O mistério da aparição de Nossa Senhora em Pernambuco

Há 80 anos, Cimbres, região localizada no município de Pesqueira, Agreste do estado, se tornaria um dos poucos lugares do mundo a ser investigado como ponto de aparição de Nossa Senhora das Graças. A história sobrenatural é pouco conhecida entre os pernambucanos e teve início quando, em 1936, duas antigas moradoras afirmaram ter visto, no local que hoje é reconhecido como santuário do distrito, Nossa Senhora das Graças próxima a uma pedra. Até o ano seguinte, seriam realizados outros 40 registros, incluindo a formação de uma pequena fonte de água na pedra em que ela teria aparecido, como forma de provar à população a presença da santa. Uma das adolescentes pernambucanos que a teriam visto, inclusive, deve ter processo de beatificação iniciado em 2017.

O episódio chama a atenção dos fiéis e da própria Igreja Católica, que permitiu a celebração de missas e eventos religiosos na localidade. Oito décadas depois do primeiro registro, a região, antes dominada pelo medo causado por cangaceiros vindos de Alagoas com registros de roubos, assassinatos e incêndios, deu lugar à demonstração de fé.
Segundo o livro O Diário do Silêncio, de Ana Lígia Lira, que estudou e entrevistou uma das meninas que teriam visto as aparições, as garotas Maria da Conceição, 16, e Maria da Luz, 13, estavam conversando sobre o que fariam caso os cangaceiros voltassem. Quando questionada, a mais nova afirmou que Nossa Senhora protegeria as duas e, pela primeira vez, no dia 6 de agosto de 1936, perto de uma pedra, uma figura, que descreveram como luminosa, apareceu. “Quando as meninas perguntaram o nome da santa, ela respondeu: ‘Eu sou a graça’”, explica dom Rafael, que lançará um livro, ainda sem nome, em maio de 2016, comentando as 40 aparições na cidade e realizando análise histórica e teológica do ocorrido. Ao voltar para casa, as garotas contaram aos pais e eles chegaram a ir até o local, mas não conseguiram ver a santa. A história foi espalhada e as meninas, suas famílias e os padres que acreditaram na aparição chegaram a sofrer retaliações na cidade; “o pai de Maria da Luz chegou a ser preso”, conta a escritora e pesquisadora Ana Lígia.
As moças foram submetidas a exames psicológicos e declaradas “normais” pelo médico Lydio Parayba. A Igreja Católica também mandou que o padre alemão José Kehrle investigasse a história. “Ele foi muito inteligente. As meninas não eram alfabetizadas e, para ter certeza de que elas realmente estavam vendo a santa, fazia perguntas para que elas as repassassem para a santidade, em alemão e latim, e as meninas respondiam em português.
Ou seja, a santa mediava a conversa”, conta dom Rafael. Depois desses questionamentos, o padre Kehrle e o frei Estevão Rottiger, que confiou no relato, acreditaram que as meninas realmente tinham visto Nossa Senhora das Graças, conforme registros em diário do alemão. “Elas pediram um sinal para que as pessoas acreditassem nas aparições. Desde então, começou a sair água de dentro da pedra, como uma fonte, e sai até hoje”, explica a pesquisadora Ana Lígia. Considerado sagrado, o líquido é levado pelos fiéis. “Quando o padre Kherle pediu para as videntes perguntarem a Nossa Senhora para quê servia a água, ela respondeu que era para curar quem tivesse fé”, completa. Entre os pedidos da santa, estava justamente o da realização de festa religiosa no lugar, que se mantém como tradição local até hoje, sempre no mês de agosto, tendo, no dia 31, o ponto alto da celebração, que é quando acredita-se ter sido feito o pedido.

Uma história, três Marias: Graças, Conceição e Luz

Maria da Conceição, 16, e Maria da Luz, 13, teriam visto Nossa Senhora durante toda a vida. Logo após as aparições, Maria da Conceição foi forçada pelo pai a se casar, mas foi devolvida pelo marido porque não teria permitido a consumação do casamento: “Depois do ocorrido, passou a maior parte da vida vivendo como freira, se vestindo como uma e fazendo caridades, mesmo sem ser pois, além de ser pobre, era negra e não tinham negras nos conventos daquela época”, conta Maria das Neves, 70, que conviveu por 20 anos com Maria da Luz e que também ouvia dela as histórias da vida de Maria da Conceição.
Já Maria da Luz conseguiu alcançar o seu objetivo de ser freira. Como um dos pré-requisitos para entrar no convento era saber ler e escrever, o padre Kehrle resolveu ajudar e deu aulas para a garota. Quando entrou no convento, passou a chamar-se Irmã Adélia e sempre lutou e trabalhou pelo santuário. Além disso, as visões não se resumiram a 1936: “Ela viu Nossa Senhora até quando estava prestes a morrer, no hospital. Ela me contava as aparições, mas não gostava muito de perguntas. Eu a visitava todos os dias, no Colégio Damas, convento onde ela morava, e depois passei a ir três vezes por semana”, conta.
Relatos ainda afirmam milagres relacionados à Irmã Adélia, como a cura do filho de Maria das Neves: “Meu filho caiu do 5° andar e ficou em estado gravíssimo no hospital. Contei à Irmã Adélia e ela me falou que pediria e rezaria junto com Nossa Senhora pela vida dele e ele ficou curado”.
AnaLígiaLira/Cortesia
Irmã Adélia viveu boa parte da sua vida no convento do Colégio Damas
Falecida em dezembro de 2013, Irmã Adélia pode ser beatificada após reunião de provas de um milagre feito após sua morte e concordância da Congregação das Irmãs Damas. “Acredito na santidade da Irmã Adélia. O processo está sendo feito com serenidade, como exige a Igreja. No centenário da Diocese, em 2018, gostaríamos de oficializar”, garante o bispo do município, dom José Luiz.

O santuário

O local das aparições virou um santuário e até hoje atrai fiéis, principalmente, no mês de agosto, quando são realizadas as festividades, sendo o último dia do mês o ponto alto, já que é quando, acredita-se, teria sido quando a santa pediu para que o evento fosse feito. “Não tem uma data especifica de criação do santuário. As pessoas, simplesmente, começaram a chamá-­lo assim e tudo isso aconteceu em agosto de 1936”, explica a pesquisadora Ana Lígia.
Foto: AnaLigiaLira
Em 2015, a festa reuniu 8 mil pessoas. “Muitos religiosos comparecem à festa hoje em dia. Eles pernoitam aos pés da imagem colocada no local das aparições. Já outros, assim como eu, preferem ir lá em outra época, em busca de um lugar mais silencioso e sem tumulto”, conta Ana Lígia que, além de escrever o livro, também passou a frequentar o santuário.

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