Prefeito investigado em SP pede para mulher parar de comprar roupa de grife após gastar R$ 1,5 mi em única loja
Imagens obtidas pelo g1 nesta sexta-feira (1º) mostram conversas trocadas em um aplicativo de mensagens entre o prefeito de Guarujá, no litoral de São Paulo, Válter Suman (PSDB), sua esposa Edna Suman, e supostos beneficiários de um possível esquema de desvio de dinheiro público apurado pela Polícia Federal.
A Justiça Federal determinou que Suman deve usar monitoração eletrônica, assim como alguns dos outros investigados da 2ª fase da Operação Nácar. O chefe do Executivo municipal já foi afastado do cargo.
Os prints das conversas constam no inquérito da Polícia Federal, que foi obtido pela TV Tribuna, afiliada da Rede Globo, e mostram o chefe do Executivo municipal falando da movimentação de alta quantia em dinheiro com outros políticos, familiares e conhecidos, todos investigados durante a operação. A ação apura possíveis fraudes em contratações nas áreas da Saúde e da Educação, realizadas pela Prefeitura de Guarujá.
Em algumas das conversas analisadas pela PF, a primeira-dama pede dinheiro para o ex-secretário de Educação, Marcelo Nicolau, que foi preso em flagrante junto com Suman na 1ª fase da operação, por lavagem de dinheiro. Ele estava em posse de aproximadamente R$ 1,7 milhão. A investigação apurou que ele era o operador da propina, e responsável por diversos contratos públicos indevidos.
Nas conversas, Edna manda Nicolau receber valores de Almir Matias – empresário suspeito de firmar contratos superfaturados com a prefeitura na área da Saúde. Na mensagem, ela diz: “O Valter pediu para você ir pegar com o Almir 50. E de lá a gente vai embora. Vou avisar ele”.
Edna ainda pede para Nicolau acertar os valores com a empresa Monte Azul, que também é investigada por fraude em contratações com a Secretaria de Educação. Ela escreve: “Marcelo, perguntei ao Valter o valor da Monte Azul. Disse que não tratou valor, que iria acertar com você”. Em outra mensagem, ela conclui: “Vai ficar a seu critério”.
Ainda sobre as conversas entre os investigados, a Polícia Federal destaca um trecho em que Válter Suman diz à esposa para tomar cuidado, porque Almir estaria sendo monitorado pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
O prefeito pergunta: “Já pegou?”. Edna responde: “Sim”. Em seguida, Suman manda Edna pedir para Nicolau mais 50 com Almir. E afirma que o Gaeco está monitorando o empresário em Pernambuco. O prefeito ainda acrescenta: “Todo cuidado é pouco”.
Em outro trecho, Suman pede para a esposa não fazer compras no cartão de crédito: “Edna, evite fazer compras desses valores. Estão sendo monitorados os gastos. Ainda mais em lojas de grife. Pague em dinheiro”.
Gastos altos
A investigação também apurou os gastos do prefeito e da esposa nos últimos dois anos. De acordo com planilha e extratos de declarações que acompanham o processo, o casal gastou mais de R$ 1,5 milhão apenas em uma loja de roupas. E em duas lojas de joias, teriam gasto mais de R$ 1 milhão.
Além disso, segundo a PF, recentemente o casal comprou dois apartamentos em Campos do Jordão (SP), com custo aproximado de R$ 700 mil. Os imóveis estão registrados em nome dos filhos, e em um deles, foram gastos R$ 300 mil em reformas.
Investigações
A investigação da PF aponta a existência de, pelo menos, duas organizações criminosas, que atuavam e ainda atuam na prefeitura, desviando recursos públicos mediante fraude em contratações públicas e lavagem de dinheiro.
Segundo a PF, a primeira organização criminosa seria chefiada por Suman e pela esposa dele, e era operacionalizada pelo então secretário de Educação, Marcelo Nicolau. A investigação aponta que eles, junto com outros envolvidos, fraudavam contratações públicas, negociando vantagens indevidas com empresários.
A Polícia Federal detectou, também, que os processos de licitação eram fraudados por meio de direcionamento, dispensa e até contratação emergencial, fora do previsto na lei. Segundo a PF, outras pessoas eram usadas para ocultar os valores recebidos, e até pessoas contratadas pela prefeitura eram laranjas.
Além disso, as investigações apontam que a prefeitura tinha o apoio do Legislativo. Os acordos seriam realizados mediante pagamento de vantagens indevidas, em espécie, ou com o loteamento de cargos em empresas que prestam serviço à prefeitura.
A segunda organização criminosa seria chefiada por Almir Matias. A investigação aponta que as contratações firmadas entre o empresário e a prefeitura eram superfaturadas, e a organização repassava recursos por serviços não prestados para empresas fantasma, algumas até controladas por Matias.
Marcelo Nicolau seria, então, o homem que cuidava do recebimento e repassava os recursos para o prefeito e a primeira-dama. Com ele, a PF encontrou contratos já com o valor da propina inicial de negociação e o quantitativo em percentagem referente às vantagens indevidas a serem pagas mensalmente pelas empresas.
Para chegar aos suspeitos, a Polícia Federal analisou documentos, computadores e celulares de todos os envolvidos, após a primeira fase da operação, em setembro de 2021.
Em nota, o advogado José Eduardo dos Santos, que representa Almir Matias e a esposa dele – também investigada -, afirma que acompanha as investigações e aguarda o relatório final da autoridade policial, para que, assim, possa manifestar-se. O g1 tenta localizar os advogados dos outros investigados, mas não teve retorno até a última atualização desta reportagem.
2ª fase da operação
De acordo com o apurado pelo g1, foram alvos da operação endereços residenciais do prefeito, além dos Paços Raphael Vitelo e Moacir Santos Filho e da Câmara Municipal de Guarujá. Segundo a Polícia Federal, a investigação tem como objetivo o combate a possíveis crimes de corrupção, desvios de recursos públicos e outros crimes correlatos envolvendo verbas federais.
Um dos endereços do prefeito Válter Suman fica em um condomínio localizado na Avenida Marechal Deodoro da Fonseca, próximo à Praia de Pitangueiras, em Guarujá.
Os 55 mandados de busca e apreensão foram cumpridos em Guarujá, Santos, São Vicente, São Bernardo do Campo (SP), Carapicuíba (SP), São Paulo (SP), Campos do Jordão (SP) e Brazópolis (MG), com a participação de 225 policiais federais e três auditores da CGU. Do total de mandados, 33 foram cumpridos em Guarujá.
Ainda de acordo com a PF, dentre as medidas determinadas pela Justiça Federal, estão o bloqueio de mais de R$ 110 milhões de bens e valores de envolvidos, além do afastamento de ocupantes de cargos comissionados e eletivos de suas funções, sendo que os mesmos podem responder pelos crimes de peculato, corrupção ativa e passiva, fraude em licitação, organização criminosa e lavagem de dinheiro. As penas, se somadas, podem variar de 12 a 46 anos de prisão.
Em entrevista coletiva, os delegados da Polícia Federal à frente da ação informaram que foram feitos, pelo menos, seis pedidos de afastamento. “Foram apreendidos dinheiro em espécie, veículos de luxo e documentação que será analisada no proceder da investigação”, disse o delegado da PF Rafael Astini.
Segundo Marcio Xavier, delegado da Polícia Federal da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado, a primeira fase da operação resultou na apreensão de cerca de R$ 2 milhões, e o valor desta segunda fase ainda está sendo contabilizado. Ainda de acordo com o delegado, prisões e novas buscas são descartadas nas próximas semanas.
A Prefeitura de Guarujá informou que, ante o afastamento liminar de Suman, a vice-prefeita, Adriana Machado, assume provisoriamente a função de prefeita em exercício.