Justiça Federal suspende obras de parque aquático em terra Xukuri-Kariri em AL
A Justiça Federal suspendeu as obras de construção de um parque aquático em território indígena Xukuru-Kariri, na zona rural do município de Palmeira dos Índios, no Agreste de Alagoas, e determinou multa diária no valor de R$ 10 mil em caso de descumprimento.
A decisão da juíza Camila Monteiro Pullin, da 8ª Vara Federal de Alagoas, atende a uma ação civil pública, proposta pela Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas], contra o município de Palmeira dos Índios e a empresa responsável pelo futuro empreendimento, cujas obras estão bastante adiantadas na região.
A Funai pediu à Justiça, em caráter liminar, que a prefeitura e a empreiteira fossem impedidas de construir, implementar polos industriais, parques aquáticos ou quaisquer equipamentos privados nas terras que pertencem aos indígenas Xukuru-Kariri. Também solicitou que a área supostamente degradada pelas construções irregulares no território fosse recuperada.
O órgão informou que recebeu da Defensoria Pública da União (DPU) e do Ministério Público Federal (MPF) a denúncia de que a Prefeitura de Palmeira dos Índios estava ameaçando o direito de gozo da terra pelos indígenas devido à construção de um polo industrial e um parque aquático.
Quando questionado, o município esclareceu ao MPF que se tratavam de dois polos de atração de investimentos e geração de emprego e renda. No caso do polo multissetorial, a área é o resultado da doação de terreno pela União ao município, no antigo Campo de Pouso. Ainda há concessão de incentivos fiscais e locacionais às empresas que se instalarem no referido polo.
A prefeitura argumenta, também, que a implementação dos polos industriais dentro do território indígena estaria fundamentada na publicação da Instrução Normativa FUNAI nº 009/2020, que reconheceria a propriedade privada e a possibilidade de comercialização de terras indígenas demarcadas e ainda não homologadas pelo presidente da República.
Por outro lado, a Funai alega que as obras já estão em andamento, violando o direito de posse dos indígenas, visto que os imóveis objeto dessas intervenções seriam inequivocamente terra indígena – declarada e fisicamente demarcada desde 2010. E argumenta que o município nunca consultou a Funai sobre a área.
“O prosseguimento das obras com a ocupação e urbanização da área pode trazer danos irreversíveis ou de difícil reparação à pretensão autoral, restando caracterizada a urgência no pleito. Pode aumentar, inclusive, o clima de animosidade e conflito entre os não indígenas e indígenas da região, ocasionando problemas de outras ordens para além do direito de propriedade em si”, declarou a juíza Camila Monteiro Pullin.
O cacique do povo Xukuru-Kariri, José Cícero Santana da Silva, disse que o povo nunca foi procurado e reclamou da postura da prefeitura. “Nunca fomos consultados, e há tempos a gente vem solicitando [a paralisação], mas o poder político acha que pode tudo. Pelo que sabemos, quando uma terra é declarada portaria demarcatória, você tira dos proprietários, não podem vender ou repassar. Isso que a gente considera de má-fé [da prefeitura]”, falou.
Em nota, a Prefeitura de Palmeira dos Índios informou que vai recorrer da decisão e alegou que “a construção do polo industrial é de suma importância para o desenvolvimento econômico do Município, inclusive a área foi escolhida por já ter na mesma localidade a maior indústria de laticínio da região”.
“O imóvel em questão possui registro e é reconhecido como propriedade privada, não homologadas como terra indígena pelo presidente da República e, portanto, permitido a sua comercialização. A prefeitura comprou a terra de um proprietário em 2021 para construir um Polo Multisetorial, um investimento importante para o desenvolvimento econômico de Palmeira dos Índios, e também porque fica próximo da maior indústria de laticínios da região”, completou.
Confira a nota completa:
O imóvel em questão possui registro e é reconhecido como propriedade privada, não homologadas como terra indígena pelo presidente da República e, portanto, permitido a sua comercialização. A prefeitura comprou a terra de um proprietário em 2021 para construir um Polo Multisetorial, um investimento importante para o desenvolvimento econômico de Palmeira dos Índios, e também porque fica próximo da maior indústria de laticínios da região.
Informamos anda que não havia no Cartório de Registro de Imóvel qualquer averbação ou outro ato da FUNAI no cartório, e nem havia no local placa ou qualquer sinalização que se tratava de área em demarcação, inclusive de frente ao Polo existe essa grande indústria de laticínio da região.
Em uma reunião ocorrida na sede do MPF da capital do Estado de Alagoas, no dia 14/8/2023, sob as alegações da FUNAI que através de seus representantes objetivaram incluir as terras do Município de Palmeira dos Indios de modo a constar nos sistemas da instituição as áreas indígenas regularizadas ou em processo de demarcação indígena Xucuru-Kariri, como inalienáveis.
Basearam-se talvez na Instrução Normativa 03/2012 da FUNAI que estabelecia que não seria emitido atestado administrativo para imóveis incidentes em área reivindicada por grupos indígenas, em estudo de identificação e delimitação, terra indígena delimitada ou declarada, porém a recente Instrução Normativa 09/2020 revogou tal disciplina.
Com a publicação da referida instrução Normativa 009/2020, a Fundação Nacional do Índio, FUNAI, publicada no dia 22/04/2020, reconheceu a propriedade privada e até comercialização de terras demarcada ainda não homologadas pelo presidente da República.
A Instrução Normativa no 009/2020, publicada no Diário Oficial da União (DOU), que alterou a Declaração de Reconhecimento de Limites, documento que funcionava como uma certificação de que uma propriedade rural privada não invadia imóveis vizinhos ocupados por indígenas. Com a publicação da medida, a Declaração de Reconhecimento de Limites passou a ser também um documento de posse e pode ser dado a imóveis privados que estiverem dentro de terras indígenas não homologadas.
Outra mudança adotada pela Instrução Normativa no9/2020 é em relação ao Sistema de Gestão Fundiária, o SIGEF, o cadastro do Incra com dados oficiais sobre os limites dos imóveis rurais. Antes da medida, qualquer terra indígena, homologada ou em processo, estava cadastrada no SIGEF. A partir da instrução Normativa 009/2020, apenas os terrenos com homologação concluída são reconhecidos pelo Sistema.
Terras indígenas não homologadas são cadastradas no SIGEF como propriedade rural privada, podendo esse proprietário vender a terra, pedir licenciamento na área e praticar demais atos, por não existir não certidão de ônus do registro do imóvel, qualquer ato de constrição ou restrição de venda.
Necessário mencionar que, em sede de uma cognição sumária, inerente ao alegado que ora se busca esclarecer, na medida em que a cognição exauriente implica em definitiva, a qual somente se verificará por ocasião da prolação de trânsito em julgados de processos judiciais e administrativos inerentes a demarcação de terra Xucuru-Kariri, o que ainda não ocorreu.
Na citada audiência pública realizada no dia 14/08/2023 com a mediação deste MPF em Maceió/Al., a FUNAI argumentou que a instalação do segundo polo industrial estaria dentro de área indígena e desta maneira não tratava do preenchimento ou não dos requisitos para a demarcação de terra indígena, nos termos do art. 231 da Constituição.
Na verdade, toda a argumentação apresentada baseia-se não na caracterização da área indígena em si, mas em suposta mora na concretização da demarcação. Em nenhum momento, frise-se, o Município foi cientificado tratar- se de terra indígena, como muito bem atesta a certidão de registro do imóvel desmembrado em anexo. O fato de que questiona-se a caracterização da área como indígena, tendo esse sido o enfoque dado a reunião.
Portanto, é possível constatar que a questão trazida é correlata a matéria em que o Congresso Nacional promulgou o complemento da Lei do Marco Temporal para demarcação das terras indígenas, Lei no 14.701/2023 que edita os requisitos para a caracterização de terra reconhecidamente indígena, nos termos do art. 231 da CF, e o caso presente versa sobre essa questão, mas com alegação de suposta demora da União e da conclusão do procedimento demarcatório. Vale ressaltar que o imóvel adquirido pelo Município tem justo título em data bem inferior ao ano de 1988. Cabendo registrar que de acordo com a Certidão de inteiro Teor o Imóvel possui registro imobiliário no Cartório de Imóveis Livro do 2o Cartório Notorial e Registral de Palmeira dos Índios-AL, oriundas das fusões das matrículas 12.519, de 07/05/1962; 1-1105 de 25/08/1977; 1-4314 de 30/12/1982 e no 1-4819 de 06/12/1983.
Salientamos que para a FUNAI, não é legalmente, ou tecnicamente, justificável inserir áreas ainda não registradas ou homologadas como terras indígenas no SIGEF Sistema de Gestão Fundiária Sistema desenvolvido pelo INCRA para gestão de informações fundiárias do meio rural brasileiro, impedindo o regular direito de propriedade dos imóveis particulares.
Importante ressaltar que o art. 246, § 3o, da Lei n. 6.015/73 (Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências.) prescreve que constatada, durante o processo demarcatório, a existência de domínio privado nos limites da terra indígena, a União requererá ao Oficial de Registro a averbação, na respectiva matrícula, dessa circunstância. Vejamos:
CAPÍTULO VIII
Da Averbação e do Cancelamento
Art. 246. Além dos casos expressamente indicados no inciso II do caput do art. 167 desta Lei, serão averbadas na matrícula as sub-rogações e outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro ou repercutam nos direitos relativos ao imóvel. (Redação dada pela Lei no 14.382, de 2022)
§ 30 Constatada, durante o processo demarcatório, a existência de domínio privado nos limites da terra indígena, a União requererá ao Oficial de Registro a averbação, na respectiva matrícula, dessa circunstância.
Verifica-se que a averbação possibilitaria que terceiros tenham consciência da situação, a fim de alertar potenciais adquirentes da área quanto ao risco de nulificação do título de propriedade, em momento futuro, na hipótese de edição de decreto homologatório.
Suficientemente postas às razões de direito e de fato assentadas na origem, dados ciência a este Ministério Público Federal, a questão é esclarecida de piano.
Conquanto a questão debatida no caso em comento diga respeito à alegação da FUNAI em preservar a demarcação das terras indígenas, à conta do lapso temporal transcorrido, é certo que a definição do próprio estatuto jurídico- constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena à luz das regras dispostas no artigo 231 do texto constitucional, tem íntima relação de dependência com o caso trazido à baila a este parquet.
De fato, a depender do que venha a ser decidido em sede constitucional no STF, é possível que sequer subsista o próprio direito à demarcação da totalidade das terras demarcada e NÃO HOMOLOGADAS, questão de ordem pública constitucional inafastável, já que, por exemplo, o marco temporal estabelecido na Constituição Federal poderá implicar a própria inexistência do direito de determinadas áreas à posse dessas terras, a depender da sua ocupação concreta ao tempo da promulgação da constituição.
Aliás, observe-se que a própria origem das alegações da FUNAI, decorre de área abrangida por efeitos de portaria do Ministério da Justiça, em que a necessária posse do grupo indígena ali relacionado, denotando que não havia povos indígenas na posse dessas áreas demarcadas, no Município de Palmeira dos Índios/AL.
Ademais, a construção do polo industrial é de suma importância para o desenvolvimento econômico do Município, inclusive a área foi escolhida por já ter na mesma localidade a maior indústria de laticínio da região.