Diretora de escola investigada por vídeos de maus-tratos a crianças é considerada foragida da Justiça
A diretora da escola infantil particular da Zona Leste de São Paulo investigada por vídeos que mostram maus-tratos a crianças passou a ser considerada foragida da Justiça depois da decretação da sua prisão temporária, na última terça-feira (22).
Roberta Regina Rossi Serme, de 40 anos, que também é uma das sócias proprietárias da Escola de Educação Infantil Colmeia Mágica, na Vila Formosa, é investigada por suspeita de maus-tratos, periclitação de vida, que é colocar a saúde das crianças em risco, submissão delas a vexame ou constrangimento e tortura.
Vídeos que começaram a circular neste mês nas redes sociais mostram bebês amarrados com lençóis e chorando num banheiro da escolinha. As crianças aparecem com os braços imobilizados, presas em cadeirinhas de bebês embaixo de uma pia e próximas a uma privada. A Colmeia Mágica foi fundada em 2002 e atende crianças 0 a 5 anos, do berçário ao ensino infantil.
Até a última atualização desta reportagem, Roberta não havia sido presa ou se entregado à polícia. A investigação foi a três endereços ligados à diretora e não a encontrou neles.
O g1 não conseguiu falar com a defesa de Roberta para comentar o assunto até esta quarta (23). Num áudio gravado por uma das mães de alunos durante reunião com os pais das crianças na escolinha, no último dia 11 de março, a diretora havia se defendido, dizendo: “Denúncia completamente descabida e com coisas sem contexto”. O áudio foi divulgado neste domingo (20) pelo Fantástico.
Em seu depoimento à polícia, Roberta negou que tenha amarrado ou mandado alguém amarrar as crianças que aparecem nos vídeos.
Defesa diz que cenas foram forjadas
Em outras ocasiões, André Dias, advogado da diretora, chegou a negar à imprensa que sua cliente tenha amarrado ou mandado amarrar os bebês. Alegou ainda que alguém de dentro da escola, possivelmente alguma funcionária descontente, forjou a cena para prejudicar a direção.
“Considerando que a Justiça determinou o sigilo das investigações, algumas informações ainda não podem ser divulgadas. Por exemplo, a pessoa que efetivamente gravou esses vídeos, montou aquela cena pra fazer a gravação dos vídeos, e também ainda não podemos divulgar o apoio externo que essa pessoa recebeu pra fazer a confecção desses vídeos”, disse André, na semana passada ao Jornal Nacional.
“A escola reconhece os alunos, o ambiente, aparentemente é dentro da escola”, falou André. “Porém as circunstâncias com que os vídeos foram gravados não condizem com a realidade da escola. Foi feito sem nenhum conhecimento por parte das diretoras, das demais professoras.”
Em entrevista ao Fantástico, o advogado ainda criticou a forma como a polícia vem conduzindo os depoimentos dos funcionários da escola. “A professora diz assim: ‘Gente, quando eu pedi que eu queria ler aquele documento, me disseram, ó, você assina isso aí, fica quietinha'”, falou André.
Por meio de nota, divulgada pela assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública (SSP), a Polícia Civil informou que “é pautada pelo respeito às leis.” E que “declarações infundadas não impedirão que o trabalho seja concluído e encaminhado ao Ministério Público [MP] e à Justiça.”
Prisão temporária
Foi a Polícia Civil que pediu a prisão de Roberta. O Ministério Público concordou com o pedido e a Justiça a decretou, expedindo o mandado de prisão temporária de 30 dias. Ainda na terça policiais foram até a casa da diretora e outros dois endereços ligados a ela para tentar prendê-la, mas a mulher não estava nos locais.
Procurado nesta quarta para comentar o assunto, o MP informou por meio de nota que “as investigações prosseguem” e que não poderia dar mais detalhes porque “o caso corre em segredo de Justiça”.
“Esse desdobramento, da decretação das prisões, era esperado, em razão da gravidade dos crimes e da repercussão dos fatos. Com a prisão da dirigente da escola, possivelmente, outras ex funcionárias, mães e pais, acabem procurando a polícia para prestarem depoimentos, sem se sentirem temerosas de possíveis ameaças e retaliações”, disse o advogado Ariel de Castro Alves, advogado, Membro do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais.
A Central Especializada de Repressão a Crimes e Ocorrências Diversas (Cerco) da 8ª Delegacia Seccional investiga se mais pessoas que trabalham dentro da escola podem ter participado dos maus-tratos aos alunos.
A polícia quer saber, por exemplo, quem amarrou os bebês ou quem ordenou que eles fossem amarrados. E busca identificar quem gravou o vídeo. Dezenove pessoas já foram ouvidas no inquérito, sendo 12 pais de alunos e sete funcionários da escolinha, incluindo professoras, empregadas e a diretora. Mais 21 pessoas serão ouvidas nesta semana.
Professoras acusam diretora
Os vídeos das crianças amarradas e chorando chegaram à investigação há três semanas, quando foi aberto inquérito para apurar a denúncia e tentar identificar eventuais responsáveis pelos crimes.
Professoras ouvidas pelo g1 e que prestaram depoimentos na delegacia que investiga o caso disseram que eram orientadas por Roberta a amarrar os bebês no banheiro para eles não serem ouvidos chorando por quem passava pela rua. Há relatos de testemunhas de que a própria diretora amarrava os bebês.
Além das filmagens e depoimentos da professoras e funcionárias, mães contaram aos policiais que seus filhos chegavam em casa com ferimentos pelo corpo. Um deles chegou a ser internado por dois dias com falta de ar em 2021. As fotos das lesões e internação da criança foram encaminhadas à polícia para análise. O g1 também conversou com algumas dessas mulheres que confirmaram o que disseram à investigação.
Outros casos
A Cerco da 8ª Delegacia Seccional ainda levantou pelo menos mais três boletins de ocorrência de casos envolvendo a escola ou a diretora.
A investigação pediu a reabertura de um inquérito de 2010, quando uma bebê de 3 meses morreu após sofrer parada cardiorrespiratória no berçário da creche. Ela ainda foi levada pela diretora a um hospital, onde a morte foi confirmada. O caso foi investigado como “morte suspeita” e arquivado pela Justiça à época depois que o laudo necroscópico indicou que ela morreu por “broncoaspiração”.
Além desse caso, um registro policial de 2014 feito o como “vias de fato” também foi arquivado. À época a mãe de um aluno de 2 anos acusou Roberta de arranhar seu filho no rosto e as duas acabaram brigando. A mãe ainda gravou um vídeo do menino dizendo que a diretora o havia agredido (veja abaixo).
Em 2017, Roberta foi acusada por uma adolescente de 14 anos de xingá-la na rua.
*Gazeta web