Igreja vendia areia e Vaticano interveio
A ordem para a mudança na cúpula da Igreja Católica de Maceió, que resultou a saída do arcebispo Dom Antônio Muniz e a nomeação do arcebispo coadjutor Dom Beto Breis, partiu do Papa Francisco, mas a sucessão não foi por motivos de doença, como chegou a ser divulgado no começo deste ano pela assessoria de comunicação da Arquidiocese.
O verdadeiro motivo, segundo fontes de dentro da própria Igreja, foi o envolvimento de religiosos locais com a chamada “Máfia da Areia”, por meio da empresa Mandacaru Extração de Areia, que vem sendo investigada pelo Ministério Público Federal de Alagoas (MPF/AL), acusada de crime ambiental na Praia do Francês, em Marechal Deodoro.
De acordo com prestadores de serviço da Fundação Leobino e Adelaide Motta, que é administrada pela Igreja Católica, a entidade recebia o dinheiro da venda da areia à Braskem, por meio da empresa Mandacaru há quase oito anos, mas não prestava contas e nem declarava os valores recebidos, pelo menos, até a publicação das primeiras matérias denunciando o esquema.
Ao tomar conhecimento dos fatos, retratados pela mídia local e nacional, o Vaticano mandou a Confederação Nacional dos Bispo do Brasil (CNBB) investigar as denúncias e afastar os envolvidos, caso fossem confirmadas. Uma comitiva da CNBB esteve em Maceió, no final do ano passado e constatou as irregularidades. Para preservar a imagem da Igreja, a CNBB exigiu que a Arquidiocese encerrasse a atividade predatória da extração de areia no Sitio Bom Retiro, que pertence a fundação.
“O Núncio Apostólico no Brasil, Dom Giambattista Diquattro, que é o representante do Papa Francisco no Brasil, esteve em Maceió em missão confidencial, por isso não houve divulgação, para investigar a denúncia e constatou as irregularidades. Por isso, no começo do ano, por ontem do Vaticano, Dom Beto foi nomeado como arcebispo coadjutor, mas como uma espécie de interventor, para tomar as providências cabíveis”, informou a fonte.
A visita secreta do Núncio a Maceió foi questionada à Arquidiocese, mas a assessoria de comunicação, até o fechamento desta edição, não havia confirmado nem desmentido a informação. Segundo a fonte de dentro da Fundação, Dom Giambattista Diquattro esteve na cidade com outros dois integrantes da CNBB e conversou com vários representantes da diocese, a maioria evitou confirmar as denúncias, instruídos pela então cúpula do Arcebispado.
INTERVENTOR
A apresentação de Dom Beto, como arcebispo auxiliar foi suavizada para não prejudicar a imagem de Dom Antônio Muniz, que já estava com os dias contados no comando da Igreja em Maceió, mas procurava passar para o público uma imagem de transição protocolar. Talvez por isso, a assessoria do então arcebispo usou o estado de saúde dele, que já não era boa por causa da Diabetes, como argumento para a sua saída dele da Arquidiocese.
“Na verdade, nem ele [Dom Muniz] e nem o padre Walfran Fonseca não saíram por vontade própria, eles foram defenestrados”, acrescentou essa fonte. No entanto, a Arquidiocese não revelou o verdadeiro motivo para não piorar a situação dos denunciados, que teriam sido pegos com a “boca na botija”. Resultado: toda os diretores da Fundação Leobino e Adelaide Motta, incluindo o presidente (Dom Muniz) e o diretor-financeiro (Padre Walfran), foram exonerados, demitidos, sumariamente.
O Papa Francisco aceitou a renúncia do Dom Antônio Muniz “para inglês ver”, como diz o ditado popular. Até porque, quando ele renunciou, em março deste ano, no seu lugar, a Santa Sé já tinha nomeado como o sucessor, Dom Beto Breis, que vinha esquentando a cadeira da chefia da Arquidiocese como arcebispo coadjutor de Maceió.
Mesmo assim, na carta de renúncia, dom Antônio Muniz, de 71 anos, alegou que precisava cuidar da sua saúde. E sua assessoria fez questão de lembrar que, em 2021, ele chegou a ficar internado em decorrência de complicações da diabetes. Ele estava à frente da Arquidiocese de Maceió desde 2006, quando foi nomeado arcebispo de Maceió. A posse foi no dia 4 fevereiro de 2007.
“Ao recebermos a notícia de que o Santo Padre, o Papa Francisco, acolheu o seu pedido de renúncia ao governo pastoral da Arquidiocese de Maceió, em Alagoas, unimo-nos em agradecimento a Deus por sua vocação e pelos 25 anos dedicados ao pastoreio do povo de Deus em Guarabira e em Maceió”, afirmou a assessoria de Dom Muniz, em carta enviada pelo Papa.
Material era extraído de imóvel no Francês; crime ambiental é investigado
A reportagem da Tribuna Independente procurou ouvir o Padre Walfran logo que recebeu a denúncia da venda ilegal de areia, por meio da empresa Mandacaru, mas ele não quis se manifestar a respeito. Depois que a matéria foi publicada, ele entrou em contato com a reportagem do jornal para se defender e dizer que não gostaria que o nome dele fosse “jogado na lama”.
No entanto, confirmou que a Fundação Leobino e Adelaide Motta, da qual era o diretor financeiro, tinha contato com a Mandacaru para a extração de areia no Sítio Bom Retiro há mais de oito anos. Quando foi questionado sobre quanto a Cúria Metropolitana faturava por mês com o negócio, ele tergiversou:
“Essa informação eu só posso fornecer com a autorização da curadoria da Fundação, mas não a tenho agora”, afirmou Walfran, confirmando que a fundação era presidida por Dom Antônio Muniz e funciona até hoje ao lado da residência do arcebispo, na Rua Ângelo Neto, no bairro do Farol, em Maceió. O imóvel tanto da entidade como da casa do bispo pertencia ao médico alagoano Lourival de Mello Motta, que quando morreu deixou toda a sua fortuna e todos os seus bens para a Igreja Católica.
O sítio Bom Retiro, que vinha sendo explorado pela Mandacaru e rendia um bom dinheiro para a Arquidiocese de Maceió com a venda da areia, também pertencia ao médico Mello Motta, que atuou também em Alagoas como jornalista e deputado estadual, dos anos 30 aos anos 50. Além do sítio, o médico doou uma série de imóveis, em Maceió e no Rio de Janeiro, que fazem parte do acervo da Fundação e são administrados pela Igreja.
MELLO MOTTA
Lourival de Mello Motta nasceu em Palmeira dos Índios, no dia 9 de dezembro de 1906, filho de Leobino Soares da Motta e Adelaide de Mello Mota. Além dos seus pais, sua família era composta de 16 irmãos, sendo oito homens e oito mulheres, dos quais 12 sobreviveram à infância.
Mello Motta foi o pioneiro da Radiologia em Alagoas. O deputado estadual José Wanderley Neto, que é médico cardiologista de primeira grandeza, disse que “suas radiografias eram tão precisas, tão perfeitas, que só faltavam falar”. A tuberculose era uma moléstia que ceifava muitas vidas e por isso resolveu dedicar-se ao combate desta vilã, alcançando destaque neste campo.
Entre 1936 e 1937, Mello Motta fez cursos na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) sobre tuberculose e radiologia com as maiores autoridades do país na matéria. Instalou, em seu consultório, o que de mais moderno existia em equipamentos para diagnosticar as doenças.
Sítio de onde saía a areia foi doado pelo médico Mello Motta
Mello Motta faleceu no dia 17 de julho de 1990, aos 84 anos de idade. Assim a imprensa noticiou a sua morte: “Morreu, ontem, o médico, jornalista, escritor e ex-deputado estadual Lourival de Mello Motta”. No entanto, não foi devidamente reconhecido pelo público e muito menos pela elite alagoana, que não aceitava a sua postura independente e honesta. Sua figura é lembrada apenas pela tradição oral ou pelo livro de memórias que publicou: “Retrato de Uma Época”. Nessa obra, ele reuniu seus principais discursos como deputado estadual.
Antes de morrer, ele criou a Fundação Leobino e Adelaide Motta, a quem deu os nomes dos pais, para que a entidade propagasse a fé cristã e ajudasse os alunos de baixa renda a ter acesso ao curso de Medicina.
No entanto, a cúpula da Igreja em Maceió, até a gestão de Dom Muniz, que herdou sua fortuna dele e vinha dilapidando seus bens, nunca fez valer a sua vontade (expressa em testamento registrado em cartório). Muito pelo contrário, além de bancar cursos de intercâmbio no exterior para parentes de um ex-arcebispo, vinha explorando uma atividade predatória, porém altamente lucrativa, que praticamente acabou com as Dunas do Cavalo Russo, na Praia do Francês.
Motta foi membro da Sociedade de Medicina de Alagoas, da Sociedade Brasileira de Radiologia, da Associação Médica Brasileira, do Colégio Brasileiro de Radiologia e do Colégio Interamericano de Radiologia. Admitido como sócio honorário da Sociedade Portuguesa de Radiologia e Medicina Nuclear foi, ainda, do Instituto Brasileiro para a Investigação da Tuberculose, Fellow of the America College of Chest Physicians e membro da American Trudeau Society.
Médico de tuberculose do Departamento de Saúde do Estado de Alagoas, foi deputado estadual por três legislaturas (1934, 1947 e 1950). Exerceu, ainda, o cargo de Secretário do Interior, Educação e Saúde, no governo de Ismar de Góis Monteiro. Durante a II Grande Guerra foi diretor-regional do Serviço de Defesa Civil Antiaérea.
A trajetória política de Mello Motta foi uma passagem de um homem que sempre dignificou o mandato popular, um verdadeiro vulcão contra a violência e os privilégios. Nunca ficou com um centavo dos seus subsídios como deputado, doando-os, totalmente, às instituições de caridade.