico a alertou sobre os cuidados com o dispositivo. O mau uso desencadeou uma infecção grave no olho por Acanthamoeba, um protozoário capaz de destruir a córnea e causar cegueira.
Consoli tomava banho sem retirar as lentes e higienizava o acessório com soro fisiológico, no lugar da solução específica para esse fim. De vez em quando, também ia à piscina e à sauna com o dispositivo, ignorando o risco que corria.
Tudo correu bem até fevereiro de 2021, quando a então estudante de odontologia sentiu que o olho esquerdo estava arranhado. Vermelhidão, dor intensa e forte sensibilidade à luz completavam os sinais e sintomas. A dentista procurou ajuda médica, ouviu que estava com uma úlcera de córnea bacteriana e recebeu a prescrição de colírios antibióticos.
O tratamento, porém, não surtiu efeito e seu quadro piorou. Na segunda tentativa, também infrutífera, o caso foi tratado como herpes, um vírus. Somente ao buscar uma segunda opinião, Consoli recebeu o diagnóstico correto, confirmado por uma análise laboratorial: infecção pelo protozoário Acanthamoeba. A essa altura, ela não enxergava mais com o olho esquerdo e o órgão estava modificado: a parte branca ficou vermelha e a colorida, esbranquiçada.
Impacto na saúde e na qualidade de vida
Moradora de Belo Horizonte (MG), a dentista foi medicada com colírios específicos para o seu caso e encaminhada para uma profissional especializada na doença, em São Paulo. O tratamento demorou para surtir efeito.
O que mais incomodava a mineira não era a perda da visão ou a mudança estética, mas a dor, que não passava nem com remédios à base de opioides. Consoli passou 9 meses trancafiada num quarto escuro, sem conseguir olhar nem sequer a tela do celular, tamanha a sensibilidade à luz.
Nesse período, largou a faculdade e o trabalho como maquiadora. Medicamentos que a deixavam dopada, segundo ela, a ajudaram a atravessar o período, além do suporte dos familiares e do namorado.
“Era tão insuportável que eu procurei um neurologista. Ele sugeriu que eu fizesse uma cirurgia que desligaria a parte sensorial do rosto, do lado esquerdo. Mas a minha médica recomendou que eu aguentasse a dor um pouco mais, porque a operação prejudicaria a minha vida por completo.”
— Nicole Géo Cançado Consoli, dentista
Tratamento demorado
Quando fez o primeiro transplante de córnea, a dor cessou. Ao longo de três anos, porém, Consoli ficou sem a visão esquerda. Nesse período, passou por mais 21 procedimentos cirúrgicos, incluindo outros dois transplantes de córnea, duas operações de catarata e uma implantação de íris artificial. Hoje, ela enxerga de 10 a 15% com o olho afetado pela infecção.
A dentista conseguiu se formar na faculdade, casou-se com o namorado e está grávida da primeira filha. Com a íris artificial, a alteração ocular ficou praticamente imperceptível.
“Hoje a minha missão é ajudar quem teve essa doença a passar por ela. Não tem muita informação sobre Acanthamoeba na internet. É difícil de tratar e não há muitos oftalmologistas que estudam esse tema, porque não dá retorno financeiro.”
O que é a Acanthamoeba e como preveni-la
A Acanthamoeba é um protozoário comum que vive na água, como lagoas, cachoeiras, piscinas e chuveiros. “A água de banho é tratada, mas não é estéril. O líquido passa por uma tubulação e por isso eu recomendo que os pacientes, principalmente os recém-operados, tomem cuidado para que essa água não caia nos olhos”, diz o cirurgião oftalmológico Leonardo Tibúrcio, diretor do NEO Oftalmologia Vila da Serra.
A maioria das pessoas entra em contato com a Acanthamoeba sem prejuízos à saúde. O perigo pode acontecer se o micróbio encontrar um meio para penetrar o olho, como as microlesões na córnea causadas pelo uso das lentes de contato.
A ameba pode se instalar na lente por meio da água corrente ou de soluções não estéreis dentro do estojo de armazenamento. “Na hora que há uma pequena lesão na córnea, que a gente chama de ceratite, pronto, você criou o ambiente para a Acanthamoeba entrar na superfície do olho e na sua parte mais interna, que a gente chama de estroma”, explica o médico.
A contaminação prejudica a visão em vários níveis, principalmente se o tratamento com colírios demorar para ser iniciado. Para algumas pessoas, o dano pode ser irreversível, como aconteceu com Consoli, que perdeu a visão do olho esquerdo.
A presença do protozoário pode ainda causar uma inflamação que altera a íris, a parte colorida do olho. Um procedimento para implantar uma íris artificial pode ajudar a recuperar a estética e também melhorar a visão.
Para prevenir Acanthamoeba, Tibúrcio recomenda evitar usar lentes de contato em atividades que tenham contato com a água. Além disso, é fundamental higienizar corretamente o acessório e o estojo de armazenamento.
“Para quem não se adaptou aos óculos, não consegue ficar sem as lentes ou sabe que comete algum deslize no cuidado diário com elas, a melhor alternativa é a cirurgia de correção dos graus a laser”, afirma.