Agosto Lilás: especialistas orientam sobre direitos e apoio às vítimas de violência em AL

 

Alagoas registrou um aumento de 19,2% nos casos de violência doméstica entre 2022 e 2023, saltando de 2.013 para 2.400 registros. Com esse crescimento, o estado se tornou o terceiro no ranking nacional de violência contra a mulher, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024.

O país registrou aumento de 9,8% entre 2022 e 2023. No ano passado, no Brasil, 258.941 mulheres foram vítimas de lesão corporal dolosa praticada por seus parceiros, equivalendo a 709 casos por dia, que é como se, a cada hora, 29 mulheres fossem agredidas por seus companheiros.

Ao se tratar de aumento percentual, os estados que registraram as maiores variações entre 2022 e 2023 foram: Acre (35,3%), Paraná (34,4%), Alagoas (19,2%) e Paraíba (19,1%), seguidos por Roraima e São Paulo, ambos com 17,7%.

Esse tipo de violência, que assombra milhares de lares no país, é tema da campanha Agosto Lilás, mês de conscientização pelo fim da violência contra a mulher, ecoando o aniversário da Lei Maria da Penha, que completa 18 anos, o qual é o marco legal na proteção das mulheres brasileiras. Com o tema “Feminicídio Zero”, o Ministério das Mulheres reforça a urgência de combater a violência extrema que ceifa vidas femininas diariamente.

Apesar dos avanços conquistados, o medo e a insegurança ainda permeiam a vida de muitas mulheres. Diante desse cenário.

Da denúncia às medidas protetivas, do atendimento especializado ao acolhimento em casas de apoio, a reportagem traz informações essenciais para as mulheres alagoanas conhecerem seus direitos e saibam onde encontrar suporte. Afinal, a luta pelo Feminicídio Zero só será vencida com informação, coragem e união.

Dúvidas mais comuns

A advogada e membra da Associação das Mulheres Advogadas de Alagoas (AMADA), Else Freire, pontua que os principais direitos garantidos pela Lei Maria da Penha são:

  • Atendimento ininterrupto pela autoridade policial que garante comparecer à delegacia para denunciar e receber escolta policial para acompanhá-la até em casa ou até local seguro, caso haja risco de vida;
  • Requerer medida protetiva de urgência já na delegacia, além do registo do boletim de ocorrência, que deverá ser concedida em 24 horas e pode consistir na proibição de aproximação do agressor, uso botão do pânico e acompanhamento da Patrulha Maria da Penha;
  • Acesso prioritário a programas sociais, habitacionais e de emprego e renda;
  • Manutenção do vínculo profissional por até seis meses de afastamento do trabalho;
  • Atendimento psicossocial e de saúde especializado;
  • Acesso à casa, abrigo e outros serviços de acolhimento especializado.

“Caso haja necessidade, as vítimas podem denunciar abusos em ouvidorias, corregedorias dos órgãos oficiais, onde seus direitos foram desrespeitados. O atendimento é garantido às vítimas de violência doméstica. Ter assistência jurídica, seja por meio da advocacia ou defensoria pública, em todos os atos do processo e audiências que tenha que comparecer”, afirma.

Ela ressalta que, durante todo o processo, questionamentos discriminatórios sobre a vida íntima da vítima, especulações sobre informações desnecessárias e que possam causar constrangimentos são proibidos: “Os atores do sistema de Justiça devem zelar pelo tratamento respeitoso e urbano”.

Além disso, cita algumas das dúvidas mais comuns que as mulheres têm ao buscar ajuda jurídica para casos de violência doméstica:

  • O que configura violência doméstica e quais os tipos de violência punidos pela Lei Maria da Penha? Configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.
  • Quais os agressores que podem ser punidos? Toda pessoa, independente do sexo, que exerça certo poder sobre a mulher que a torne incapaz de se defender pelos meios normais. Assim, a princípio, estão incluídas as agressões entre casais homossexuais femininas, entre irmã (o) e irmãs, mãe e filha etc. Comumente, as agressões ocorrem nas relações entre marido e mulher, mas há também a possibilidade delas ocorrerem entre companheiro e companheira, pai e filha, tio e sobrinha, patrão e empregada, namorado e namorada etc.
  • Qual o primeiro passo a ser dado pela mulher que se encontre em situação de violência doméstica e familiar? O primeiro passo é denunciar. Existem canais sigilosos como o número 190, 180, mas é possível denunciar como registro de boletim de ocorrência em delegacias especializadas de atendimento à mulher ou por meio da delegacia interativa de modo virtual.

Importância das evidências

O advogado criminalista e Professor de Direito Marcelo Herval explica que as primeiras medidas a serem tomadas vão depender da maneira como os abusos estejam acontecendo.

“Se for uma situação emergencial, especialmente nos casos envolvendo uma violência física atual ou iminente, a vítima pode contactar, diretamente, os números 190 e 180, para acionar as redes de proteção imediata. Além disso, a qualquer momento, a vítima pode procurar as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM) para registrar a ocorrência e, comunicando o fato às autoridades policiais, dar início aos procedimentos cabíveis, como a solicitação de medidas protetivas de urgência e a instauração do inquérito policial, o qual irá apurar as circunstâncias em que a violência se deu”, detalhou.

Na hora de registrar a denúncia, ele reforça que é importante ter os registros das agressões – por meio de fotos, áudios ou vídeos. Uma vez registrado o boletim de ocorrência, a vítima será encaminhada ao Instituto Médico Legal (IML), para ser realizado um exame de corpo de delito e, assim, seja possível comprovar a existência das lesões e em que extensão elas ocorreram.

Marcelo pontua que a indicação de testemunhas (pessoas que tenham presenciado ou tenham conhecimento sobre os episódios de agressão) também é recomendada, tanto nos casos de violência física quanto nos demais (psicológica, patrimonial ou sexual).

Medidas protetivas

O advogado conta que, de acordo com a Lei Maria da Penha, quando presentes tais situações de violências, o juiz poderá determinar, por exemplo:

  • A proibição de que o agressor mantenha contato com a vítima (inclusive pelas redes sociais);
  • O afastamento do agressor do domicílio ou do local de convivência com a vítima;
  • A proibição de que o agressor se aproxime da vítima e de seus familiares, inclusive fixando um limite mínimo de distância entre eles, bem como a prestação de alimentos provisórios.

As medidas protetivas podem ser solicitadas pelas mulheres através das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM), por meio do Ministério Público ou, ainda, por meio de requerimento apresentado por advogado contratado pela vítima diretamente aos Juizados de Violência Doméstica.

“Sendo impostas tais medidas, o agressor deverá cumpri-las rigorosamente, sob pena de ser decretada sua prisão preventiva e, além disso, responder pelo crime de descumprimento de medida protetiva, previsto no art. 24-A da Lei Maria da Penha, ficando sujeito a uma pena de detenção de três meses a dois anos”, disse o especialista.

Atendimento especializado

A gerente operativa da Rede de Atenção às Violências (RAV), Thaylise Nunes, destaca que em diversos municípios alagoanos há órgãos que atendem vítimas de violência e auxiliam no encaminhamento aos órgãos competentes.

Além do Hospital da Mulher (HM), as Salas Lilás, vinculadas à RAV estão situadas em mais cinco locais:

Em Maceió, o atendimento ocorre também no Hospital Geral do Estado (HGE) e no Complexo de Delegacias Especializadas.

Já no interior, a assistência é prestada no Hospital Regional do Norte (HRN), em Porto Calvo; no Hospital de Emergência do Agreste (HEA), em Arapiraca; e no Centro Integrado de Segurança Pública (CISP) de Delmiro Gouveia.

Thaylise explica que o atendimento pode ser feito de maneira imediata, pois as unidades contam com equipes multidisciplinares que auxiliam as vítimas a, inclusive, confeccionar o Boletim de Ocorrência (BO).

“A mulher já pode ir diretamente para a Área Lilás, porque lá temos a equipe multidisciplinar, composta por enfermeira, assistente social, psicóloga, ginecologista. E temos, também, o perito do Instituto Médico Legal (IML) e o policial civil. Lá, temos o posto da Segurança Pública, onde a mulher já faz todos os procedimentos no mesmo ambiente: tanto o exame de conjunção carnal, como o BO e o atendimento de saúde”, esclarece.

Ela garante que a equipe da RAV ajuda as vítimas a solicitar todos os encaminhamentos necessários. Elas são orientadas quanto aos seus direitos, como o acompanhamento psicológico e psiquiátrico, durante seis meses, podendo até ser prorrogado a defender o estado clínico da paciente.

“Temos uma equipe especializada voltada para o acolhimento da violência, onde eles já têm o entendimento da violência para fazer esse acolhimento, essa questão da humanização do serviço, para que essa vítima chegue no serviço, fique acolhida, para a gente tentar fazer com que essa mulher quebre esse ciclo de violência”, disse Thaylise.

“A decisão da mulher deve ser sempre respeitada”

Inaugurada em maio de 2021 pelo Poder Judiciário de Alagoas, a Casa da Mulher Alagoana é um local de acolhimento para mulheres que enfrentam a violência doméstica. Situada ao lado da Praça Sinimbu, no Centro de Maceió, a casa oferece um refúgio e apoio para as vítimas.

A instituição já acolheu mais de duas mil mulheres e seus filhos, oferecendo atendimento humanizado com serviços presenciais, acompanhamento remoto e abrigo temporário. De acordo com dados do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL), apenas em 2023, a Casa abrigou 76 mulheres e atendeu mais de 1.700 pessoas.

Em entrevista, a diretora da Casa da Mulher Alagoana, Paula Lopes, destaca que a Casa oferece suporte essencial às vítimas por meio de atendimento psicossocial e jurídico. Ela explica que, embora a instituição não forneça serviços de saúde física diretamente, faz encaminhamentos para cuidados de saúde mental.

Além de proporcionar atendimento e acolhimento no alojamento, a Casa realiza encaminhamentos específicos para crianças e adolescentes, filhos dessas mulheres, que também foram afetados pela violência doméstica. “Esses atendimentos são correlacionados também para os devidos encaminhamentos para esse público específico ao qual deságua a violência.”, afirma.

De acordo com a diretora, quando uma vítima decide retornar ao ambiente abusivo, a abordagem da Casa é de respeito e continuidade do suporte. Lopes afirma que a instituição foca na proteção e apresentação de alternativas além da violência.

“Nosso trabalho foca na proteção, alerta e apresentação das oportunidades em sair da situação de violência. A mulher pode, sim, optar por retornar para o lar e para o convívio com o agressor, pois ela possui livre arbítrio e a decisão da mulher deve ser sempre respeitada, inclusive pode continuar frequentando os grupos de apoio que temos, até se sentir realmente segura e em condições de romper com a violência.”, explica.

Além disso, ela afirma que, atualmente, não há um programa formal para reintegração social e econômica das vítimas, mas a Casa promove várias iniciativas de apoio. Apesar da falta de um projeto, a instituição facilita o acesso a grupos de apoio, oportunidades de emprego e moradia.

A Casa ainda realiza o acompanhamento contínuo dos casos atendidos por meio de grupos de apoio semanais e monitoramento pela equipe técnica.

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