Campeão mundial pelo Corinthians, Índio volta a viver em aldeia Xucuru Kariri e hoje é professor
Da aldeia Índio saiu e, para a aldeia, Índio está de volta.
A fantástica história de José Satiro do Nascimento, 42, é tão rara quanto ver um índio comandando uma grande empresa ou sentado em uma cadeira do Congresso Nacional para representar o seu povo. Provavelmente você o conhece apenas como Índio, famoso por ter conquistado o bicampeonato brasileiro em 1998 e 99 e o Mundial de Clubes de 2000 vestindo a camisa do Corinthians.
Um cidadão brasileiro que lembra outra personalidade gigante do futebol: Mané Garrincha. Ambos venceram no esporte mesmo sendo pessoas extremamente simples e ingênuas; eram também pobres; atuavam pela linha direita, pela lateral dos gramados…
Claro que não se compara aqui a genialidade com a bola nos pés, mas Índio sempre foi um cara de muita força, dedicado e disciplinado, em um time tão técnico quanto uma seleção brasileira.
Como o “Anjo das Pernas Tortas”, Índio nasceu praticamente no mato, em Palmeira dos Índios, Alagoas. Por lá, começou, ainda criança, a vida dura na roça. Trabalhou plantando e colhendo feijão, melancia, melão, entre outros, para vender na feira.
Mas um conflito entre o Cacique, o pai que também levava o nome de José Sátiro, com um sobrinho que pretendia plantar maconha na aldeia, acabou quase que gerando uma tragédia em família. Índio lembra que o primo, contrariado com o tio, depois de uma discussão, deu um tiro na cara do Cacique, que, por sorte, perdeu apenas um olho e não a vida.
Por causa do conflito, parte dos Xucuru Kariri foi parar numa reserva indígena em Paulo Afonso, no interior da Bahia. Foi lá que Nena Goiaba – assim era o apelido do futuro jogador Índio na aldeia – começou a dar seus primeiros passos com a bola, rumo a um futuro mais profissional.
Por intermédio de uma peneira, feita pelo Vitória em Paulo Afonso, Índio conseguiu entrar em definitivo para o mundo do futebol, mesmo no meio de uma concorrência de 600 garotos. Foi aprovado e convocado a morar na capital baiana, para começar uma promissora carreira, mesmo a contragosto – Índio não queria ficar longe da família, mas foi.
Participou de alguns jogos e logo chamou a atenção do Corinthians, que o contratou aos 17 anos para suas categorias de base. Índio lembra que ganhava R$ 1.500,00 por mês e que ali sua vida começava a ter uma transformação inimaginável.
Morando em São Paulo e prestes a estrear no profissional, Índio voltou, depois de dois anos, a aldeia Xucuru Kariri para visitar sua família em Paulo Afonso.
Abaixo está parte da reportagem dos canais ESPN acompanhando o índio mais famoso do Brasil, à época, revisitando os pais, acompanhado pelos jornalistas Roberto Salim e Ronaldo Kotscho, registrando cada passo do jogador do Corinthians, no “Histórias do Esportes”, da ESPN Brasil.
Histórias do Esporte registrou a festa que os Xucuru Kariri fizeram para recepcionar Índio em 1998
À época, o pai José Sátiro ainda era vivo, e ele, ao lado da mãe Josefa, contaram como era a dura luta de sua família no meio da roça, no sol escaldante do Nordeste, e a habilidade que eles precisavam ter para fugir das picadas das muitas cobras venenosas que dividiam as terras com eles.
Mas a estada deles na Bahia não durou muito. Por causa de um conflito de terra. Um dos irmãos de Índio, Jãnio Erunflávio se meteu em uma confusão com supostos grileiros, e uma segunda tragédia marcou a família, com o irmão assassinando esse suposto invasor das terras dos Xucuru Kariri.
O resultado desse conflito foi que a Funai (Fundação Nacional do Índio) mais uma vez entrou em cena para transferir os Xucuru Kariri para uma outra terra do Governo Federal, distante da disputa.
Há 20 anos, os familiares de Índio e outros 150 Xucuru Kariri vivem numa área de 40 alqueires próximo à cidade de Caldas, no sul de Minas Gerais.
Por lá, alguns índios plantam e criam algumas vaquinhas que produzem leite para as crianças da aldeia. Metade do terreno, 20 alqueires são de mata nativa, preservada, onde os índios volta e meia fazem seus cultos religiosos. Alguns duram dias, semanas e até um mês, dependendo do problema que enfrentam, de saúde ou espiritual.
“Eu só digo que, com todo o respeito pelas pessoas, quem pensa que índio é preguiçoso, não gosta de trabalhar e que é vagabundo, são essas pessoas que devem ser assim. Sabe por quê? Porque o índio precisa de condição para sobreviver, precisa de oportunidade para trabalhar e estudar. O índio derrama seu suor para manter os seus filhos alimentados e não ver suas crianças morrendo de fome”, desabafou Josefa, a mãe de Índio.
Na reportagem especial “Vida de Índio”, que está disponível pela ESPN no Star+, você vai conferir como vive hoje José Sátiro do Nascimento, o filho de José Sátiro do Nascimento, o pai que faleceu com problemas no pulmão em agosto de 2015. São imagens e histórias espetaculares de um povo que luta para sobreviver, mantendo suas culturas e tradições, milenares, sempre vivas.
Na aldeia que mais parece uma cidadezinha, fomos recebidos por cerca de 80 índios com música e dança. Formaram uma roda em volta de nossa equipe, que eles chamam de “toré” para nos recepcionar com boas-vindas e muita proteção.
Foram dois dias de muito aprendizado ao lado de um povo que realmente pensa na coletividade. Um povo que trabalha dentro e fora da aldeia para criar suas crianças e não se esquecer de suas raízes.
Na aldeia, além das casas populares, existem quadra esportiva, onde Índio dá aula de futebol para as crianças e jovens; escola de ensino fundamental e da língua indígena; posto de saúde com enfermeira 24 horas por dia e um médico, o doutor Alex Queiroz, um profissional da saúde apaixonado pela cultura dos povos indígenas e que enumera os aprendizados que tem na aldeia.
“A simplicidade. Não olhar só para as coisas materiais. Olhar e dar mais valor à família, honrar seus ancestrais, eles vivem disso. Eles vivem da lembrança, de cultivar a cultura e os ensinamentos são passados de pai pra filho. E é isso que nós estamos deixando de aprender”.
No tempo em que passamos na aldeia, também registramos histórias saborosas de um índio que conheceu o mundo da perdição do futebol – ainda mais tendo como anjo da guarde (e capeta) Vampeta, outro ídolo daquele Timão que ganhava tudo no final dos anos 90, início dos 2000.
Histórias de farras com baladas e mulheres, até passagens com atravessadores que tiraram muito dinheiro de um cara que veio da aldeia e que agora, como filho bom, a casa torna.
“Hoje eu fico aqui, sou professor da escolinha. Trabalho dando aula e ganho bem, não ganho mal não, viu. Para mim está bom demais, pois estou trabalhando ao lado da minha família e ajudando ainda mais a aldeia que contribui muito para construir quando eu era jogador.”
Vida de Índio, mais que um programa jornalístico, é uma aula de como esse povo vive e resiste há 522 anos ao preconceito e às mais cruéis adversidades.
Fonte: ESPN
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