Auxílio Brasil é incerto, transitório e prejudica vulneráveis, diz Tatiana Roque

Um “amontoado confuso de penduricalhos de outros programas” com “finalidade eleitoreira descarada”. É assim que a vice-presidente da Rede Brasileira de Renda Mínima, Tatiana Roque, avalia o Auxílio Brasil de R$ 400 anunciado pelo governo federal como o substituto do Bolsa Família.

Proposto via medida provisória, enviada ao Congresso Nacional em agosto e que precisa ser aprovada até o final do ano, o Auxílio Brasil vai substituir o programa de transferência de renda estabelecido há 18 anos, que se tornou marca dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A Rede Brasileira de Renda Mínima foi criada há pouco mais de dois anos para ampliar o debate sobre programas de transferência de renda e tem como presidente de honra o hoje vereador de São Paulo Eduardo Suplicy (PT), maior propagador das ideias da renda básica universal em território nacional.

O grupo defende a instituição de uma renda mínima para todos os cidadãos brasileiros, mas defende o Bolsa Família e projetava sua constitucionalização.

Para Tatiana, o Auxílio Brasil não deveria ser tratado como sucessor do Bolsa Família por fatores como insegurança jurídica e fiscal, além da adoção de um modelo que deve impor dificuldades de acesso aos brasileiros mais vulneráveis.

Do ponto de vista jurídico, o problema estaria no instituto da medida provisória. “A MP é um instrumento frágil para um programa como este, além de deixar vários pontos indefinidos.”

Do ponto de vista fiscal, a medida depende da aprovação da PEC (proposta de emenda à Constituição) dos precatórios, que permitirá o drible do teto de gastos necessário para que o valor de R$ 400 seja atingido. A PEC deve abrir um espaço de R$ 91,6 bilhões nas despesas de 2022, ano eleitoral, mas não garante a continuidade do programa nos anos seguintes.

O Auxílio Brasil é a aposta do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para atrair o eleitorado de baixa renda na disputa do ano que vem. No dia de seu anúncio, o ministro da Cidadania, João Roma, declarou: “Estamos estruturando um benefício transitório, que funcionaria até dezembro do próximo ano, e que teria por finalidade equalizar o benefício para que nenhuma dessas famílias receba menos do que R$ 400”. Com a extinção do Bolsa Família, portanto, não se sabe o que restaria para seus beneficiários a partir de 2023.

Segundo Tatiana, o modelo escolhido pelo governo federal ainda prejudica justamente os brasileiros mais vulneráveis. “Tudo bem usar o aplicativo da Caixa Econômica Federal [como no caso do auxílio emergencial], mas o Auxílio Brasil passa por cima de um mecanismo de assistência social humanizado”, afirma.

Ela se refere aos CRAS (Centro de Referência em Assistência Social), que atendem presencialmente as famílias, nos territórios, auxiliando na obtenção de documentos e ainda registrando informações importantes para outras políticas públicas.

“As pessoas muito pobres têm problema de cidadania. E, quando tudo é informatizado, vira aquele desespero porque muita gente não tem internet para usar um atendimento digital”, afirma ela, que é matemática e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

“Além disso, o Bolsa Família fazia busca ativa, ou seja, não esperava a família entrar na fila do programa, mas buscava as pessoas que precisavam do benefício onde elas estavam. Isso já havia parado desde que foi criado o teto dos gastos. Com o Auxílio Brasil, deve desaparecer.”

“O Bolsa Família é um programa premiado e perene, simples e bem desenhado, de fácil compreensão e análise de impactos”, aponta ela. “Ele precisaria é ser ampliado e incorporar a fila de pessoas que ficaram aguardando o benefício por conta de atrasos dos governos Temer e Bolsonaro. E teria de aumentar o valor do benefício, que está muito defasado.”

Hoje, o benefício médio do Bolsa Família é de R$ 189. E o único ponto de concordância de Tatiana com o Auxílio Brasil é em relação ao valor proposto. “Acho que R$ 400 é o ideal, mas tinha de ser pago pelo Bolsa Família. Sua extinção é uma medida descabida e evidentemente eleitoreira. É obsceno”, diz.

Folhapress

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