Auxílio Emergencial, Bolsa Família, Auxílio Brasil: brasileiros relatam desespero, fome e incertezas em 2021
Lançado em abril de 2020 para ajudar os trabalhadores prejudicados pela pandemia, o Auxílio Emergencial acabou em outubro deste ano, após 17 meses e 16 parcelas, deixando pelo menos 22 milhões de brasileiros sem o benefício.
A saída de quem se viu sem essa renda foi tentar o Auxílio Brasil, que substituiu o Bolsa Família em novembro deste ano. Mas, por enquanto, o programa só está atendendo quem já estava no Bolsa. Com o fim da ajuda emergencial, milhares de brasileiros estão tendo que se virar sem emprego e sem dinheiro nem mesmo para colocar comida na mesa.
Sem nenhum auxílio
Adriana dos Santos, de 46 anos, não teve direito ao Auxílio Brasil e agora está vivendo apenas com os R$ 600 da pensão alimentícia da filha de 5 anos. Ela chegou a receber R$ 1,2 mil de Auxílio Emergencial no ano passado, mas neste ano a ajuda caiu para R$ 375. Mesmo assim, o dinheiro ajudou principalmente nos custos do tratamento da filha, que tem amigdalite crônica.
Desempregada e moradora de Angra dos Reis (RJ), Adriana tenta conseguir alguma renda com faxinas. “Eu faço quando aparece, mas não é sempre”.
Quando o valor do Auxílio Emergencial caiu neste ano, ela já teve que reduzir os gastos. “Tive que pedir ajuda nas igrejas, algumas pessoas da família me ajudaram, mas todos têm suas dificuldades também, e está tudo muito caro”. Desde novembro, ela só conta com o dinheiro da pensão da filha.
“Muitas vezes eu não como para deixar para ela. Eu quero muito trabalhar. O jeito é continuar distribuindo currículos e fazendo faxina quando aparecer.”
Mudança de regra prejudica família
No ano passado, o Auxílio Emergencial pagou 9 parcelas de abril a dezembro – 5 de R$ 600 e 4 de R$ 300, podendo chegar ao dobro para mães solteiras – para 66 milhões de pessoas. Já neste ano, os pagamentos foram retomados entre abril e outubro, porém, com valores menores – de R$ 150 a R$ 375 – e para um número bem menor: 39,4 milhões de brasileiros.
Um dos motivos para essa queda de beneficiários é que somente uma pessoa da família pôde receber o Auxílio, ao contrário do ano passado, que poderiam ser até duas.
A estudante Hilderlania Alves, de 28 anos, foi uma dessas pessoas que deixou de receber com a nova regra.
Assim, a renda que vinha do benefício, que chegou a R$ 1,2 mil no ano passado, caiu para R$ 250 neste ano, pois só sua mãe permaneceu no programa. Segundo ela, a família cortou os itens básicos pela metade e, ainda assim, está atolada em dívidas.
“O problema é que o auxílio caiu quando os preços de alimentos, luz e gás explodiram”, conta. A família está endividada no cartão de crédito por causa das compras do supermercado. “A gente compra no cartão, parcela a fatura e não sobra nada de dinheiro”, diz.
Quando recebia R$ 1,2 mil do Auxílio, a família conseguia guardar pelo menos 10% da renda. E era possível colocar vários tipos de carne na mesa, incluindo de primeira. Mas, agora, a realidade é outra.
“Há um bom tempo não estamos comendo mais carne. Não estamos passando fome, mas é o que mais estamos temendo”, lamenta.
Segundo estudante, o auxílio era essencial para pagar as contas da casa. Com o fim do benefício, a família agora se vira com a aposentadoria do pai de Hilderlania que, segundo ela, é baixa.
“Esse dinheiro está fazendo muita falta. Perdemos a qualidade de vida a que todo cidadão tem direito”.
Desempregada fica sem ajuda
Na retomada do benefício neste ano, foram mantidos os mesmos critérios de renda para acesso ao Auxílio, mas sem possibilidade de novas inscrições. E só quem estava recebendo a ajuda do governo em dezembro de 2020 foi contemplado.
Quem não recebeu o Auxílio em 2020, mas acabou se enquadrando nas regras neste ano, após perder o emprego, por exemplo, não pôde receber a ajuda.
Esse é o caso de Jandira da Silva, de 31 anos, que ficou desempregada em janeiro, mas não conseguiu se inscrever para o Auxílio. A saída foi vender capinhas de celular nas ruas de São Paulo, mas a renda chega a no máximo R$ 500 por mês.
Para conseguir alimentar o filho de 8 anos, ela conta com doações de cestas básicas e marmitas. E quando a coisa aperta, ela vai para a frente de um supermercado pedir alimentos.
“O pouco que sobra de dinheiro vai para as contas de água e luz. Mas tem meses que eu atraso e corro atrás para conseguir o dinheiro. É uma luta que não acaba”, diz.
Casal consegue os dois auxílios
Já os beneficiários do antigo Bolsa Família tiveram direito ao Auxílio Emergencial, desde que o valor do primeiro benefício fosse menor que o do segundo. Assim, eles receberam o Auxílio no lugar do Bolsa.
Esse foi o caso dos agricultores Antonia Raimunda Vieira de Paula, de 51 anos, e Antonio Vieira de Paula, de 52 anos, que receberam o Auxílio Emergencial até outubro. A ajuda, por ser maior que a do antigo Bolsa Família, trouxe mais tranquilidade para a família, principalmente no ano passado, quando chegou a ser de R$ 600, antes de cair para R$ 300 em setembro de 2020 e para R$ 250 neste ano.
Com o avanço da vacinação contra a Covid-19, eles voltaram a vender polpas no interior do Ceará, mas a clientela diminuiu muito, ao contrário do preço das frutas, que só subiu. O que ameniza um pouco a situação é que Antonia começou a receber o Auxílio Brasil em novembro, no valor de R$ 300. E, neste mês, será de R$ 400.
“Estamos esperando com ansiedade esse aumento no valor porque está desesperador”, diz.
“A gente vive muito apertado, passando necessidade, mas pelo menos não temos dívidas. Comemos só o básico, arroz, feijão e alguma carne mais barata. Não compramos nada além de comida para não ficar devendo”, diz Paula.
Peregrinação no CRAS
A alternativa para quem não estava entre os 14,5 milhões de famílias do antigo Bolsa Família – que foram incluídas no Auxílio Brasil após o fim do Auxílio Emergencial – foi tentar entrar no novo programa social.
Com a substituição do Bolsa Família pelo Auxílio Brasil, as filas explodiram pelo país. Milhares de pessoas sem perspectivas de renda lotaram os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) ou postos de atendimento do CadÚnico pelo país para se cadastrar ou atualizar o Cadastro Único (CadÚnico), principal ferramenta para selecionar quem tem direito ao benefício.
Jaqueline Santos, de 36 anos, soube no CRAS de Curitiba que não tem direito ao Auxílio Brasil, mesmo sendo do antigo Bolsa Família. Ela recebeu o Auxílio Emergencial até outubro. Agora, está na fila para tentar entrar no novo programa social.
“O atendente me informou que quando acabasse o Auxílio Emergencial eu receberia o Auxílio Brasil, mas não foi isso que aconteceu. Fui cortada mesmo com meus dados atualizados no Cadastro Único. Agora vou ter que ficar indo no CRAS todo mês para saber se fui contemplada ou não”, lamenta.
Para sobreviver, ela toma conta do filho de uma vizinha e recebe R$ 300 por mês. Com esse dinheiro, ela tem que sustentar dois filhos que moram com ela, um de 14 e outro de 16 anos. Ela chegou a receber R$ 1.200 de Auxílio Emergencial no ano passado e, mesmo com o valor caindo para R$ 375 neste ano, ela não passava necessidade. Agora, conta com doações de alimentos para ter comida em casa.
“Tenho que me virar, ou paga as contas ou come. O governo não está nem aí para o povo, ele muda as regras e nós que sofremos com isso. Quando chega o dia do pagamento [do Auxílio Brasil] não sabemos se vai ter dinheiro ou não”, desabafa.
Edimar de Souza Vieira de Matos, de 62 anos, está entre os 22 milhões de brasileiros que ficaram sem o Auxílio Emergencial e não faziam parte do antigo Bolsa Família.
Desempregada, ela está em tratamento para o câncer de útero. O marido está esperando resposta do INSS para receber auxílio-doença há dois anos. Devido ao seu estado de saúde, ela não teve coragem de ir a um posto do CRAS no Rio de Janeiro para se inscrever para o Auxílio Brasil.
“Tem muita fila aqui no Rio e eu teria que passar a noite lá para ver se na manhã seguinte consigo ser atendida. Vira e mexe eu sinto dor, e passar a noite lá é complicado”, diz.
Quando recebia o Auxílio, a renda dela chegava a R$ 800 com as faxinas. Agora ela só pode contar com os bicos de limpeza. Mesmo doente, Edimar não recusa quando aparece trabalho.
A comida ela compra quando recebe pelas faxinas. Mas as contas da casa estão atrasadas.
“Eu nunca perco a minha fé. Se eu não fizer faxina, passo roupas. E Deus sempre manda alguém para nos ajudar”, afirma.
Valor de R$ 400 é salvação de desempregada
Mesmo sabendo que estar no Cadastro Único não significa a entrada automática no programa, os brasileiros viram no anúncio do Auxílio Brasil a possibilidade de receber algum dinheiro, em meio à fome que se alastra pelo país e à falta de perspectiva de melhora no desemprego e na inflação, que atingem principalmente os brasileiros de baixa renda.
Mas o ano de 2020 vai terminar sem que essa promessa seja cumprida. Ao menos o valor mínimo de R$ 400 – que foi prometido para novembro – passou a valer em dezembro para 13 milhões de famílias.
Foi a salvação de Ednir Santos, de 44 anos. Com a mudança do Bolsa Família para o Auxílio Brasil, o valor caiu de R$ 400 para R$ 200 em novembro. Mas, em dezembro, voltou ao valor antigo.
Mesmo assim, ela passa aperto para pagar as contas e colocar comida em casa. Moradora de Fortaleza, ela tem cinco crianças em casa para alimentar.
“Antes já era difícil, mas está pior com as coisas cada vez mais caras. Se sobrar R$ 20 para comprar arroz eu dou graças a Deus. Às vezes a gente só come feijão com sal mesmo”, conta.
Virou praticamente rotina ela só ter, para o café da manhã, sal e farinha porque não tem dinheiro para comprar pão. Para o almoço, geralmente pede arroz para o vizinho porque só tem um resto de feijão para comer.
Ednir conta que quando consegue uma faxina usa o dinheiro para comprar mistura para a comida e guarda uma parte para comprar gás. Quase todos os meses ela já sabe que o benefício não vai dar para comprar comida nem gás.
“Tem que escolher, ou paga as contas ou come. Tira daqui, tira dali, se não sobrar pede dinheiro emprestado, não tem de onde tirar porque trabalho está difícil”, afirma.