Com mais de 3 séculos, igreja na BA guarda história de uma das principais irmandades negras do país: ‘Fé e resistência’

Uma joia da arquitetura e da arte guarda, em mais de 300 anos de existência, a história de uma das principais irmandades negras do país: Irmandade dos Homens Pretos. Essa joia chama-se Igreja de Nossa Senhora do Rosário, um templo religioso católico, que fica no Pelourinho, Centro Histórico de Salvador.

Conforme relatam os historiadores, a igreja foi construída em 1704 pelos negros que integravam a irmandade, uma das primeiras confrarias de negros criada no Brasil.

“A irmandade surge em 1685 na igreja da Sé [onde atualmente fica o monumento da Cruz Caída, no Centro Histórico de Salvador], só depois com a construção do templo é que essa irmandade vai se mudar para cá, Rosário dos Pretos”, explica o historiador e integrante da irmandade, Júlio César Soares.

Monumento da Cruz Caída, onde ficava a Igreja da Sé, em Salvador — Foto: Luana Almeida

Monumento da Cruz Caída, onde ficava a Igreja da Sé, em Salvador — Foto: Luana Almeida

Quando foi construída, a igreja era conhecida como Nossa Senhora do Rosário das Portas do Carmo porque foi erguida na antiga Rua das Portas do Carmo mas hoje, ela é popularmente chamada de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos.

O conjunto arquitetônico foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1938. Com fachada azul, que remete ao manto da santa que deu nome da igreja, o templo traz, entre tantas riquezas arquitetônicas, azulejos portugueses dos séculos XVIII e XIX com narrativas da devoção de Nossa Senhora do Rosário e de São Domingos.

Fachada da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Salvador  — Foto: Egi Santana/G1 BA

Fachada da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Salvador — Foto: Egi Santana/G1 BA

Conforme contam os historiadores, o objetivo da irmandade em construir um templo não era apenas ter uma igreja para que fossem feitas celebrações cristãs, mas também um local para reuniões e encontros para que eles pudessem agir socialmente.

“Não era só a devoção à Nossa Senhora do Rosário, ligada ao espiritual, era também parte social. Irmão passando necessidade eles prontamente pensavam em ajudar. Eles faziam essa parte social também”, explicou o historiador do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Jaime Nascimento.

O doutor em história da arte e professor da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, Luiz Freire, também reforçou o relato de Nascimento.

“A irmandade, desde cedo, tinha uma atividade de resistência, promovendo a compra de liberdade e ,de uma certa forma, atuando contra a escravidão da maneira em que podiam, claro”, disse.

Júlio César detalhou que um dos papéis da irmandade também era manter viva a relação dos negros que chegavam ao Brasil com os antepassados.

“Nós vivemos em uma época de colonialismo e escravismo. A melhor forma de estarmos juntos e manter vivas as memórias de África era através das irmandades ou através dos quilombos. No primeiro momento, foram [para a irmandade] negros da região do Congo, Angola e Moçambique. Logo depois, vieram os negros da Guiné e da Costa do Ouro. No século XIX, vocês encontram um caldeirão de etnias na irmandade”, explicou Júlio.

A irmandade tem um presidente, que é chamado de prior. Ele é escolhido por votação e além dele, toda a mesa diretora é eleita pelos demais irmãos. Quem ocupa o cargo de prior na confraria, que hoje possui cerca de 440 membros, é Adonai Passos Ribeiro.

“Sou representante há três anos, e o prior pode ser eleito por mais três anos. Para ser prior, é preciso ter, no mínimo, sete anos de irmandade. Nós, os irmãos estamos aqui por fé, por resistência “, conta Adonai que já tem 23 anos na irmandade.

Catolicismo

Veja imagens da missa que une tradições católicas e de religiões de matrizes africanas

Além da percussão, há dança e cantos em Yorubá, idioma presente na cultura africana.

“Nas missas, há presença de membros do candomblé. Muitos integrantes de terreiros celebram missas católicas por conta da tradição, dos antepassados, mas a missa é católica”, reforçou.

O historiador Jaime Nascimento também falou sobre a presença de elementos africanos nas missas.

“Existe dentro do Rosário, missa católica, mas com instrumentos percussivos na ritualística católica. Enquanto que em outras igrejas se canta acompanhado de violão, por exemplo, lá os instrumentos são percussivos. Não há manifestações do candomblé. São as missas que são tocadas de forma diferente do habitual”, explicou Jaime.

Lázaro Muniz destaca que o templo não tem apenas o papel religioso, mas também se destaca diante de questões sociais. “A igreja do Rosário tem esse elo forte de fortalecimento, tem uma marco muito positivo de luta e resistência dos negros”, destacou.

G1

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