Entidades condenam retenção de R$ 600 milhões dos pobres de AL pelo Governo Renan Filho

“Quem tem fome tem pressa”, afirmam os 395 mil alagoanos que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estão em situação de extrema miséria.

A maioria vive em favelas e em condições subumanas como as famílias dos desempregados Iasmim Alves e Lucas Henrique Pereira, que moram num quarto de três metros quadrados com três filhos, têm renda inferior R$ 400 por mês e passam fome; e os trabalhadores rurais José Fernandes da Silva e Fabiana Souza Silva, que fugiram do desemprego em União dos Palmares para morar com os três filhos num barraco na margem da lagoa Mundaú, a menos de dois quilômetros do Palácio do Governo. Como centenas de favelados, eles nunca ouviram falar do Fundo de Combate à Pobreza. Achavam que “Fecoep” era nome de remédio. Neste Natal, terão dificuldade para alimentar os filhos.

Conforme a Síntese dos Indicadores Sociais (SIS) elaborada pelo IBGE, 11,8% dos alagoanos em extrema vulnerabilidade social não têm o que comer. Enquanto isto, o governo de Alagoas propõe a renúncia fiscal de R$ 7,4 bilhões até 2024 para beneficiar setores de arrecadação bilionária como atacadistas, Central de Distribuição, grandes indústrias, entre elas a Braskem, usineiros e o setor de medicamentos.

Para os mais pobres, o Fecoep tem retido em caixa R$ 600 milhões que “deveriam” socorrer as vítimas da recessão social do coronavírus, afirmam a maioria dos líderes de mais de 100 entidades que socorrem os necessitados, o Centro de Defesa dos Direitos Humanos Zumbi dos Palmares e parlamentares governistas e da oposição. A maioria condenou a retenção de caixa no Fecoep.

O deputado Davi Maia (DEM), por exemplo, revelou que a política econômica do governo triplicou a arrecadação do Fecoep [para R$ 1,7 bilhão em seis anos] com aumento de imposto e “desviou a destinação final dos recursos”. Lembrou que cerca de R$ 500 milhões foram aplicados em obras. “Os mais necessitados não comem asfalto nem concreto”, disse o deputado.

Outro oposicionista que também criticou a retenção dos R$ 600 milhões do Fecoep foi o deputado Cabo Bebeto (PTC), ao defender que poderia ter sido usado para ajudar o micro e pequeno agricultor familiar que continuam abandonados. Muitos fogem da fome e vêm parar nas favelas de Maceió.

O governo até prometeu socorrê-los, mas não fez nada”. Segundo o deputado, o Executivo comemora recordes no aumento da arrecadação tributária e simultaneamente pede autorização ao Legislativo para contrair empréstimos de R$ 3 bilhões, obteve autorização, mas ainda não pode pegar no dinheiro porque depende de autorização do Banco Central e do Senado. Conforme Bebeto, existem dois mundos, o real que é o da fome, do desemprego e de dificuldades; e o outro mundo que é o da rede social do governador. “O mundo do Renóquio”, lamentou.

O líder do governo no Legislativo, deputado Silvio Camelo (PV), explicou a retenção do Fecoep. “Os recursos do Fundo cumprem o seu papel. Por outro lado, existem programas que precisam de respaldo financeiro, do dinheiro em caixa. Não é porque se tem um valor considerável que o governo vai zerar tudo de uma vez”, disse Camelo, ao detalhar que alguns programas como o “criança Alagoana” precisarão de dinheiro, por isso a retenção estratégica.

Entidades esperam há um ano pelos recursos do Fecoep

As explicações do governador Renan Filho (MDB) e de deputados governistas para justificar a retenção de R$ 600 milhões do Fecoep não convencem as entidades que socorrem moradores de favelas e a população em situação de rua. Mais de 8 mil pessoas que vivem nas praças ou pelas ruas há um ano pedem socorro ao governo estadual. Fizeram inclusive manifestação à porta do Palácio do governo no dia 18 de janeiro deste ano e continuam ignorados. Nas faixas de protesto dos “invisíveis” se lê: “O Fecoep precisa ajudar os mais pobres”.

As entidades que compõem o conselho gestor do Fundo de Combate à Pobreza se queixam da burocracia, da lentidão nas poucas ações, da falta de projetos regulares, cobram política permanente de apoio às vítimas da recessão e de resgate da autoestima para mais de 300 mil desalentados – aqueles que desistiram de procurar emprego formal e se tornaram invisíveis nas praças públicas ou vivem de subempregos, com renda inferior a R$150/mês.

Ufal

Uma das sugestões encaminhada pelo reitor da Universidade Federal de Alagoas, professor Josealdo Tonholo, também conselheiro do Fecoep, previa a destinação de R$ 150/ mês, às famílias de desempregados, favelados e desalentados. A proposta, encaminhada no ano passado, foi aceita até pelo governador, porém nunca foi colocado em prática.

No último dia 29, representantes de entidades ligadas à sociedade civil organizada e o terceiro setor participaram, na Assembleia Legislativa, de audiência pública proposta pela deputada Jó Pereira (MDB) para discutir o Fecoep e a Lei Orçamentária Anual. A Secretaria de Estado da Fazenda apresentou na audiência o saldo do Fundo: R$ 600 milhões. Isso gerou “indignação e revolta” nas entidades que pedem socorro para as vítimas sociais da Covid 19 e não aceitam a retenção.

Balanço confirma a falta de prioridade no socorro aos vulneráveis

De toda a arrecadação do Fecoep no período de seis anos do governo Renan, apenas R$ 590 milhões foram aplicados em projetos aprovados pelo Conselho do Fundo. São recursos que praticamente não foram utilizados, se considerar que dentro do que foi utilizado, verificaram-se ações desarticuladas, não organizadas e inadequadas para o combate à pobreza, admitiu a deputada Jó Pereira (MDB).

Na apresentação do superintendente da Sefaz, Paulo de Tarso de Araújo, na audiência pública do dia 29 na Assembleia, concluiu-se que, entre 2015 e novembro de 2021, o Fecoep arrecadou R$ 1,76 bilhão. Desse total, R$ 483 milhões foram desvinculados do Fundo para aplicações diversas no caixa do governo (principalmente para obras de pavimentação e concreto) e, a partir deste ano, foram repassados, obrigatoriamente, R$ 73 milhões para o Fundeb – Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica.

O saldo em caixa, hoje, é de R$ 616 milhões, dos quais R$ 594,62 milhões estão no Tesouro Estadual e R$ 22 milhões nas secretarias. O balanço comprova que menos de 35% dos recursos arrecadados foram destinados a projetos aprovados pelo Conselho.

Ufal cobra plano continuado de combate a pobreza

O governo Renan Filho entra na reta final com as entidades do Fecoep cobrando um plano de aplicação estruturada dos recursos. O reitor Josealdo Tonholo explicou que o Fundo tem a regulamentação e plano bem definido de arrecadação dos recursos, tem gestão no sentido de garantir a prestação de contas e precisa cumprir objetivo principal. “Este é um fundo para erradicação da pobreza extrema. O que a gente sente é a carência de um plano continuado de Estado e de efetiva resposta na erradicação da pobreza”.

O reitor observa que hoje não existe programa de ação continuada. “O que se tem são projetos do Fecoep e cada um desses projetos tem sua importância do ponto de vista social, como mitigar insegurança alimentar ou auxílios emergenciais. Falta programação de ações perenes”.

Tonholo destacou a necessidade do plano já para 2022. “Teremos dificuldades fortes pela frente”. Destacou que setores como os autônomos, os artistas populares, trabalhadores sem qualificação foram penalizados nos últimos dois anos. Para a retomada da economia alagoana, segundo o professor Tonholo, é preciso definir e entender quais são as prioridades econômicas do Estado, quais os setores fundamentais para a retomada do crescimento e de que forma o Fecoep pode contribuir com para inserir as pessoas nesta nova economia pós Covid”.

O representante da Ufal no Conselho Gestor do Fecoep destacou que os recursos são fiscalizados desde a arrecadação até a aplicação final. Do ponto de vista fiscal não há dúvida. “A minha preocupação é relativa ao que está sendo efetivamente feito para erradicar a pobreza. Hoje qual o diagnóstico da pobreza alagoana? Qual o projeto de inclusão dessas pessoas na nova economia do pós-Covid?” Segundo o reitor, a nova economia exigirá o diagnóstico social, da situação de extrema vulnerabilidade e definição de estratégia de reinserção social dos mais pobres e de política para inclusão dos desalentados.

Faltam programas de apoio para situação de rua

As pessoas em situação de rua não contam com programas ou planos de apoio do governo estadual de resgate à autoestima. O presidente da Coordenação Nacional de Pessoas em Situação de Rua- região Nordeste, Rafael Machado, revelou que não existe um número preciso de pessoas em situação de rua em Alagoas. Entretanto, destacou que a Campanha Nacional de Imunização contra a Covid 19 no Estado vacinou mais de 3,2 mil pessoas. “A população de rua é tão invisível que não se tem uma estatística confiável. O levantamento disponível é de 2007”.

Machado, estima que a população em situação de rua de Maceió e 12 municípios metropolitana passa de 4 mil. Se somar todas as cidades, estima-se mais de 8 mil pessoas. Lembrou que em janeiro, junto com outras entidades, ocupou a porta do Palácio para pedir socorro emergencial.

“O Fecoep precisa chegar com comida na mesa dos mais pobres. Até agora, só promessa e algumas ações aleatórias”. A entidade construiu um plano de socorro emergencial, entregou a gestão do Fecoep ao governo do Estado e não recebeu nenhuma resposta. Em Maceió há três casas de passagem para pessoas em situação de rua. As entidades são insuficientes para a demanda que cresce a cada dia. “As casas de passagem atendem no máximo 600 pessoas e precisam também dos recursos do Fecoep”, cobrou Rafael Machado, ao defender a adoção de uma política de reinserção social e de socorro alimentar numa ação organizada com recursos retidos do Fundo.

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