Abraçadores: pessoas pagam quase R$ 400 por uma hora de carinho de estranhos

Abraçar desconhecidos por dinheiro. Pode parecer estranho, mas os registros dos chamados ‘professional cuddlers’ estão na internet pelo menos desde 2015. O termo tem uma tradução difícil porque não encontra um equivalente direto em português. Em inglês, a palavra “cuddler” pode significar carinho, carícia, mimo, afago, amante ou mesmo ser adjetivo para algo fofo. Todos esses significados tangenciam o que é essa atividade econômica, sem chegar, de fato, ao que os relatos dizem que essas pessoas são: abraçadores profissionais.

Recentemente, uma entrevista da britânica Kristiina Link ilustrou muito bem como esse trabalho funciona. “Em 2019, eu estava sentindo falta do lado carinhoso e afetuoso de um relacionamento depois de ficar solteira. Pensei que deveria haver um serviço onde as pessoas se ajudassem e se abraçassem – é um pouco como Uber para carinho”, disse ao jornal The Mirror em 2 de fevereiro de 2022.

A conversa foi um sucesso local e serviu, inclusive, para que Kristiina divulgasse seus serviços. “Eu nunca tinha ouvido falar da terapia de toque antes de ler a entrevista de Kristiina no jornal. Decidi, imediatamente, começar com a terapia e, tendo vivido essa experiência, posso dizer que ela é uma das melhores ferramentas para trazer calma alegria e conectividade”, diz um relato compartilhado pela ‘abraçadora’ no perfil ‘touchunwind’, que a autointitulada terapeuta usa como forma de contato no Instagram.

Receber carinho físico de alguém é considerado terapia – Kristiina esclarece que não é psicóloga ou qualquer outra concepção mais tradicional de terapeuta. Os resultados do tratamento que ela aplica, entretanto, estão alicerçados em uma informação muito difundida por pesquisas científicas recentes: o contato físico está relacionado à liberação de um hormônio chamado ocitocina, o hormônio do amor.

Fisiologicamente, a substância está ligada às contrações uterinas na hora do parto, à liberação de leite durante a amamentação e à sensação de bem estar depois de um orgasmo. Socioemocionalmente, essa molécula está associada a uma redução nos níveis de estresse, maior conexão entre casais, a primeira onda de amor dos pais em relação aos filhos recém-nascidos e a um maior comprometimento ético e moral dentro de grupos.

“No meu trabalho, vejo muitas pessoas que estão se sentindo isoladas por causa da pandemia, bem como aquelas que estão de luto e precisam de conforto físico”, contou a abraçadora. Para que tudo funcione bem, ela cria um ambiente em que o cliente possa se sentir à vontade, conversa antes sobre possíveis desconfortos em relação a áreas de toque e aconchega as pessoas em um ambiente com música para meditação e uma grande cama de casal.

“Começo tocando música calmante, segurando as mãos e encorajo a respiração profunda para que eles se sintam presentes no momento. Nós nos abraçamos em várias posições, como ficar em pé e de conchinha, mas eu mudo a posição a cada 15 minutos, caso contrário os braços ficam doloridos e as pessoas precisam se alongar”, detalha. Ela explica que “é importante que as pessoas sintam que estão em um espaço seguro e foram conectadas com a pessoa certa”.

Abraço pago, sem apego nem conotação sexual – Os preços, obviamente, variam conforme o país em que o cliente está e os profissionais contratados. Mas associações dos Estados Unidos e Canadá falam em um pagamento médio de US$ 85 por hora. Nos arredores de Londres, a mulher de 30 anos cobra cerca de 170 libras por cada sessão de três horas. Se quiser uma hora, o cliente paga £65.

Kristiina garante que fatura £1.500 por mês com os atendimentos. Os valores são equivalentes a R$ 396, R$ 1.039, R$ 396 e R$ 9.174, respectivamente, na cotação do dólar e da libra desta terça-feira (5/4). A terapeuta diz que costuma dar descontos progressivos aos clientes, mas se preocupa se eles não parecem melhorar entre as sessões ou se aparentam estar criando algum tipo de vínculo com ela.

“Meus clientes entendem que o aconchego é uma forma de terapia de toque plutônico, no entanto, tive clientes regulares que vêm todas as semanas e às vezes vejo isso como um sinal de que eles estão apegados”, conta. Para evitar esse tipo de coisa, ela tenta deixar o processo bem claro durante a entrevista inicial e recomenda que as pessoas também frequentem terapias convencionais, que Kristiina chama de ‘terapia de fala’.

“É importante que as pessoas venham para a sessão com a intenção certa e na consulta, eu me certifico de que a terapia de abraço é certa para elas”, conta. Além disso, há uma preocupação com o tempo máximo das sessões, já que um contato tão intenso com outras pessoas pode levar a desconfortos físicos. “Três horas é a duração ideal para um abraço, pois mais do que isso pode levar à sonolência, dores de cabeça e até desidratação. Muito de qualquer coisa não é bom para você e isso também vale para abraçar”, diz.

A britânica conta que tem uma gama variada de clientes. Todos precisam estar acima dos 18 anos de idade, mas a maior parte tem entre 30 e 40 anos. Há pessoas solteiras e que precisam de apoio para se sentirem menos solitárias, mas também quem esteja em um relacionamento e tenha algum bloqueio com contato físico. Esses pacientes usam as sessões para aprender a se conectar melhor com os parceiros, explica ela.

Essa profissão também pode causar confusão e atrair pessoas que buscam sexo pago. “Ainda é um conceito relativamente novo, então algumas pessoas ficam confusas sobre o que realmente é a terapia de abraço — era o mesmo para massagens profissionais cinquenta anos atrás”, conta a terapeuta do abraçadora.

Kristiina lembra que, no começo, a própria mãe tinha medo do risco que ela poderia estar correndo. “Ela então viu como isso estava me deixando feliz e que eu estava indo muito bem em um espaço seguro. Hoje em dia, há uma grande comunidade em Londres e está se tornando mais normalizada, então as pessoas estão ficando mais curiosas sobre os benefícios do toque de cura”, complementa.

Embora possa parecer uma excentricidade, a proliferação de organizações profissionais como a estadunidense Cuddle Sanctuary apontam que essa profissão veio para ficar. Ainda que as publicações dessas organizações garantam que a pandemia tenha reduzido em muito a demanda, o cenário parece ser de crescimento para eles. Afinal, as grandes perdas emocionais dos últimos anos deixaram para trás um rastro de casos de depressão, ansiedade e outros transtornos.

 

 

 

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