Goleiro da seleção Gylmar dos Santos Neves foi despachante da ditadura militar em São Paulo, diz ex-deputado
O goleiro bicampeão mundial pela seleção brasileira de futebol, Gylmar dos Santos Neves, trabalhou como despachante para a ditadura militar, segundo relato do ex-deputado estadual e presidente da Comissão da Verdade de São Paulo, Adriano Diogo.
A revelação foi feita pelo jornalista Juca Kfouri e confirmada ao g1 por Diogo.
Estudante de Geologia na USP e participante do movimento estudantil, Adriano Diogo foi preso pela Operação Bandeirantes (Oban) em 1973, quando tinha 23 anos.
Durante o período de 90 dias que ficou detido no Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), na Rua Tutoia, na Zona Sul da capital paulista, Diogo afirma que viu Gylmar dos Santos Neves andando diversas vezes pelos corredores onde os presos políticos eram mantidos e torturados.
“Via andando por ali pra lá e pra cá. Aí os carcereiros falavam: ‘esse cara é o queridinho dos ‘homi’. Ele acerta qualquer documento. Traz Opala pra vender, traz Veraneio. Qualquer carro que é roubado de vocês, ele legaliza e passa para os milicos’”, conta Diogo.
O ex-deputado afirma que seu pai era fã de Gylmar dos Santos Neves, tendo acompanhado sua carreira desde o começo.
“Como meu pai adorava o Gylmar, eu gostava de futebol, eu logo reconheci. Era o cara da Seleção Brasileira lá no DOI-Codi. Parecia que ele trabalhava lá, de tanto que ele ia”, diz.
Gylmar é considerado um dos maiores goleiros brasileiros. Passou por clubes como Santos e Corinthians, e ganhou a Copa do Mundo pela Seleção nos anos de 1958 e 1962. Ele morreu em 2013, aos 83 anos, vítima de um infarto, mas há 13 anos apresentava sequelas de um acidente vascular cerebral (AVC).
Depois de se aposentar dos gramados, o ex-goleiro passou a administrar concessionárias de carros na capital paulista. Segundo Diogo, as agências foram “presentes” da ditadura.
“Ele ganhou duas concessionárias. Na agência de carros na Vila Mariana, ele legalizava todos os carros dos delegados. Depois ia lá no [clube] Monte Líbano contar as loucuras que fazia em relação aos militares. Quem via prender, quem via matar. E ainda contava vantagem.”
No início deste mês, a Justiça de São Paulo condenou Marcelo Izar Neves, filho de Gylmar dos Santos Neves, por ofensas antissemitas contra vizinho.
Após uma discussão por vaga de garagem, Izar neves afirmou para o vizinho, que é judeu, que “Hitler estava certo” e “a raça de vocês não presta”.
Comissão da Verdade e futebol
Adriano Diogo diz que passou a estudar mais a relação da ditadura militar com o futebol em 2013, quando presidiu a Comissão da Verdade na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).
Nesta época, encontrou na Casa publicações em Diário Oficial de dois discursos de José Maria Marin, então deputado estadual pela Arena e futuro presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
Na fala de 1975, Marin faz críticas à TV Cultura por trazer “intranquilidade” a São Paulo. O jornalista Vladimir Herzog, editor da emissora, foi preso e morto no DOI-Codi dias depois. No outro discurso, de 1976, Marin elogia o delegado Sérgio Fleury, apontado como torturador de diversos presos políticos.
“Começamos a levantar tudo de futebol e ditadura. Os irmãos Borer no Botafogo, Zizi Pedalada, a prisão do irmão do Zico”, diz Diogo.
O ex-deputado afirma, no entanto, que não fez o relato sobre Gylmar à Comissão da Verdade na ocasião porque este não era o foco dos trabalhos.
“Nossa comissão só tratava de mortos e desaparecidos. [O futebol] não era o foco. Nem a história do Marin entrou no relatório final. O que eu fiz foi realizar um evento no Memorial da Resistência”, afirma.
De acordo com Diogo, durante o evento foi exibido um documentário que conta a história das pessoas que foram presas no Estádio Nacional do Chile. A União Soviética se recusou a jogar as eliminatórias da Copa do Mundo de 1974 no local, em protesto pelos relatos de execução.
Os 21 anos de ditadura militar no Brasil também permearam as relações do futebol dentro e fora dos gramados. O esporte foi um dos mecanismos utilizados para fazer propaganda do regime e inflar o sentimento de nacionalismo na população. Jogadores como Sócrates e Casagrande também foram fichados pelo regime.
*gazeta web