Fogo em SP agrava perda na safra e pode afetar preço do açúcar e etanol

 

A onda de incêndios no interior do estado São Paulo piorou a situação das lavouras de cana-de-açúcar, que já vinham registrando perdas desde abril por causa da seca que atinge a região. O fogo não só queimou a cana que estava de pé – e que, portanto, seria colhida nesta safra – como também destruiu rebrotas que dariam origem à próxima colheita.

As perdas vão aumentar o custo do produtor para renovar as plantações, reduzir a produtividade (menos quantidade colhida por área) e podem impactar os preços do açúcar e do etanol. É o que afirmam o CEO da Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil (Orplana), José Guilherme Nogueira, e o analista de cana-de-açúcar da Safras e Mercados Maurício Muruci.

Como a seca deve se prolongar até setembro, a previsão é de que haja mais queda de produção em SP, principal estado produtor de cana no país.

“Queimar cana é queimar dinheiro”, diz o presidente-executivo da Orplana.

Entenda o caso: uma onda de incêndios atingiu o interior de São Paulo no final de semana, deixando 48 municípios da região em alerta máximo para queimadas. Duas pessoas morreram e mais de 800 tiveram que deixar as suas casas. Seis suspeitos foram presos.

Estima-se que 3.837 propriedades rurais foram atingidas em 144 municípios paulistas, causando perdas de R$ 1 bilhão para a agricultura e pecuária. O fogo não só queimou a cana, como plantações de frutas e seringueiras e carbonizou animais de criação, como bois e vacas.

Cana-de-açúcar já sofria com a seca

Quando a safra de cana-de-açúcar começou, lá em abril, o setor estimava que o estado de SP colheria 420 milhões de toneladas, projeção que foi sendo frustrada pouco a pouco por causa da seca.

Hoje, a Orplana estima uma colheita de 370 milhões de toneladas, uma queda de 12% (de 50 milhões de toneladas) em relação à previsão inicial.

“Desde abril, praticamente não choveu nos canaviais”, pontua o analista de cana-de-açúcar da Safras e Mercados Maurício Muruci.

Nogueira, da Orplana, explica que a seca deixa a planta de cana mais fina, rachada e a “isoporiza”, reduzindo a sua quantidade de açúcar. “A cana acaba não ficando boa para a extração e, portanto, para a produção de açúcar e etanol”, diz Nogueira.

Impacto do fogo

Os incêndios do último final de semana só pioraram a situação. Os mais de 2 mil focos de fogo entre sexta-feira (23) e sábado (24) queimaram cerca de 5 milhões de toneladas de cana-de-açúcar em 59 mil hectares, o que corresponde a cerca de 1,5% da produção total de SP.

É um percentual pequeno, mas o problema é que o fogo também queimou rebrotas, o que vai reduzir a produtividade da próxima safra.

Cada planta de cana consegue rebrotar de cinco a seis vezes, o que significa que, com uma mesma planta, o produtor consegue ter de cinco a seis safras. Com as perdas provocadas pelo incêndio, portanto, alguns agricultores terão que replantar ou terão menos safras com o mesmo plantio, o que tende a aumentar os custos de produção.

Além disso, quando uma planta de cana é queimada, ela precisa ser colhida logo, pois depois de seis a sete dias começa a haver risco de aparecimento de fungos e bactérias que inviabilizam o uso da planta para a produção de açúcar e etanol, diz Nogueira.
“Imagina colher os 59 mil hectares que foram atingidos. Não tem máquina o suficiente para colher isso tudo”, pontua.

Perdas devem ser maiores

A Orplana deve divulgar nesta quarta-feira (28) novos números sobre os impactos dos incêndios, incluindo as perdas de domingo (25) e segunda (26). Além disso, como a seca deve se prolongar em setembro, há possibilidade de redução nas estimativas de colheita.

“Devemos revisar as projeções de produção para baixo”, diz Nogueira.

Muruci, do Safras, ressalta que a primeira metade safra de cana já teve uma redução de 30% na produtividade (na quantidade de cana colhida por hectare). Mas, com incêndios, espera-se uma queda de mais 30%.

“Portanto, vamos ter uma queda de 60% na produtividade da cana a ser colhida nesse segundo semestre”.

O g1 procurou a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) para saber qual deve ser o impacto das queimadas na produção das usinas, mas a entidade disse que ainda não tem um levantamento.

Impactos no preço do açúcar e etanol

Para Muruci e Nogueira, a seca e os incêndios podem elevar os preços do etanol e do açúcar ao consumidor. “Quando você tem essa redução de produtividade, você tem menos oferta de matéria-prima para a indústria. E isso vai impactar preços”, diz o CEO da Orplana.

Na segunda-feira (26), os contratos futuros do açúcar bruto na bolsa de Nova York subiram 3,5%, puxados pelos incêndios no Brasil, o maior produtor de cana do mundo.

“O incêndio foi o gatilho para alta de preços na bolsa de Nova York. Mas o mercado também está precificando a seca e a quebra que já estavam acontecendo. Não dá para colocar tudo na conta do incêndio. A questão é que o mercado ainda não estava precificando a seca”, diz Nogueira.

Nesta terça-feira (27), o açúcar renovou alta na bolsa de NY, fechando o dia com um avanço de 3,36%. “Desde quinta-feira passada, a cotação já subiu 8%”, destaca Muruci.

Em relação ao etanol, o analista do Safras avalia que o impacto ao consumidor deve chegar daqui a 15 ou 20 dias. “É o tempo desta cana que foi prejudicada ser colhida, processada, ir para distribuidora e chegar nos postos”.

‘Queimar dinheiro’

Por todos os prejuízos que os incêndios trouxeram às lavouras, Nogueira ressalta que “queimar cana, é queimar dinheiro”.

Ele lembra que, no passado, era muito comum que a palha fosse queimada para facilitar o trabalho de colheita.

Mas isso começou a mudar a partir de 2007, quando produtores e usinas paulistas assinaram, junto ao governo de SP, um acordo que proibiu a prática. Esse documento é conhecido por Protocolo Agroambiental – Etanol Mais Verde.

Além disso, Nogueira destaca que a mecanização da colheita acaba com a necessidade de uso do fogo. “Hoje, 98,7% da colheita é mecanizada. E o que não é [mecanizado], é colhido sem queimar”, afirma.

Segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), as usinas que fazem parte Etanol Mais Verde são responsáveis por 91% da produção paulista de cana-de-açúcar e 43% da produção nacional de etanol.

O CEO da Orplana lembra que, hoje, o setor utiliza todos os subprodutos da plantação de cana: não somente a planta para produzir o açúcar e o etanol, como também o bagaço e a palha para a geração de bioeletricidade, por exemplo.

Apesar disso, Nogueira explica que é comum ocorrerem incêndios em plantações de cana, mas não por motivos ligados à produção.

“Infelizmente, isso acontece todos os anos. A Orplana tem um dado de que 70% dos incêndios [nas plantações de cana] são causados por pessoas: bitucas de cigarro na beira de rodovia ou pessoas ateando fogo para limpeza de terreno ou limpeza de lixo”.

“Aquela fuligem do fogo é levada pelo vento e cai em cima dos canaviais, de floresta seca”, diz Nogueira. Por causa disso, ele explica que os produtores de cana, as usinas e o corpo de bombeiros do estado de SP têm planos de auxílios mútuos, conhecidos como PAMs.

“Como funciona os PAMs? São redes de apoio em casos de incêndios que já existem em todo o estado. Quando uma usina, um produtor ou um bombeiro verifica a incidência de fogo pelo satélite, um alerta é emitido dentro desse grupo para movimentar os caminhões-pipas das usinas e dos produtores para o foco”, diz Nogueira.

Presos pelos incêndios

Até o momento, seis pessoas foram presas no interior do estado de São Paulo por suspeita de participarem dos incêndios.

“São pessoas que portavam gasolina e estavam realmente ateando fogo de forma criminosa”, disse o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) na segunda-feira. O governo acredita, por ora, que não há uma ação orquestrada. A Polícia Civil e a Polícia Federal investigam.

No domingo (25), a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que os incêndios registrados no interior de São Paulo são atípicos e precisam ser investigados. Segundo Marina, a PF abriu dois inquéritos para apurar as causas das queimadas em São Paulo.

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