Rock in Rio: as curiosidades do festival em 22 edições de sucessos, desistências e até casos de polícia
Não foram poucas as vezes em que o publicitário Roberto Medina, de 75 anos, pensou em desistir do Rock in Rio. Numa delas, chegou a ouvir do próprio pai, o empresário Abraham Medina (1916-1995): “Eu disse para ele não contar comigo. Já tínhamos feito o Frank Sinatra, o Barry White e o Julio Iglesias. Estava sonhando alto demais”, vociferou o patriarca da família Medina.
O dono da agência Artplan só não jogou tudo para o alto porque, em setembro de 1984, a caminho da reunião em que anunciaria o cancelamento do projeto, se deparou com três rapazes a bordo de um Passat branco. Eles desceram do carro e, na maior algazarra, agradeceram ao empresário pelo festival de música que estava por vir. Às lágrimas, Roberto Medina cancelou a reunião e levou o projeto adiante.
Trinta e oito anos depois, ele não se arrepende da decisão que tomou. Nem poderia. Prestes a estrear sua 22ª edição, a nona no Brasil, o Rock in Rio é um indiscutível sucesso. A partir de hoje, 670 artistas nacionais e internacionais vão se revezar em 250 shows para um público estimado de 700 mil pessoas. Só o Palco Mundo, o mais badalado dos oito espaços disponíveis, terá 28 atrações, como Iron Maiden, Justin Bieber e Ivete Sangalo.
“Um dos sonhos de consumo do Roberto Medina é fazer algo com o Roberto Carlos”, conta o jornalista Luiz Felipe Carneiro, autor de Rock in Rio: A História — Bastidores, Segredos, Shows e Loucuras que Marcaram o Maior Festival do Mundo (Globo Livros), que já foi a cinco edições (1991, 2001, 2011, 2013 e 2015) e, dos shows a que assistiu, elege o de Bruce Springsteen como seu favorito. “O melhor show da história do Rock in Rio”, empolga-se.
Há muito, o Rock in Rio deixou de ser apenas um festival de música. Virou livro, peça, filme, documentário… Foi exportado para outros países. Deu origem a mais de 50 produtos. E ganhou ares de parque de diversão. Não por acaso, mereceu o apelido de “Disneylândia do Rock”, dado por um habitué de seus palcos, o guitarrista Pepeu Gomes. Com sete edições no currículo, seis no Brasil e uma nos EUA, ele se apresenta dia 9 no Palco Sunset.
1. Número de edições
A edição que começa hoje é a 22ª do festival. Dessas, oito foram realizadas no Rio (1985, 1991, 2001, 2011, 2013, 2015, 2017 e 2019) e 13 no exterior. Lisboa sediou nove edições (2004, 2006, 2008, 2010, 2012, 2014, 2016, 2018 e 2022); Madri, três (2008, 2010 e 2012) e Las Vegas, uma (2015). Ao longo de 123 dias, 2,4 mil artistas se revezaram para um público de 10,4 milhões de pessoas. A recordista em participações é Ivete Sangalo: 15 vezes.
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2. Cachês
Para tocar na primeira edição, foram convidados 114 artistas. De Rolling Stones a The Who, de Michael Jackson a Phil Collins, de U2 a The Smiths. O primeiro a aceitar foi Ozzy Osbourne. O último, Iron Maiden. Dos 16 artistas internacionais, o maior cachê foi pago ao Queen: 1,2 milhão de dólares! Dos 15 nacionais, a Ney Matogrosso. Foi ele que abriu o Rock in Rio no dia 11 de janeiro de 1985, às 18h, ao som de América do Sul.
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3. Desistências
Em 1985, Men at Work, Def Leppard e The Pretenders desistiram de suas apresentações e foram substituídos por Rod Stewart, The B-52’s e Whitesnake. As desistências mais traumáticas foram as de Robert Plant, por medo da guerra do Iraque, em 2001, e Lady Gaga, por problema de saúde, em 2017. “O setlist enviado pelo cantor, dias antes do cancelamento, incluía Stairway to Heaven“, conta Luiz Felipe Carneiro, autor de Rock in Rio — A História.
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4. Escolhas
Para montar o line-up do festival, o publicitário Roberto Medina e sua equipe consultam desde pesquisas de mercado até redes sociais. Mas, o idealizador do Rock in Rio também dá seus pitacos na escalação. Às vezes, dá sorte. Caso de James Taylor, em 1985; Neil Young, em 2011, e Bruce Springsteen, em 2013. Outras, não. Ele bem que tentou, mas não conseguiu trazer o Rush em 2001, Simon & Garfunkel em 2011 e o Van Halen em 2013.
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5. Sem cachê
No Rock in Rio 2, George Michael e Prince ganharam o mesmo cachê: 1,5 milhão de dólares por dois shows. A título de comparação, Guns N’ Roses embolsou 1 milhão, New Kids on the Block, 250 mil; e A-ha, 150 mil. Houve quem aceitasse participar do festival sem receber cachê. Caso de Nenhum de Nós, Inimigos do Rei e Paulo Ricardo. O cantor Supla não se arrepende. Não recebeu nada, mas fechou contrato com a gravadora EMI-Odeon.
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6. Endereço
A Cidade do Rock já teve vários endereços. O primeiro deles, em 1985, foi um terreno de 250 mil metros quadrados, cedido pela Construtora Carvalho Hosken. O gramado correspondia a 12 campos de futebol. Em 1991, com a interdição do governador Leonel Brizola, o festival migrou para o Estádio do Maracanã. Desde 2017, acontece no Parque Olímpico. O novo local, de 385 mil metros quadrados, é duas vezes maior que o anterior.
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7. Parque de diversões
A partir da quarta edição, o Rock in Rio ganhou também um parque de diversões, com direito a roda-gigante (de 28 metros de altura) e montanha-russa (com tempo de espera de até três horas). A tirolesa de 200 metros de extensão fez sucesso até entre os artistas: Jared Leto, do Thirty Second to Mars; Ney Matogrosso, e will.i.am, do Black Eyed Peas, aprovaram. Já o rapper Drake proibiu o uso dela durante seu show, em 2019.
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8. Camarins
Os camarins são equipados, entre outros itens, com frigobar, dois sofás e três aparelhos de ar-condicionado. Os artistas internacionais gostam de customizá-los. Prince pediu que o seu fosse decorado na cor púrpura. George Michael solicitou à organização que providenciasse quatro palmeiras. Beyoncé fez questão de trazer de casa seus lustres de cristal. Janelle Monáe pediu dezenas de línguas de sogra e Justin Timberlake balas, chicletes e caramelos.
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9. Decoradores
O Rock in Rio já teve dois coordenadores de backstage: Amin Khader (em 1985, 1991 e 2001) e Ingrid Berger (desde 2001). Entre outras exigências, Rod Stewart pediu 12 bolas de futebol, Prince solicitou 50 seguranças e Britney Spears uma sósia para despistar fãs e repórteres. No quesito toalhas, George Benson exigiu 22 (11 pretas e 11 marrons), James Taylor, 70; REM, 100; e Prince, 200! Desde 2011, a organização compra 6,3 mil toalhas.
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10. Cardápio
Outro item que costuma dar dor de cabeça é o cardápio. Axl Rose convidou 15 funcionários, entre garçons, camareiras e seguranças, para saborear sua macarronada. George Michael pediu 20 pratos de comida kosher. Só consumiu um.
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11. Metaleiros
Diversos artistas foram hostilizados pelos metaleiros. “Dei graças a Deus quando acabou”, desabafou Erasmo Carlos na autobiografia Minha Fama de Mau. Os mais raivosos não se contentaram em vaiar e arremessaram garrafas plásticas e latas vazias no palco. “A gente não é palhaço pra ficar jogando lata nessa porra!”, bradou Lobão, em 1991. “Podem jogar o que quiserem. Sou da paz e nada me atinge”, rebateu Carlinhos Brown, em 2001.
12. Exigências
Antes de assinar contrato, alguns artistas impõem condições. Em 1985, o Iron Maiden não queria tocar na mesma noite que os Scorpions. Em 1991, o Guns N’ Roses não queria tocar no mesmo festival que o Poison. Freddie Mercury avisou que só entraria no camarim quando o caminho estivesse livre. Já Prince exigiu que, quando passasse pelo backstage, todos virassem de costas. O motivo? Chegou ao Rock in Rio de bobes no cabelo.
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13. Feridos
Em 1985, Bruce Dickinson, do Iron Maiden, e Rudolf Schenker, dos Scorpions, se feriram com guitarras. O alemão chegou a levar três pontos no supercílio. Já Mike Patton, do Faith No More, pulou na direção da plateia (o chamado “stage diving”) e se deu mal. Errou o alvo e se estatelou na grade de proteção. Fora do palco, Billy Idol sofreu uma crise de asma e precisou ser atendido às pressas por um otorrino. Só melhorou depois de fazer inalação.
14. Horários
Por contrato, o show de um headliner deve durar, no máximo, uma hora e quarenta. Mas, alguns extrapolam. Em 1985, o Yes fez um show de duas horas e vinte e cinco minutos e o INXS, em 1991, de duas horas e vinte. Nada comparado aos de Bruce Springsteen, em 2013, e do Guns N’ Roses, em 2015, que passaram de três horas. O mais curto foi o de Lobão, em 1991. Expulso do palco pelos metaleiros, seu show não passou de seis minutos.
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15. Homenagens
Volta e meia, um artista internacional presta homenagem à MPB no Rock in Rio. Em 1985, Klaus Meine, dos Scorpions, cantou um trecho de Cidade Maravilhosa. Em 2011, Kirk Hammett, do Metallica, dedilhou Samba de Uma Nota Só na guitarra. Na mesma edição, Stevie Wonder interpretou Garota de Ipanema em dueto com a filha, Aisha Morris. Do repertório de Jorge Ben Jor, Shakira selecionou País Tropical e Fergie, Mas que Nada.
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16. Toca Raul
Nenhum outro artista foi tão homenageado no Rock in Rio quanto Raul Seixas. Suas canções foram revisitadas por artistas de diversos gêneros: Daniela Mercury (Maluco Beleza), Titãs (Aluga-se), Elba Ramalho e Zé Ramalho (Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás), Detonautas Roque Clube (Metamorfose Ambulante)… Até Bruce Springsteen, acredite, arriscou-se num cover do roqueiro baiano, em 2013: Sociedade Alternativa.
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17. Inspiração
O Rock in Rio serviu de inspiração para diversos artistas. Depois de tocar no festival, em 1985, James Taylor compôs Only a Dream in Rio. “I was there that very day and my heart came back alive”, diz a letra. No caso do REM, a cidade-sede inspirou o título do 12º álbum de estúdio da banda, Reveal. Já George Michael conheceu seu futuro namorado, o estilista Anselmo Feleppa, na piscina do Copacabana Palace. Feleppa morreu em 1993.
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18. Idades
O cantor Aaron Carter foi o artista mais jovem a se apresentar no Rock in Rio. Em 2001, tinha apenas 13 anos. Seu show, de 20 minutos, foi totalmente feito em playback. Seu nome, a propósito, foi indicado pelo Backstreet Boys, a boy band de seu irmão, Nick. Já o artista mais experiente a se apresentar no festival foi Tony Tornado, de 85. Em 2015, ele foi um dos convidados do rapper Rappin’ Hood e da banda Ira!
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19. Casos de polícia
Em 2011, o show do Queens of the Stone Age virou caso de polícia. Por 20 minutos, o baixista Nick Oliveri se apresentou pelado. Conclusão: foi detido por atentado violento ao pudor. A gravadora Universal interveio e o músico acabou liberado. “Não sabia que não podia”, explicou. “No Carnaval, todo mundo aparece nu na TV”. A polícia apreendeu mais de 50 guarda-chuvas. Seriam usados na coreografia da música Umbrella, da Rihanna.
20. Sequestro
Em 6 de junho de 1990, por volta das oito da noite, o publicitário Roberto Medina foi sequestrado. Passou 15 dias nas mãos do traficante Maurinho Branco, em um cativeiro de dez metros quadrados, no bairro do Realengo, Zona Oeste do Rio. Foi solto no dia 21 depois de sua família pagar um resgate de 2,5 milhões de dólares. “Estou há 15 dias sem dormir e sem me alimentar”, declarou Medina, ao jornal O Globo. “Pensei que nunca sairia vivo”.
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21. Esportes
Nas horas vagas, os roqueiros, quem diria, gostam de praticar esportes. Santana é adepto do futevôlei e Dave Mustaine, do Megadeth, de surfe. Os músicos do Faith No More fizeram pesca submarina e os do Foo Fighters pularam de asa-delta. O guitarrista Dave Murray e o baterista Nicko McBrain jogaram golfe e o vocalista Bruce Dickinson, do Iron Maiden, treinou esgrima. Já Axl Rose saiu para correr às duas da manhã na praia do Pepino.
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22. Lugares inusitados
Quando não estão no palco, astros e estrelas do rock podem ser encontrados nos lugares mais inusitados. Prince visitou o Educandário Romão Duarte, Sting conheceu a Estação Primeira da Mangueira e Magne Furuholmen, do A-ha, assistiu a uma exposição no Museu de Arte Contemporânea (MAC), de Niterói. Slash, do Guns N’Roses, pegou a ponte-aérea rumo ao Instituto Butantã. O guitarrista cria mais de 80 espécies de cobras.
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