Cadernos desaparecidos de Darwin são recuperados após 22 anos
A biblioteca da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, anunciou ter recuperado dois cadernos que tinham pertencido ao naturalista Charles Darwin (1809-1882) e estavam desaparecidos há mais de 20 anos.
Conhecidos como “Caderno B” e “Caderno C”, eles documentam partes importantes do raciocínio que levou Darwin a desenvolver os pilares da teoria da evolução, como a adaptação de animais e plantas a seu ambiente natural e a ascendência comum de todos os seres vivos.
A imprensa internacional tem comparado a misteriosa história do sumiço e da reaparição dos manuscritos a um enredo de Dan Brown, autor de “O Código Da Vinci”.
No final do ano 2000, os cadernos, que lembram blocos de notas modernos, foram tirados do local onde estavam armazenados e fotografados. No começo do ano seguinte, a equipe da biblioteca se deu conta de que a caixinha dentro da qual os textos ficavam guardados não tinha sido colocada de volta no lugar correto, mas a reação inicial foi achar que se tratava de um simples caso de distração -ela poderia ter ido parar em outro local por engano.
Entretanto, após muitas buscas, acabou ficando claro que os cadernos não estavam mais na instituição. Em 2020, a diretora de serviços de biblioteconomia da universidade, Jessica Gardner, entrou em contato com a polícia britânica e a Interpol (órgão de cooperação entre os serviços policiais do mundo todo) sobre o desaparecimento.
Gardner lançou um apelo para que os documentos fossem recuperados -e esse apelo parece ter sido respondido em 9 de março, quando uma sacola de presentes de cor rosa foi deixada no chão do quarto andar da biblioteca, numa área pública onde não há câmeras de monitoramento.
A sacola continha a caixa original da biblioteca, dentro da qual estavam os cadernos, embalados com plástico, e um recado dizendo “Bibliotecária, feliz Páscoa. X”.
Gardner ainda precisou esperar cinco dias pela permissão da polícia para retirar o plástico e confirmar que aqueles eram mesmo os blocos de notas originais. Ainda não há pistas sobre a identidade do ladrão, mas os documentos estão em bom estado, segundo a equipe de Cambridge.
Apelidados por Darwin de cadernos sobre “transmutação” (o termo “evolução” ainda não era empregado no sentido que ganharia entre os biólogos), os manuscritos datam dos anos de 1837 e 1838, pouco depois da viagem do naturalista pelo mundo a bordo do navio HMS Beagle.
As observações de Darwin durante a jornada, mapeando fósseis e animais nativos de locais como o Brasil, os pampas da Argentina e as ilhas Galápagos, no Pacífico, estimularam o jovem pesquisador a formular explicações para o surgimento das espécies mundo afora.
É nesse contexto que, praticamente pensando no papel, ele esboçou no “Caderno B” um diagrama que acabaria se tornando um dos ícones da biologia evolucionista. No alto da página, Darwin escreveu simplesmente “I think” (“Eu acho”) e, embaixo, uma estrutura semelhante ao tronco e aos galhos de uma árvore em constante ramificação, cujas pontas corresponderiam às espécies atuais, unidas no passado por ancestrais comuns.
“A árvore da vida talvez devesse ser chamada de coral da vida, [pois a] base dos ramos está morta”, escreveu ele então, fazendo referência ao fato de que os corais, conforme crescem, apoiam-se em esqueletos calcários que vão formando os recifes.
O “Caderno B”, de capa vermelha, revela também a influência do avô do naturalista, Erasmus Darwin, que havia especulado sobre a evolução dos seres vivos no século 18 -no começo das anotações Darwin colocou o título “Zoönomia”, nome de uma das obras de Erasmus.
Os textos do manuscrito mostram ainda a busca de uma conciliação entre as ideias de transmutação das espécies ao longo do tempo e a ação de Deus -na época, Darwin se considerava cristão e ainda não se tornara agnóstico.
Para ele, a evolução permitiria que o Criador agisse de forma indireta sobre os seres vivos, estabelecendo leis naturais que levariam ao surgimento de novas espécies, um método que, para Darwin, seria “muito mais simples & mais sublime” do que a criação direta e instantânea dos seres vivos.
Ele também observa, no mesmo caderno, que o orgulho humano era um obstáculo ao reconhecimento da origem em comum com os animais. “Aos animais, a quem fizemos nossos escravos, não nos apraz considerar nossos iguais”, escreve ele.
No “Caderno C”, Darwin amplia algumas dessas observações, ao mesmo tempo em que revela os preconceitos raciais de sua época, ao falar da semelhança entre os grandes símios e os seres humanos considerados “primitivos”.
“Que o homem visite o orangotango domesticado, ouça seus lamentos expressivos, veja a sua inteligência, depois observe o selvagem, nu, sem artes, sem melhoramentos, mas capaz de ser melhorado & ele que ouse se vangloriar da sua proeminência orgulhosa”, comenta ele.