Aplicativos para cegos podem ter um apelo mais amplo
Quase todas as pessoas cegas têm pelo menos uma história em que acabaram perdidas ou desorientadas.
Apesar do uso de bengalas, de cães-guia, da ajuda de estranhos e de aplicativos de navegação populares como o Google Maps, Clark Rachfal, diretor de defesa e assuntos governamentais do Conselho Americano de Cegos, disse que se perder ainda é um grande problema para muitos cegos e pessoas com deficiência visual. O simples fato de ouvir instruções de um aplicativo nem sempre é o suficiente para garantir independência e segurança. “Percorremos as rotas que nos são familiares porque sabemos que o caminho é acessível e conhecemos os pontos de referência.”
Isso pode mudar, porém, com o lançamento de novos aplicativos especificamente projetados que visam aos pedestres e à acessibilidade. Graças a melhorias na tecnologia de mapeamento e câmeras de smartphones, há alguns agora com recursos como navegação interna, descrições detalhadas do ambiente circundante e mais avisos de obstáculos. “Ainda estamos nos primórdios. Essas tecnologias começaram a surgir nos últimos dez anos. Acho que há muito potencial para fornecer maior acesso ao transporte e a informações para as pessoas com deficiência e para a comunidade em geral”, afirmou Rachfal.
Um exemplo é o MapInHood, que só foi lançado em Toronto. (Há planos para expandir a oferta de aplicativos da empresa nos próximos meses caso haja financiamento suficiente.) Ele foi projetado para ajudar os cegos, mas poderia ter apelo popular. O aplicativo oferece navegação personalizada que permite aos pedestres acessar informações sobre possíveis obstruções, incluindo tráfego nas calçadas, riscos de construção, quais cruzamentos têm meio-fio com desnível de acessibilidade, estacionamento de bicicletas e a localização de bancos, carrinhos de alimentação e bebedouros. Também oferece uma navegação que evita escadas, subidas íngremes ou qualquer outro obstáculo – ferramentas que ajudam pessoas com deficiência, mas que também podem beneficiar alguém que esteja carregando uma mala ou empurrando um carrinho de bebê.
Outro aplicativo, chamado NaviLens, usa grandes códigos QR coloridos que podem ser digitalizados por um smartphone de até 12 ou 20 metros de distância, dependendo do tamanho. Esses códigos fazem seu telefone fornecer informações sobre o ponto de interesse à sua frente e apitar quando você o encontra, ao mesmo tempo que lhe diz exatamente a que distância você está.
Isso pode ajudar os cegos a identificar melhor os pontos de ônibus ou as entradas das estações de metrô, além de permitir que obtenham informações precisas de localização em situações nas quais um sinal de GPS não é confiável, como no subsolo ou em aglomerações urbanas imponentes. As informações também são oferecidas em até 34 idiomas, tornando-se uma ferramenta para viajantes que não falam a língua local.
No entanto, para que esse aplicativo seja integrado a um trajeto diário, cidades e organizações em todo o mundo também precisariam instalar as placas com os códigos QR – um passo mais complicado.
Muitos desses aplicativos são baseados em dados de mapeamento de código aberto já existentes, como o OpenStreetMap, mapa do mundo gratuito e editável criado por milhares de voluntários.
Um problema provável é que qualquer pessoa pode alterar esses mapas e colocar informações incorretas, e o OpenStreetMap conta com outros colaboradores e voluntários para capturar imprecisões e corrigi-las. Outros aplicativos que usam informações fornecidas pela comunidade, como o MapInHood, teriam de lidar com o mesmo problema.
Esses aplicativos são uma promessa enorme, mas algumas pessoas estão cautelosas. Roland Allen, instrutor do uso de bengala no Centro para Cegos da Louisiana, baixou alguns deles, mas não acredita que poderão um dia substituir totalmente a bengala. Ele não confia em depender exclusivamente da tecnologia do celular, porque esta é cara, pode vir com falhas e deixar alguém perdido caso a bateria acabe: “Minha crença pessoal é que a tecnologia é algo que você usa apenas se não pode, primeiro, agir de modo independente.”
Ele afirmou, contudo, que, se os aplicativos forem acessíveis e fornecerem algo que não pode ser feito com a bengala ou o cão-guia, o desenvolvimento dessas novas tecnologias tem seu apoio. E acrescentou que eles devem ser compatíveis com outras ferramentas usadas pelos cegos. Isso significa que precisam deixar as mãos relativamente livres e fornecer informações de forma eficaz.
Greg Stilson, chefe de inovação global da Editora Americana para os Cegos, disse acreditar que, além de úteis para pessoas cegas e de pouca visão, os aplicativos que acabarão se estabelecendo serão aqueles que fornecerem benefícios além da acessibilidade – ajudando os hospitais a manter o controle de equipamentos ou auxiliar armazéns no rastreamento de produtos, por exemplo – e que não exigirem muita infraestrutura adicional (sinalização, conectividade Bluetooth e afins) para a configuração.
Segundo Stilson, à medida que a tecnologia melhora no reconhecimento e na orientação através de obstáculos e caminhos, esse tipo de aplicativo pode acabar dando lugar a alguma espécie de ferramenta de navegação autônoma para pedestres, como nos carros autônomos, mas para as calçadas. “Essa é potencialmente a próxima grande fronteira. Talvez não esteja mapeando o espaço exato, mas ajuda uma pessoa cega a se locomover em tempo real.”
Ela acrescentou que outra grande fronteira é a tecnologia de mapeamento interno. Muitos aplicativos de navegação hoje só chegam até a porta, exatamente quando a locomoção pode se tornar ainda mais desafiadora para pessoas cegas com baixa visão.
Mas alguns aplicativos, como o GoodMaps, estão começando a se aventurar na criação de ferramentas de navegação para espaços internos como aeroportos, estações de trem, prédios de escritórios, shoppings e hospitais.
O GoodMaps usa uma tecnologia de mapeamento de ambiente 3D chamada Lidar (sigla em inglês para detecção de luz e alcance) – que pode informar a distância dos objetos circundantes – para digitalizar edifícios e espaços internos. Com isso, o GoodMaps cria mapas que são armazenados em um serviço de nuvem.
Os proprietários de prédios controlam o acesso ao mapa, mas, supondo que esteja disponível, qualquer um pode usá-lo, apontando seu telefone pelo espaço. Em seguida, o aplicativo compara a imagem no telefone com a imagem na nuvem, informando aos usuários onde eles estão, orientando-os ou anunciando em voz alta o que está ao seu redor.
“Você, como uma pessoa que enxerga, vai poder entrar em vários edifícios e se localizar mais rapidamente do que nunca por causa do trabalho que estamos fazendo para permitir a navegação acessível”, garantiu José Gaztambide, executivo-chefe da GoodMaps.
c. 2022 The New York Times Company