À polícia, Jairinho disse nunca ter atuado como médico, mas já teve receituário e deu plantões em hospitais, revela livro
No dia 17 de março deste ano – nove dias após a morte de Henry Borel – o então vereador do Rio Jairo Souza Santos Júnior, o Dr. Jairinho, afirmou ao delegado Henrique Damasceno que, apesar de ser médico, não fez nenhuma manobra para tentar salvar Henry do que, a princípio, seria uma falta de ar.
Durante o interrogatório na sede da 16ª DP (Barra da Tijuca), Jairinho alegou que a última vez que fez massagem cardíaca em alguém foi no curso de Medicina da Unigranrio de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Mas a investigação sobre o ex-vereador revelaria o contrário.
No livro “Caso Henry – morte anunciada”, a jornalista Paolla Serra revela que, apesar de Jairinho nunca ter exercido a profissão de médico, o vereador cassado costumava prescrever remédios e mantinha no próprio celular um arquivo de receituário com o nome dele, em folha branca e detalhes em azul-claro e azul-escuro (veja acima).
Lançada recentemente, a obra mostra os bastidores da investigação que terminou com o indiciamento de Jairinho e da então namorada, a professora Monique Medeiros da Costa e Silva, mãe de Henry. Eles são acusados pelo Ministério Público estadual pelos crimes de tortura e homicídio qualificado.
Perfil detalhado
O livro também traz um perfil detalhado dos protagonistas do caso, que está sendo julgado pela Justiça fluminense. A jornalista entrevistou mais de cem pessoas e analisou mais de 20 mil arquivos, entre fotos, vídeos e trocas de mensagens, recuperados pela Polícia Civil dos celulares apreendidos com o casal – e que constam no processo no qual eles são réus.
A autora narra que, quando terminou o colégio, Jairinho decidiu estudar Medicina – com tio e primos dentistas, sempre disse que seguiria a área de saúde.
O ex-vereador prestou vestibular para instituições públicas e particulares, como o Centro Universitário Serra dos Órgãos, em Teresópolis, e a Faculdade de Medicina de Petrópolis, ambas na Região Serrana.
Ansioso antes das provas, não passou. Jairinho decidiu então voltar ao Pentágono para repetir, como ouvinte, o 3º ano do ensino médio. Fez também um cursinho preparatório no Miguel Couto, do Barra Shopping, e aulas de redação no Prioridade Hum, em Padre Miguel.
“Caso Henry – morte anunciada” mostra que, em 1998, ele foi finalmente aprovado para Medicina na Unigranrio. As mensalidades custavam, na época, o equivalente a dois salários mínimos, e eram pagas pelo pai, Coronel Jairo (atualmente deputado estadual).
Com aulas em horário integral, Jairinho gostava de, no intervalo, ir almoçar a comida da mãe, em Bangu, na Zona Oeste, a cerca de 30 minutos de distância de carro. Na época de provas, aproveitava as horas vagas para estudar na biblioteca da faculdade. Jairinho teve notas medianas ao longo do curso e se formou com o coeficiente de rendimento (CR) de 7,4.
O livro também relata que Jairinho tinha fama de inteligente, era bem articulado e gentil com professores e alunos; participava de dinâmicas em grupos e emprestava aos colegas os livros caros que comprava.
Nos últimos dois anos da graduação, Jairinho fez o internato, período em que pôde colocar em prática atendimentos a pacientes com a supervisão dos professores da Unigranrio.
Passagens por hospitais
Ele passou pelo Hospital Estadual Adão Pereira Nunes, em Caxias; pelo Hospital Maternidade Xerém, no mesmo município, onde atuou nas áreas de ginecologia e obstetrícia; e pelo Hospital Quinta D’Or, em São Cristóvão, na Zona Norte do Rio.
Jairinho se formou em medicina no primeiro semestre de 2004, aos 26 anos. No segundo, mesmo sem ter o diploma nas mãos, adotou o nome Dr. Jairinho e começou a primeira campanha a vereador com o slogan “O médico que vai cuidar do Rio”, seguindo os passos políticos do pai.
Desde então, venceu cinco eleições consecutivas na Câmara Municipal do Rio. Durante uma perícia complementar, em abril, no condomínio Majestic, no Cidade Jardim, na Barra, onde ele morava com Monique e Henry até a morte da criança, um livro chamou a atenção dos investigadores: “Medicina de urgência”, um guia da Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo, de Elisa Mieko Suemitsu Higa e Álvaro Nagib Atallah, publicado justamente em 2004.
Atualmente, Jairinho está preso preventivamente na Cadeia Pública Pedrolino Oliveira, no Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, e Monique no Instituto Penal Oscar Stevenson, em Benfica.
Nos dias 14 e 15 deste mês, o casal foi levado dos presídios para o Tribunal de Justiça, no Centro, para acompanhar a continuação da audiência de instrução e julgamento. Ao fim do segundo dia, a defesa de Monique pediu que a prisão da professora fosse relaxada – o que foi negado pela juíza.
Na próxima vez que Jairinho e Monique forem levados ao tribunal, em 9 de fevereiro, a previsão é de que eles sejam interrogados.