Covid mata filha, dois irmãos e dois cunhados de juiz em Manaus

O novo coronavírus tem afetado a vida de muitas pessoas, mas em alguns casos a doença deixa um rastro mais letal numa mesma família. O juiz aposentado Francisco Rodrigues Balieiro, de 62 anos, perdeu a filha, dois irmãos e dois cunhados para a Covid-19. O magistrado mora em Manaus (AM), no estado brasileiro mais atingido pela pandemia.

“Passei e ainda estou passando por momentos muito complicados e dramáticos com essa pandemia. Nossa família foi ceifada por essa doença traiçoeira, aliada ao descaso da saúde pública”, disse.

Para Balieiro, a morte prematura da filha Alana Gabriela de Alencar Balieiro, de apenas 27 anos, foi o golpe mais duro. Ela começou a sentir os primeiros sintomas – tosse seca, dores de cabeça, perda de paladar/olfato e falta de ar – no início de dezembro de 202o. “Como ela tinha obesidade, ficamos preocupados”, contou Balieiro. Alana permaneceu internada por dois dias em um leito clínico, mas o quadro acabou piorando e ela precisou ser transferida para a UTI.

Enquanto Alana não estava intubada, Balieiro fazia revezamento de visitas com a outra filha, Ana Carolina, pois somente uma pessoa podia permanecer na sala. Nas redes sociais, a família deu início a uma corrente de oração com amigos e conhecidos.

Alana faleceu na noite de 20 de dezembro de 2020, no dia anterior ao aniversário de sua mãe, que não está mais viva. Conceição de Alencar teve um choque anafilático e morreu aos 28 anos logo após dar à luz Alana, na cidade de Tabatinga, em 1993. Elas tinham quase a mesma idade quando morreram, coincidências da vida que emocionam ainda mais o magistrado aposentado.

Alana estudava gastronomia e tinha muitos sonhos pela frente. “A Alaninha era um anjo, e anjos não moram na Terra. Eles visitam a Terra por um breve tempo, o tempo de Deus”, escreveu Balieiro em post nas redes sociais, após a morte dela.

Internado

Francisco Balieiro contraiu Covid-19 ainda na primeira onda, em abril de 2020, e precisou ser internado após desenvolver uma pneumonia. Voltou para casa depois de permanecer três dias em um hospital de campanha da prefeitura de Manaus. “Quando recebi alta, ganhei o meu maior presente: uma outra vida”, conta. Em casa, seguiu todas as recomendações, tomou os medicamentos indicados, fez repouso e conseguiu se recuperar totalmente da doença.

Na segunda onda da doença, sua mãe, de 79 anos, também recebeu o diagnóstico positivo para a Covid-19. Maria José Balieiro precisou ser internada, mas não conseguiu vaga em nenhuma unidade de saúde pública e privada, devido à superlotação e à crise do oxigênio. A família enviou ela a São Paulo, onde foi atendida no Hospital Beneficência Portuguesa, na cidade de Campinas. Recuperada, já retornou a Manaus.

Irmãos e cunhados vítimas

O primeiro a morrer na família por Covid-19 foi o irmão Jonas Rodrigues Balieiro, de 57 anos. Gestor de uma escola Municipal em Tabatinga, a mil quilômetros de Manaus, era carinhosamente conhecido como “computador”. Ele permaneceu três dias internado no hospital público da cidade, mas como Jonas tinha diabetes, a situação se agravou. O professor faleceu em 2 de maio de 2020. “Meu irmão aguardava uma UTI aérea para ser removido para outra unidade de saúde”, explicou.

Em janeiro de 2021, outra tragédia para a família. O irmão mais novo, Ulisses Rodrigues Balieiro Filho, de 48 anos, também faleceu após ter contraído o novo coronavírus. Ele permaneceu cinco dias internado no Serviço de Pronto Atendimento Alvorada, em Manaus, e aguardava ser transferido para um leito de UTI no hospital referência de Covid-19. Não conseguiu. Francisco Balieiro suspeita que ele morreu por falta de oxigênio.

“No dia 11 de janeiro, minha irmã falou com ele por volta das 20h e tudo aparentava bem, ele estava só um pouco ofegante. Quando deu meia-noite, ela recebeu uma ligação que o Ulisses tinha falecido e não informaram o motivo”, explicou.

A morte aconteceu dias antes do maior colapso da saúde do Amazonas, que ocorreu em 14 de janeiro de 2021. “Acredito que àquela altura os médicos já vinham racionando oxigênio, e meu irmão acabou sendo vítima. Mas pensar nisso no momento não vai resolver absolutamente nada. Os órgãos de controle vão investigar o que realmente ocorreu”, disse.

Devido à nova onda da pandemia, apenas duas pessoas puderam acompanhar o enterro no cemitério. Em uma foto registrada pelo cunhado, que também morreu por Covid-19, Balieiro aparece sozinho no cemitério, orando em frente ao caixão do irmão.

Armando Manuares Peixoto era casado com Josiane, uma entre os cinco irmãos de Francisco. Conhecido pela família como “Maguila”, ele faleceu em 23 de fevereiro de 2021. Balieiro enterrou dois cunhados. A irmã do juiz Trindade Balieiro, de 60 anos, perdeu o marido, Ademir, em São Paulo de Olivença (AM), em 2020.

Segundo dados da Fundação de Vigilância Sanitária do Amazonas (FVS-AM), o governo do Amazonas registrou 5.357 mortes por Covid-19 em 2021, o número já ultrapassou o total do ano passado. Parte dos falecimentos ocorreu em 2020, mas foram diagnosticados após muita investigação. De março a dezembro de 2020, houve 5.285 registros de óbitos.

Para Francisco Balieiro, o Amazonas vive essa situação preocupante por causa do descaso público pela saúde. “Essa flexibilização de decretos e afrouxamentos das medidas restritivas levaram pessoas à morte. A incompetência pública assassinou por asfixia inúmeras pessoas que estavam internadas e acometidas por Covid-19”, afirmou.

Apesar da consternação de quem perdeu vários parentes para a doença, Balieiro acredita que a família é forte o suficiente para superar esses momentos tão tristes. “Apesar da perda de pessoas tão próximas de mim, minha fé não fraquejou e continuo acreditando em Deus e na ciência, que não são incompatíveis. Vacina já para todos!”, implorou.

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