Humanidade viveu epidemia de coronavírus há 20 mil anos, diz pesquisa

A partir da análise de dados obtidos na plataforma 1000 Genomes Project, cientistas sustentam que uma epidemia de coronavírus ocorreu no leste asiático há cerca de 20 mil anos. O estudo foi publicado na última sexta-feira (25/6) no periódico Current Biology. A pesquisa – uma espécie de arqueologia genética no genoma humano – envolveu várias instituições, incluindo as universidades de Queensland, do Arizona, da Califórnia e de Stanford.

Nos últimos 20 anos, foram reportadas três graves epidemias causadas por vírus da família Coronaviridae. São elas: a da Síndrome Respiratória Aguda Grave, que se originou na China em 2002 e matou cerca de 800 pessoas; a da Mers, que provocou 850 mortes por síndrome respiratória no Oriente Médio; e a atual – de alcance mundial – que já matou 3,8 milhões de pessoas, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Professor de biologia da Universidade de Queensland e líder da pesquisa que descobriu a epidemia ancestral, Kirill Alexandrov explicou que, ainda no início da pandemia, surgiu a ideia de formar uma rede de cientistas para analisar a relação entre o vírus e a espécie humana. “O contato inicial [entre grupos de pesquisa] ocorreu nos primeiros dias da pandemia de Covid-19 e foi focado em combinar a experiência dos grupos para entender as interações entre o vírus [Sars-CoV-2] e a célula hospedeira”, contou Alexandrov, em um comunicado da universidade.

A compreensão sobre como se dá a interação entre o vírus e a célula hospedeira é fundamental para o desenvolvimento de medicamentos contra a Covid-19, sejam eles para prevenção ou tratamento. Para saber mais sobre isso, os pesquisadores vasculharam os genes humanos buscando mutações que pudessem explicar contatos anteriores entre os coronavírus e os indivíduos da nossa espécie.

“O genoma humano moderno contém informações evolutivas que remontam a dezenas de milhares de anos e estudá-lo é como estudar a casca de uma árvore, os vários anéis que a formam nos dão uma visão das condições que ela experimentou enquanto crescia”, disse o professor Alexandrov, ao Science Daily.

No estudo, os pesquisadores usaram dados do 1000 Genomes Project, maior catálogo público de variação genética humana, e analisaram as mudanças nos genes que codificam as proteínas de interação com o Sars-Cov-2. “Cientistas computacionais da equipe aplicaram análises evolutivas ao conjunto de dados genômicos humanos e descobriram evidências de que os ancestrais dos povos do leste asiático experimentaram uma epidemia de doença induzida por coronavírus semelhante à Covid-19”, completou Alexandrov.

Adaptação a doenças pode deixar traços genéticos

Nas últimas décadas, os geneticistas desenvolveram ferramentas estatísticas poderosas para descobrir traços genéticos de adaptação histórica que seguem presentes nos genomas das pessoas que vivem hoje.

“Nossa equipe estava curiosa para ver se os encontros históricos com coronavírus antigos deixaram vestígios nas populações humanas de hoje. Além de revelar surtos históricos de coronavírus, essas informações podem conter novos insights sobre a base genética da infecção e como esses vírus causam doenças em humanos hoje”, explicou Yassine Souilmi, pesquisador do grupo, em um artigo para o portal de divulgação científica The Conversation.

Ele lembra que os vírus são criaturas que possuem um objetivo simples: fazer mais cópias de si mesmos. Mas sua estrutura biológica rudimentar implica que eles dependam de outros organismos para conseguir se reproduzir. “Eles invadem as células de outros organismos e sequestram o maquinário molecular deles. As invasões virais envolvem anexar e interagir com proteínas específicas produzidas pela célula hospedeira, que chamamos de proteínas de interação viral (VIPs)”, explica.

Analisando as informações genéticas da plataforma 1000 Genomes Project, os pesquisadores encontraram assinaturas de adaptação ao coronavírus em 42 genes humanos diferentes que codificam VIPs. Os resultados apontaram ainda que esses sinais estavam presentes em apenas cinco populações, todas elas do leste asiático – a provável pátria ancestral da família dos coronavírus.

A epidemia ancestral teria ocorrido na área onde hoje estão países como China, Japão, Mongólia, Coréia do Norte, Coréia do Sul e Taiwan. “No decorrer da epidemia, a seleção favoreceu variantes de genes humanos relacionados à patogênese com mudanças adaptativas, presumivelmente levando a uma doença menos grave”, disse o professor Alexandrov.

Utilidade das descobertas

Para o time de pesquisadores, ao obter informações sobre os antigos inimigos virais, a comunidade científica avança na compreensão sobre como o genoma humano se adaptou aos vírus e como conseguiu convertê-los em aliados do processo evolutivo.

Outro desdobramento é a capacidade de identificar vírus que podem voltar a causar ondas de contágio no futuro e, desde já, preparar o nosso arsenal de defesas. “Isso, em princípio, nos permite compilar uma lista de vírus potencialmente perigosos e, em seguida, desenvolver diagnósticos, vacinas e medicamentos para o caso de seu retorno”, detalhou Yassine Souilmi.

 

 

 

Metrópoles

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