Governo teve “inconsistências” em defesa dos direitos humanos, diz organização

Em relatório divulgado nesta quinta-feira (11/1), a Human Rights Watch (HRW) reservou todo um primeiro capítulo para a análise do primeiro ano do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo a organização, ainda que o governo tenha tido avanços na proteção da Amazônia e dos direitos das mulheres, por exemplo, não enfrentou de forma adequada o problema “crônico” da violência policial e não defendeu direitos humanos na política externa.

“O presidente Lula encerrou seu primeiro ano de governo apresentando inconsistências em matéria de direitos humanos”, disse César Muñoz, diretor da Human Rights Watch no Brasil. “Lula reverteu algumas políticas anti-direitos de seu antecessor, mas desafios significativos permanecem, inclusive o uso excessivo da força pela polícia, que afeta desproporcionalmente a população negra, e uma política externa que não promove os direitos humanos de maneira consistente.”

Lula, como aponta a entidade, não tomou medidas eficazes no enfrentamento a violência policial que afeta, majoritariamente, pessoas negras no país. “A polícia matou no Brasil mais de 6.000 pessoas todos os anos desde 2018. Mais de 80% das pessoas mortas pela polícia em 2022 eram negras. De janeiro a junho de 2023, a letalidade policial aumentou em 16 estados, em comparação com o mesmo período de 2022, segundo dados compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública”, afirma um trecho.

O documento reconhece que, embora governadores sejam responsáveis pela atuação das polícias estaduais, o governo federal deve desenvolver políticas públicas nacionais, bem como garantir que os recursos para segurança pública acompanhem a obrigatoriedade de redução de mortes causadas por ação policial. Além disso, o relatório faz uma recomendação, citando que o Plano Nacional de Segurança Pública está, atualmente, em processo de revisão.

“O plano deveria incluir metas e medidas concretas para reduzir as mortes pela polícia em todo o país”, indica a organização.

Diplomacia e relações internacionais

Na diplomacia, a organização apontou como positiva a defesa do governo por proteções mais robustas em relação ao direito à educação e pressionou por ajuda humanitária a civis na região de Gaza, durante os conflitos do grupo Hamas e Israel.

Porém, a Human Rights Watch ressaltou que Lula avaliou o enfraquecimento das instituições democráticas da Venezuela como uma “narrativa construída”, ainda que exista uma lista extensa de ações autoritárias e desrespeito aos direitos humanos por parte do governo de Nicolás Maduro.

“O presidente Lula prometeu que colocaria o Brasil de volta ao cenário internacional. Ele deveria usar o novo perfil global do Brasil, incluindo a participação no Conselho de Direitos Humanos da ONU, nos BRICS e na presidência do G20 em 2024, para promover os direitos humanos e condenar abusos, independentemente dos interesses geopolíticos ou da ideologia do governo responsável por violações”, disse o diretor da organização no Brasil.

A entidade avaliou como um erro a escolha de Lula de apontar Paulo Gonet para chefiar a Procuradoria-Geral da República (PGR). “No Brasil, essa independência [de atuação da PGR] era tradicionalmente preservada pela prática do presidente escolher o PGR a partir de uma lista tríplice de candidatos votados por procuradores da República de todo o país. No entanto, o presidente Lula seguiu o exemplo negativo de Bolsonaro ao escolher um nome fora da lista”.

Meio Ambiente

A entidade reconhece no Relatório Mundial 2024 que Lula reverteu políticas anti-ambientais, que chamou no documento de “desastrosas”, do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Durante o mandato do ex-presidente, o desmatamento da Amazônia aumentou em 53%, enquanto de janeiro a novembro de 2023, o desmatamento do bioma caiu 50% em comparação ao período em 2022, como indica o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Outro aspecto positivo destacado, foi que Lula teria despido o Planalto da postura anti-indígena de Bolsonaro, retomando a demarcação de terras indígenas e nomeando as primeiras lideranças indígenas para dirigir o recém-criado Ministério dos Povos Indígenas e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI). O relatório frisou também a “decisão histórica” do Supremo Tribunal Federal (STF) de rejeitar o uso da tese do marco temporal para a demarcação de territórios indígenas.

“O Supremo Tribunal Federal do Brasil confirmou os direitos de todos os povos indígenas às suas terras tradicionais, frustrando os esforços do estado de Santa Catarina de desafiar as reivindicações de terras do povo indígena Xokleng se eles não conseguissem provar que estavam fisicamente presentes nas terras em 5 de outubro de 1988, quando a atual Constituição Federal foi adotada. A decisão foi um enorme impulso para os povos indígenas na sua luta para preservar seu modo de vida. Foi também relevante na luta contra as mudanças climáticas, já que a demarcação de territórios indígenas tem se demonstrado repetidamente como uma das barreiras mais eficazes contra o desmatamento na Amazônia”, diz o levantamento.

“No entanto, a poderosa bancada ruralista do Congresso brasileiro reagiu, aprovando o projeto de lei do ‘marco temporal’ para limitar as reivindicações de terras indígenas, contrariando a decisão do Supremo Tribunal Federal. Posteriormente, o Congresso anulou o veto presidencial a esse projeto de lei. Grupos indígenas e outros afirmaram que apresentariam petições ao Supremo Tribunal para invalidar a lei”, completou.

Porém, o governo não conteve a destruição do Cerrado, onde, como indica o INPE, o desmatamento aumentou 41% até novembro passado e apresenta planos de aumentar “significativamente” a produção de petróleo e gás na próxima década — como demonstrou Lula, na Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP28) que o Brasil pretende juntar-se ao grupo OPEP+ de países produtores de petróleo como observador.

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