Novo ensino médio começa em 2022 de forma desigual pelo país
Em outubro de 2021, a dois meses do fim do ano letivo, essas etapas foram concluídas em 16 estados, segundo o Observatório da Implementação, do Movimento Pela Base. Bahia, Maranhão e Rio Grande do Norte sequer entregaram a proposta aos conselhos.
“É um ponto de atenção importante, porque o currículo é a espinha dorsal do ensino médio. Ele vai conversar com a formação dos professores, com os materiais didáticos e com as avaliações, em um sistema coerente”, diz Lordelo.
Segundo ele, os docentes precisam saber com antecedência como o estado vai trabalhar determinada aprendizagem prevista na BNCC.
“Resta um tempo curto para definir isso e formar professores nessa nova perspectiva”, completa.
O g1 entrou em contato com as secretarias de educação dos três estados acima para saber o motivo do atraso, mas não recebeu resposta até a última atualização desta matéria.
Acre, Alagoas, Ceará, Goiás, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Tocantins enviaram a proposta aos conselhos e aguardam resposta.
Nem todos os estados terão itinerário formativo em 2021
Aquela parte específica do currículo, que pode ser escolhida pelo jovem, é chamada de itinerário formativo.
Cada estado deve definir um leque de opções dentro de cinco “guarda-chuvas” principais: linguagens, matemática, ciências humanas, ciências da natureza e ensino técnico.
E cada estado vai definir como administrar isso: no Rio de Janeiro, por exemplo, os alunos, com exceção das escolas integrais, vão ter apenas conteúdos da BNCC em 2022. As escolhas de itinerários formativos só vão valer a partir de 2023.
Já em Goiás, os estudantes poderão escolher os itinerários formativos já em 2022, e terão à disposição 17 opções (veja no gráfico abaixo). Um aluno do estado poderá, portanto, escolher uma trilha integrada, como “viagem ao redor de mama Gaia”, e usar nela 1.200 horas de aula das 3.000 que terá ao longo dos 3 anos de ensino médio.
“Há prós e contras de colocar o itinerário no começo do ensino médio: a vantagem é já mostrar para o aluno que será tudo diferente, que ele vai poder escolher o que estudar. A desvantagem é que, se obrigar que o jovem faça sua opção logo de cara, ele pode se frustrar por não saber ainda o que quer”, explica Lordelo.
Oferta de itinerários deve ser menor fora dos grandes centros
É importante entender que as escolas não são obrigadas a oferecer todos os itinerários do “cardápio” do estado – até porque isso exigiria mais espaço e contratação de funcionários.
Elas podem, por exemplo, escolher apenas duas áreas para ofertar. E aí entra mais uma questão de desigualdade: jovens de cidades pequenas, com menos recursos, terão um leque mais reduzido de opções para escolher.
Segundo o Censo Escolar mais recente, divulgado em 2020, 48% das cidades do Brasil têm apenas uma escola regular com ensino médio – são casos em que o jovem terá de se conformar com os poucos itinerários oferecidos no seu próprio colégio.
É uma situação bem diferente da de um adolescente da capital paulista, onde o número maior de instituições de ensino públicas com essa etapa (679) possibilita o oferecimento de uma lista mais extensa de itinerários.
“É mais um risco de agravamento de desigualdades. Uma cidade com apenas uma escola de ensino médio vai ter muito mais dificuldade de ofertar itinerários diversificados. E são justamente regiões mais vulneráveis, com professores com menos formação”, explica Anna Helena Altenfelder, presidente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec).
“É possível que os alunos da zona rural, por exemplo, não se beneficiem tanto da reforma do ensino médio como os das regiões centrais.”
Nem todos os estados reforçarão corpo docente
A oferta de novos itinerários formativos e a reestruturação do currículo fizeram com que alguns estados contratassem novos professores. É claro que isso depende da disponibilidade orçamentária e do tamanho da rede.
São Paulo, por exemplo, contará com 10 mil novos docentes; Alagoas selecionará 3 mil. Já Goiás prevê “continuar a trabalhar com os professores da rede pública estadual”.
“O importante é que haja um bom planejamento das capacidades de oferta e demanda de aulas. O trabalho dependerá dessa organização”, afirma Lordelo.
Formação de professores
Mesmo nos estados que não implementarão os itinerários formativos ainda em 2022, como o Rio de Janeiro, a mudança na organização do ensino médio será sentida pelo início da BNCC (só para refrescar a sua memória: é aquele novo documento que coloca uma base de conteúdos a serem ensinados).
“Os professores serão mobilizados para trabalhar de maneira interdisciplinar, com projetos que integrem mais disciplinas. Isso é uma novidade grande, e eles precisam receber a formação adequada”, diz Altenfelder, do Cenpec.
Segundo o levantamento do Movimento Pela Base, até janeiro de 2021 três estados ainda não haviam iniciado os planos de formação docente: Ceará, Pará e Paraná. Já Distrito Federal, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe declaram que já finalizaram essa etapa. Nos demais, os cursos estão em andamento.
“Nós estamos inseguros”, conta Miriam Isabel Pretto, professora da rede estadual gaúcha.
“Conheço a BNCC na teoria, mas precisaria de mais formação. É uma política imposta de cima para baixo, para tornar o ensino médio atraente, mas tudo está muito distante da nossa realidade.”
Em São Paulo, Mara Cristina de Almeida, diretora estadual da Apeoesp, o sindicato dos professores estaduais, também sente que não recebeu o preparo adequado.
“A formação que recebemos foi muito superficial. É um cenário de desmotivação e insegurança. Eu precisaria de uma redução de jornada para conseguir preparar novas aulas de maneira decente”, afirma.
Ao g1, a rede estadual do RS afirmou que foram feitas 299 “maratonas” com professores, e que a formação deles continuará após o currículo ser homologado. Já a secretaria de SP disse que tem proporcionado formações mensais, de forma on-line e presencial. Nos próximos meses, segundo o órgão, a rede paulista preparará os docentes com materiais didáticos e aprofundamento dos itinerários formativos.
Para Hoogerbrugge, do Todos pela Educação, é preciso haver uma orientação permanente. “A formação de professor não se faz em um ano: precisa de um período para que ele se aproprie da BNCC, entenda o que ela traz. As redes devem se programar para planos de formação contínua.”
Segundo a secretaria de educação do Piauí, por exemplo, a pandemia dificultou a implementação de cursos aos docentes.
“As atividades de formação com oficinas e interações presenciais ficaram prejudicadas”, afirma a Seduc, em nota.
Leila Perussolo, secretária de educação em Roraima e uma das articuladoras do novo ensino médio na rede do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), ressalta que a experiência prática vai mostrar os desafios das mudanças.
“O dia a dia, nesse processo de imersão, ajudará o professor a entender como deverá romper com o que estava consolidado até então. Não é só uma formação teórica de sentar e estudar. Precisa vivenciar.”
Impactos da pandemia
Os alunos que ingressarão no 1º ano do ensino médio em 2022 ficaram sem aulas presenciais durante todo o 8º ano do ensino fundamental e em boa parte do 9º. Haverá defasagens, evidentemente, que precisarão ser compensadas.
“Precisaremos respeitar o que era previsto para a reforma do ensino médio, mas sem desconsiderar a pandemia. Teremos de formular um currículo transitório com base no que foi feito durante os últimos meses”, diz Perussolo.
E aí entra mais um componente de desigualdade: o novo projeto escolar vai começar para todos em 2022, mas de pontos de partida totalmente diferentes.
A Fundação Getúlio Vargas (FGV) e o Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) criaram o Índice de Educação à Distância para avaliar a atuação das redes estaduais no ensino remoto durante a pandemia.
O estudo deixou claro que desigualdades regionais foram agravadas neste período: enquanto houve estados que rapidamente se mobilizaram para desenvolver planos de educação remota, outros demoraram meses para apresentar as primeiras iniciativas.
“Estados mais ricos foram, em média, os que apresentaram os melhores planos”, afirma a publicação.
Foram considerados critérios de:
- transmissão dos conteúdos (internet, TV e rádio);
- formas de acesso (se houve iniciativas de conexão à internet ou de distribuição de materiais);
- supervisão dos alunos (se foram ou não acompanhados pelas escolas)
- e cobertura das atividades (quais etapas foram atendidas).
De março a outubro de 2020, o cenário foi insatisfatório: a nota média dos planos estaduais foi de 2,38 (de 0 a 10). A falta de coordenação nacional do MEC é uma das justificativas apresentadas pelas redes.
G1